segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Fernando Gabeira: Papai Noel no Congresso

O Globo

Orçamento é um tema muito pesado para o período de festas de fim de ano. Vamos traduzir assim: Papai Noel passou pelo Congresso e foi muito generoso, deixando um presente de R$ 37 bilhões em emendas parlamentares, das quais R$ 16,5 bilhões naquele famoso orçamento secreto. Aliás ficou apenas meio secreto para ganhar autorização do Supremo Tribunal Federal, que o havia bloqueado. Meio secreto, como as meio grávidas, ele é arma da reeleição de deputados.

Papai Noel foi muito generoso com os partidos e deixou para eles um fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões. Será uma rica campanha num país empobrecido e faminto.

Papai Noel contemplou os policiais federais com um aumento e deixou de fora o restante do funcionalismo.Não cabia presente para todos no seu famoso saco vermelho, ou talvez as renas não aguentassem o peso.

Carlos Pereira*: Como eles pretendem governar?

O Estado de S. Paulo.

Candidatos à Presidência precisam esclarecer como vão montar e gerenciar coalizões

Um dos problemas cruciais em qualquer sistema político é como gerar governabilidade para que um governo eleito tenha condições de implementar sua plataforma. Se tiver maioria no Legislativo, essa tarefa é facilitada. Mas, em sistemas multipartidários, chefes do Executivo necessitam governar por meio de coalizão por não desfrutarem de maioria.

A forma como se gerencia a coalizão impacta decisivamente na performance do governo.

Não sabemos ainda como alguns candidatos à Presidência pretendem lidar com tais restrições, mas já sabemos que os modelos e estratégias de gerência implementados tanto pelo petismo como pelo bolsonarismo fracassaram.

Demétrio Magnoli: Como o Ocidente perdeu a Rússia

O Globo

Trinta anos atrás, em 25 de dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev renunciou à Presidência da URSS e, no dia seguinte, o Estado Soviético cessou de existir. A Rússia renasceu, fora do envelope comunista, querendo ser Europa. Contudo, na década seguinte, o Ocidente perdeu a Rússia. Vladimir Putin, ou seja, a reversão russa a uma autocracia belicista, é o fruto do maior erro cometido pelos EUA e pela União Europeia no pós-Guerra Fria.

O erro estratégico derivou de algo que o Ocidente não fez, nos domínios da economia, e de algo que fez, nos domínios da geopolítica. Em síntese: a ausência de um “Plano Marshall para a Rússia” e a expansão da Otan.

Casa Comum Europeia — a expressão, de Gorbachev, cartografava um rumo histórico para a URSS. Depois da implosão, a Rússia continuou sonhando ser Europa. Sob a Presidência de Boris Yeltsin, na primeira metade da década de 1990, Yegor Gaidar conduziu a controversa “terapia de choque” que transformou a arruinada economia estatal numa precária economia de mercado.

Ariel Dorfman*: Ascensão de Boric ocorre em boa época

O Estado de S. Paulo.

Ascensão de Boric ocorre em um momento auspicioso para a esquerda latino-americana

Há muitas razões pelas quais a retumbante vitória de Gabriel Boric, um congressista millennial de esquerda, nas eleições presidenciais do Chile ecoa muito além das fronteiras desse país andino.

Nesses tempos que têm testemunhado a alarmante ascensão do autoritarismo em todo o mundo, é motivo de celebração que os eleitores chilenos tenham rejeitado não apenas o oponente de Boric, o ultraconservador e falso populista José Antonio Kast, que é admirador do ex-ditador do país, o general Augusto Pinochet, mas também as mensagens de medo e intolerância transmitidas por suas posições contra a imigração, o aborto e em defesa da tradição, da lei e da ordem.

Tão significativo globalmente foi o fato de meus compatriotas escolherem um líder de 35 anos, que será o mais jovem presidente chileno da história, um indivíduo que encarna os anseios da nova geração de nosso conturbado planeta. As causas em que Boric acredita são as mesmas que jovens de todos os cantos têm defendido cada vez mais nas ruas de cada vez mais países: igualdade de gênero, empoderamento de mulheres e povos indígenas, fim da brutalidade policial e das políticas neoliberais, aprofundamento da democracia e dos direitos civis e, acima de tudo, uma ação urgente a respeito do meio ambiente.

Bruno Carazza*: A elite e seu próprio umbigo

Valor Econômico

Pressão por reajuste de servidores evidencia distorções

Jair Bolsonaro abriu a caixa de Pandora. Ao decidir conceder um reajuste salarial para policiais federais, despertou a inveja, a cobiça e o ciúme das demais carreiras do topo do serviço público brasileiro. Imediatamente, auditores da Receita entregaram seus cargos comissionados, assim como associações de servidores anunciam para janeiro uma paralisação dos trabalhos.

