sábado, 18 de dezembro de 2021

Dora Kramer: Aperte o cinto

Revista Veja

Turbulências políticas serão como mar de rosas diante do que promete 2022

Certos anos, quando acabam, proporcionam suspiros de alívio. Foi assim em 2020, de modo enganoso, pois se supôs ali que a pandemia arrefeceria. Agora, ao fim de 2021, nada autoriza a mesma ilusão nem ninguém provido de bom senso acredita que dias melhores virão em 2022 no quesito atribulações políticas.

Na teoria do mundo oficial, é uma campanha curta, 45 dias, segundo o permitido pela legislação. No universo paralelo da prática, tem sido a mais longa da história recente, com a duração exata do intervalo entre a eleição passada e a seguinte.

A razão sabemos: um presidente eleito sob forte rejeição que, à falta de atributos para reverter a situação, no lugar de governar se dedicou a seguir na condição de candidato criador de casos, imaginando assim alcançar a reeleição.

Jair Bolsonaro exagerou na dose do remédio, que virou veneno e o fez chegar a uma situação eleitoralmente não impossível, mas muito difícil ao fim de três anos de desgoverno. Os 21% de intenções de votos diante dos 48% de Luiz Inácio da Silva, segundo a última pesquisa do Ipec (ex-Ibope), nem são o obstáculo principal.

Mais grave para ele é a avaliação popular, cuja aprovação desde fevereiro caiu em média 10 pontos porcentuais nos itens eficácia governamental, desempenho pessoal e confiança na figura do presidente. Já vimos candidatos muito qualificados perderem eleições e governantes bem avaliados na função sofrerem derrotas. O contrário até hoje não se viu.

Marco Antonio Villa: Os piores anos das nossas vidas

Revista IstoÉ

O pesadelo que estamos vivendo é produto da nossa história política. Bolsonaro não é um acidente, um acaso ou um fenômeno da natureza

É difícil supor que alguém tenha previsto, em 1º de janeiro de 2019, que teríamos três anos terríveis, os piores da história republicana. Imaginava-se que o Bolsonaro faria um governo ruim. Afinal, seria um milagre se aquele deputado do baixo clero, que, em momento algum (e foram 28 anos!), tinha se destacado pelo entendimento das complexas questões de Estado tivesse subitamente se convertido em um bom governante. Mas o pesadelo que estamos vivendo, com acontecimentos diários que nos envergonham no concerto das nações, ah, com a mais absoluta certeza nem o mais pessimista dos analistas poderia supor.

Pablo Ortellado: Polarização com terceira via?

O Globo

A terceira via é uma expressão adotada pelo jornalismo para se referir aos candidatos a presidente que representam uma alternativa a Lula e Bolsonaro. Esses candidatos podem estar mais à direita, como João Doria ou Sergio Moro, ou mais à esquerda, como Ciro Gomes. Mas o fato de os candidatos da terceira via criticarem simultaneamente Lula e Bolsonaro não significa necessariamente que apontem para o fim da polarização.

A polarização política não é um fenômeno eleitoral. É um fenômeno social que tem expressão eleitoral. Ela opõe cidadãos que abraçam identidades políticas construídas a partir da hostilidade ao adversário, e essa dinâmica antagonista se expressa eleitoralmente em dois candidatos concorrentes.

Até onde se sabe, a polarização brasileira gira em torno de um conjunto de identidades políticas mais ou menos alinhadas: de um lado, as de esquerda, de petista e de progressista; de outro, as de direita, de conservador e de patriota (entre outras). Quem adota uma ou algumas dessas identidades é um grupo de pessoas que podemos considerar pequeno, mas grande o suficiente para impactar o resto.

No dia a dia das mídias sociais, são os polarizados que difundirão notícias com viés partidário para além da bolha militante — eles são os responsáveis por levar as disputas de narrativas aos despolitizados que estão no Facebook e nos grupos de WhatsApp da família e dos amigos. São também os polarizados que durante o período eleitoral pedirão voto — ou serão consultados pelos despolitizados para ajudar a escolher candidato. Por falar muito, de maneira coordenada, e por ser muito ativa, a minoria polarizada dá o tom para o conjunto da sociedade.

Ascânio Seleme: Os aplausos da Fiesp

O Globo

Apenas 32% dos evangélicos aprovam o governo Bolsonaro, revelou o Datafolha; número chega a 50% entre empresários

Que Bolsonaro é um idiota, todo mundo sabe. Por isso, não surpreendeu quando disse no auditório da Federação das Indústrias de São Paulo que “ripou” a diretoria do Iphan porque o órgão havia interditado uma obra do seu amigo Luciano Hang. Também não foi novidade anunciar um crime que cometeu certo que nada vai acontecer, que foi isso o que ele fez ao revelar a “ripada”. O que surpreendeu foram os risos e os aplausos entusiasmados da plateia da Fiesp à fala cabulosa e absurda. Os presentes também gostaram de ouvir de Bolsonaro que ele colocou uma ministra no TST “que não vai dar trabalho para vocês”.

Significa que aquele público, mais do que qualificado, com acesso à informação abundante e teoricamente capacitado para ver o mundo sob diversas óticas, inclusive a humanista, se lixa para o patrimônio histórico, para a justiça social e para a lei. Foi isso o que revelaram ao rir e aplaudir quando Bolsonaro disse que demitiu a diretoria porque técnicos do Iphan encontraram “azulejos” nas escavações e paralisaram a obra de Hang. Foi o que também demonstraram quando o presidente avisou que a nova ministra do TST não os incomodará. Claro que eles entenderam o recado e foi para o que aplaudiram. Em outras palavras, Bolsonaro disse que eles “podem infringir as normas trabalhistas à vontade que a ministra não vai se mexer”.

Carlos Góes: A recessão das mulheres

O Globo

Uma das lições da atual crise é que, ao decidir que setores abrem e fecham, é preciso levar em conta as consequências sociais da medida

A recessão da Covid é peculiar: ela não se assemelha a crises anteriores, e as políticas ótimas para responder à crise também são diferenciadas. Uma dessas peculiaridades, ainda pouco debatida no Brasil, é o fato de esta recessão ter afetado as mulheres no mercado de trabalho mais negativamente do que os homens.

Historicamente, os empregos masculinos são mais afetados por crises do que os empregos femininos. Há várias razões para isso.

Uma delas é o fato de que as mulheres entraram na força de trabalho tardiamente, em comparação aos homens, e só recentemente tem havido convergência nesses indicadores entre os sexos. Como, nas últimas décadas, a tendência de crescimento no emprego feminino tendeu a ser maior do que o masculino, em crises o emprego feminino continuava crescendo.

Os economistas Masao Fukui, Emi Nakamura e Jón Steinsson documentaram que, nos Estados Unidos, esse crescimento do emprego feminino em crises ocorreu até a década de 1990. Nas crises posteriores, o emprego feminino caiu, mas menos do que o masculino.

Carlos Alberto Sardenberg: Garantia de impunidade (2)

O Globo

A volta ao tema do sábado passado se justifica por dois motivos: primeiro, porque a Segunda Turma do STF continuou nesta semana o processo “liberou geral” de réus ou condenados pela Lava-Jato e operações afins; segundo, e mais importante, porque encontramos em comentários do professor Joaquim Falcão, jurista tão sábio quanto técnico, as palavras exatas para descrever o que acontece em tribunais superiores.

Começando pelo fato: na última terça-feira, a Segundona decidiu retirar da competência do juiz federal Marcelo Bretas o caso do empresário Jacob Barata Filho. Conhecido como o “Rei do Ônibus”, Barata já havia sido condenado por Bretas, com Sérgio Cabral, por fraudes e propinas variadas na concessão e administração do sistema de transportes do Rio. Mas, com relatoria de Gilmar Mendes, a Segunda Turma decidiu que o caso deveria ir para a Justiça estadual —e lá começar de novo.

O placar foi o de sempre, 3 a 1. Gilmar Mendes, o líder, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques, de um lado; de outro, Edson Fachin, sempre voto vencido na tese de manter as decisões da Lava-Jato.