Existem inúmeras razões para se pagar bem aos empregados do Estado. Altos salários atraem bons profissionais, o que em tese melhora a qualidade dos serviços prestados. Um corpo técnico bem remunerado, também na teoria, é menos propenso a ser capturado pelos interesses do setor privado ou por políticos poderosos, protegendo as políticas públicas dos vícios do patrimonialismo, do lobby ou da corrupção pura e simples.

No Brasil, porém, bons princípios são sempre distorcidos pelo corporativismo e utilizados para justificar o injustificável.

Sergio Lamucci: A situação da economia e as contas públicas

Valor Econômico

Para que uma retomada mais firme da atividade em 2023 seja viável, será necessário que o eleito em 2022 tenha uma proposta crível para a sustentabilidade fiscal

O ano termina com inflação na casa de 10%, juros que se encaminham para superar os dois dígitos e um PIB que patina desde o segundo trimestre. Para 2022, o cenário que se desenha tampouco é animador. As fortes altas da Selic, que estava em 2% até março deste ano, vão afetar a economia ao longo do ano que vem, minando uma atividade que já está fraca. Isso deve levar à queda da inflação, mas não a ponto de trazer o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para a meta perseguida pelo Banco Central (BC) em 2022, de 3,5%. As incertezas fiscais e políticas num ano de eleições presidenciais tendem a manter o câmbio num nível desvalorizado, dificultando a tarefa do BC de combater as pressões inflacionárias.

Esse quadro delicado deverá colocar a economia como um das principais preocupações dos eleitores. Pesquisa do Datafolha divulgada neste mês mostra que 14% apontam o desemprego como principal problema do país, enquanto 12% citam a economia, 8%, a fome ou miséria e 7%, a inflação, empatada com educação. Ficaram atrás apenas da saúde, com 24%, que tradicionalmente é apontada como a grande questão a ser resolvida no país. A corrupção foi mencionada por 4%. Nesse ambiente, tende a ganhar a eleição quem for percebido como o mais capaz de reverter a situação negativa na economia.

Tony Volpon*: Ambiguidade estratégica

Valor Econômico

O impulso fiscal, que já decaiu bastante em 2021, deve ser negativo em 2022, apesar dos gastos adicionais com a aprovação da PEC dos precatórios

A última ata do Copom foi lida pelo mercado como bastante “dura”. Sobre a economia, apesar das seguidas frustrações dos últimos dados, o BC alega que isso mostra somente um nível de atividade “ligeiramente abaixo do esperado”. A inflação “segue elevada”, e “questionamentos” e “desenvolvimentos” sobre o arcabouço fiscal fizeram o Copom assimilar esses riscos em suas projeções, que agora se encontram acima da meta, tanto em 2022, como em 2023. Assim, o Banco Central deve “perseverar” em avançar “significativamente em território contracionista” na sua postura monetária.

Com a inflação rompendo dois dígitos, a postura do Copom parece ser muito justificada, e foi muito elogiada no mercado, que também, reflexivamente, aumentou suas projeções para a taxa Selic.

O único problema é que a inflação de hoje é uma janela no passado. Fora a questão da inércia, o que vale para a inflação futura são seus fatores condicionantes de hoje.

Celso Rocha de Barros: Os livros de política de 2021

Folha de S. Paulo

'Casta: as Origens de Nosso Mal-Estar', de Isabel Wilkerson, é o livro do ano

Antes de mais nada, um aviso: a partir deste ano, livros publicados no fim do ano anterior concorrem no ano seguinte. O motivo é simples: posso demorar para descobrir que um livro existe. Dito isto, aqui vai minha lista de melhores livros de política de 2021.

"Portas Fechadas", do historiador Adam Tooze, é a primeira grande obra sobre a reação dos governos à crise econômica da pandemia. Vale acompanhar se as mudanças que identificou nas ideias subjacentes às políticas implementadas serão duradouras.

Depois da eleição brasileira de 2018, a resposta deveria ser óbvia, mas "Por que Eleições Importam?", de Adam Przeworski, oferece uma defesa da democracia especialmente boa se você não acredita nos argumentos idealistas normalmente utilizados em sua defesa.

Em "O Brasil contra a Democracia", Roberto Simon reconta, com base em novos documentos, o apoio da ditadura brasileira ao golpe contra Allende e à ditadura de Pinochet. "O Ano da Cólera", de Sylvia Colombo, discute a turbulência na América Latina após o fim do ciclo das commodities. Espero que as duas obras nos ajudem a discutir nossos problemas com mais atenção à dinâmica do continente.

Catarina Rochamonte*: Lula e o manto da impunidade

Folha de S. Paulo

Jantar promovido pelo grupo Prerrogativas comemorou o êxito da destruição da operação Lava Jato

No jantar promovido pelo grupo Prerrogativas (braço jurídico de Lula e seu entorno) houve jubilosa confraternização na exposição da possível chapa presidencial Lula-Alckmin. Porém, para além de uma aliança política heterodoxa, o que ali se comemorava era o êxito da destruição da operação Lava Jato, o sucesso da campanha difamatória e de retaliação contra seus integrantes e o retrocesso cívico-moral que consolidou no STF a jurisprudência do garantismo do