Oscar Vilhena Vieira: O Supremo não tem dono

Folha de S. Paulo

Caberá a Kassio Nunes e André Mendonça deixar claro que servem apenas à Constituição

O Supremo é uma criatura da Constituição, tal como o Congresso, as Forças Armadas ou o SUS. Suas atribuições não estão à disposição de quem quer que seja. Guardar a Constituição é sua missão precípua.

O presidente da República oferece reiteradas demonstrações de não se conformar com isso. Não bastassem os ataques e ameaças, a cada momento em que o tribunal impugna um de seus atos arbitrários ou contraria os interesses de seus acólitos, o presidente passou a se gabar, com a nomeação de um segundo ministro, de possuir 20% do tribunal, deixando claro a empresários embevecidos na Fiesp que, se reeleito, dobraria sua quota no tribunal.

Não se trata apenas de uma tosca manifestação de um arruaceiro. Bolsonaro segue fielmente a nova cartilha dos populistas autoritários, que determina a captura das instituições democráticas, especialmente aquelas responsáveis pela aplicação da lei.

Nesse contexto, muitos têm questionado a nomeação de um ministro "terrivelmente evangélico" para o tribunal. A religião de qualquer ministro me parece um dado absolutamente irrelevante. O mais preocupante foram suas demonstrações de deslealdade constitucional ao exercer a autoridade pública, permitindo da elaboração de dossiês contra adversários do governo ao emprego da extinta lei de segurança nacional para intimidar jornalistas e opositores.

Demétrio Magnoli: O Sistema

Folha de S. Paulo

Prova de fogo da pandemia deslocou-se da esfera da ciência para a da política

Meio século atrás, falava-se muito no Sistema, assim com maiúscula. Era, simplesmente, uma referência velada à ditadura militar, então no seu apogeu. O Sistema, porém, está de volta, em acepção bem mais antiga, invocada mundo afora pelas campanhas antivacinais: o "Estado profundo", isto é, uma ordem oculta cujas tramas opressivas precisariam ser desmascaradas. No fundo, trata-se de versão atualizada de um tema perene da política extremista.

"Ditadura sanitária", eis a síntese mobilizadora que cunharam. Na Holanda, um deputado da ultradireita populista classificou os não vacinados como "novos judeus", submetidos aos "novos nazistas". O paralelo infame circula em dezenas de países. Antes, o discurso extremista dizia que a pandemia era uma invenção do Sistema —ou seja, dos "comunistas" ou da "elite globalista". Hoje, assegura que as vacinas são frutos tóxicos da mesma conspiração de malfeitores engajados na destruição das nações e das liberdades.

Cristina Serra: Cinquenta tons de golpismo

Folha de S. Paulo

Tutela militar, ou a simples percepção dela, é anomalia a ser evitada a todo custo

Foi recebida com chocante naturalidade e, de certa forma, foi até comemorada por muita gente a notícia de que o ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva assumirá em breve o cargo de diretor-geral do TSE. Nesta função, será o responsável pela organização da eleição de 2022, com sistema eletrônico de votação, alvo reiterado de ataques do presidente ao qual serviu não faz muito tempo.

Quem gostou da notícia argumentou que o general da reserva será um avalista da lisura do processo eleitoral e um muro de contenção contra declarada intenção de Bolsonaro de não aceitar outro resultado que não seja a sua vitória. Se a democracia brasileira precisa da chancela de um general para se garantir contra ameaças golpistas, isso só mostra o tamanho da nossa barafunda institucional.

Alvaro Costa e Silva: O engenheiro da autodestruição

Folha de S. Paulo

Para compensar o desprestígio entre os evangélicos, reajuste aos policiais vai custar R$ 2,8 bilhões

Espero que os médicos estejam dando a atenção devida à apneia do sono presidencial. Os últimos dias foram de provocar insônia em qualquer homem saudável e equilibrado, quanto mais em Bolsonaro.

Segundo o Datafolha, Lula lidera a corrida com 48% da preferência eleitoralal; se hoje fosse outubro de 2022, ele ganharia no primeiro turno. No Brasil da pobreza e da fome, 53% avaliam o governo como ruim ou péssimo. O presidente ainda sofreu um golpe inesperado: entre os evangélicos, pesquisas apontam um empate técnico entre Lula e Bolsonaro, sinal da transferência de votos do segundo para o primeiro. O engenheiro da destruição —do país, da democracia, dos sistemas jurídico e policial, da saúde da população— está se autodestruindo.

Hélio Schwartsman: Curto-circuito chileno

Folha de S. Paulo

País decide presidente neste domingo (19) e o futuro de 30 anos de convivência civilizada e alternância no poder

Os chilenos definem neste domingo seu próximo presidente. Decidem entre o direitista José Antonio Kast e o esquerdista Gabriel Boric. O primeiro é um extremista, pinochetista e admirador de Bolsonaro. Quanto ao segundo, seria errado classificá-lo como extremista, mas vem de uma ala da esquerda bem mais radical do que a dos últimos presidentes chilenos que se colocavam no campo progressista. Dados os currículos, a escolha me parece fácil, mas é forçoso reconhecer que algo deu errado no Chile.

O país, afinal, vinha experimentando um ciclo de mais de 30 anos de alternância entre dois grupos, um de centro-esquerda e outro conservador, mas ambos inequivocamente comprometidos com a democracia.

Mais importante, quando chegava ou voltava ao poder, nenhum deles se punha a desfazer o que a coalizão rival realizara. Essa convivência civilizada é um dos ingredientes do longo período de crescimento econômico vivido pelos chilenos, que fez com que o PIB per capita saltasse dos US$ 11 mil, no início dos anos 2000, para mais de US$ 25 mil em 2019. A pobreza extrema, que atingia 36% da população, despencou para 8,6%.

Bolívar Lamounier*: Treno por um país em permanente estupor

O Estado de S. Paulo.

Não há dúvida de que nossas instituições políticas atingiram o ponto mais baixo de sua história

Temi parecer pedante ao usar o substantivo treno (do grego thrênos, canto ou oração pungente) no título deste artigo, mas não me vem à mente outro termo que traduzisse o que sinto ao ver nosso país despencando morro abaixo, incapaz de responder à crise que há anos nos assola.

Não há dúvida de que nossas instituições políticas atingiram o ponto mais baixo de sua história. No Executivo, um presidente que fez o que podia para dificultar o trabalho dos agentes de saúde no combate à pandemia, só pensa em se reeleger e ornamenta seu desapreço pela liturgia do cargo que ocupa com tiradas do mais duvidoso humor. No Legislativo, o presidente da Câmara parece pensar que sua função se exaure na tarefa de barrar o mais que justificado impeachment de Jair Bolsonaro. No Judiciário, desde a tragicômica exegese lewandowskiana do artigo 52 (inciso 15, parágrafo único) da Constituição federal de 1988, adrede concebida para beneficiar Dilma Rousseff no episódio do impeachment, só o que vimos foi uma interminável melopeia entoada com o único objetivo de obscurecer as falcatruas perpetradas pelo sr. Luiz Inácio Lula da Silva, notadamente na Petrobras, e admitir sua elegibilidade para a Presidência da República em 2022. O resultado de tudo isso serão, provavelmente, mais oito anos de Lula e a continuidade da idiota polaridade entre ele e Bolsonaro, que teve início na eleição presidencial de 2018.

João Gabriel de Lima: As escolhas do eleitor

O Estado de S. Paulo.

São eles – brasileiros que vivem no ‘império da necessidade’ – que decidem a eleição

Dois lances de xadrez marcaram, nesta semana, o jogo da campanha eleitoral de 2022. O primeiro foi a saída de Geraldo Alckmin do PSDB. Se realmente for vice de Lula, teremos uma reedição do namoro tucano-petista da virada dos anos 1980/1990 – vá para onde for, Alckmin, herdeiro de Mario Covas, sempre carregará um pedaço do PSDB consigo. O segundo foi o anúncio da equipe econômica de João Doria – tucano que não se bica com Alckmin – incluindo nomes como Ana Carla Abrão, colunista do Estadão, Zeina Latif e Henrique Meirelles.

Os políticos jogam seu xadrez, mas quem decide os pleitos são os eleitores. O que os leva, afinal, a escolher este ou aquele candidato?

Adriana Fernandes: A falta de sinais de Lula sobre a economia

O Estado de S. Paulo.

Não é por estar à frente nas pesquisas que Lula vencerá sem dizer o que fará na economia

A possibilidade de o ex-governador Geraldo Alckmin ser o candidato a vice na chapa do ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem feito muitos se perguntarem se essa eventual aliança política para as eleições de 2022 pode se estender ao campo econômico ou ficaria restrita aos acordos para a formação dos palanques regionais.

Líder nas pesquisas com uma distância grande do presidente Jair Bolsonaro, Lula tem dado poucas pistas de como será o seu programa econômico. Em 2003, ele montou uma equipe econômica que passou por cima de muitas das ideias defendidas pelos economistas mais influentes do partido.

A estratégia agora do PT está sendo a de seguir com o debate interno (muito acalorado e disputado) em torno do programa e deixar para bem mais tarde posicionamentos sobre o que pretende fazer em 2023 na economia, caso confirme o atual favoritismo e ganhe as eleições.

“Na campanha paralela dos economistas, temos neoliberalismo selvagem de discurso: Guedes neoliberalismo progressista de planilha: Meirelles, Pastore, Arminio e Cia (C’est là même chose) novo desenvolvimentismo fiscalista: Marconi e Benevides e no PT o debate segue”, postou essa semana o ex-ministro da Fazenda do PT Nelson Barbosa, numa mensagem quase subliminar para dizer o seguinte: não é agora.

Marcus Pestana* - Anastasia e Rodrigo Pacheco recuperam o protagonismo de Minas

Minas Gerais sempre ocupou papel central nas grandes decisões políticas nacionais. A aliança com Vargas na revolução de 1930, o desenvolvimentismo de JK, a presença de Aureliano Chaves na vice-presidência, a liderança de Tancredo Neves na crise de 1961 e na transição democrática, a atuação destacada dos parlamentares mineiros em toda a história republicana são provas inequívocas disso: Itamar Franco e o Plano Real. Minas sempre foi uma espécie de síntese do Brasil, sinônimo de equilíbrio, serenidade, diálogo e compromisso com o interesse público e nacional.

Em tempos de polarização radical e estéril, onde adversários são tratados como inimigos e os espaços de diálogo se encurtam perigosamente, Minas tem feito falta ao Brasil.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS:

Anvisa dá exemplo de coragem

O Estado de S. Paulo.

Bolsonaro já deixou claro que não aceita os limites de seu poder. Que as instituições tenham a bravura da Anvisa e recordem ao presidente que ele não pode tudo

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso da vacina da Pfizer contra a covid-19 em crianças de 5 a 11 anos de idade. Foi o que bastou para que o presidente Jair Bolsonaro, inimigo declarado da vacinação para qualquer idade, partisse para a intimidação explícita dos responsáveis pela decisão da Anvisa.

Em transmissão pela internet, Bolsonaro, depois de admitir que não tem poder para interferir na agência, exigiu saber os nomes de quem participou do processo para, então, “divulgar os nomes dessas pessoas para que todo mundo tome conhecimento quem são essas pessoas e obviamente forme o seu juízo”.

Não é preciso ser especialista em bolsonarismo para deduzir que o objetivo de Bolsonaro, usando seu poder e sua visibilidade como presidente, é atiçar os cães das redes sociais a destruir a reputação profissional e arruinar a vida privada dos funcionários da Anvisa.

Tal comportamento, obviamente incompatível com o exercício da Presidência da República, é ademais a reiteração da confusão deliberada que Bolsonaro faz entre seus desejos pessoais e decisões de Estado.

Felizmente, a Anvisa não se deixou intimidar. Em atitude corajosa, num notável contraste com a pusilanimidade de Bolsonaro, a agência emitiu uma nota oficial em que, referindo-se explicitamente às declarações do presidente, informou que “repudia e repele com veemência qualquer ameaça, explícita ou velada, que venha constranger, intimidar ou comprometer o livre exercício das atividades regulatórias e o sustento de nossas vidas e famílias: o nosso trabalho, que é proteger a saúde do cidadão”.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: Num Monumento à Aspirina

Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda a hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia…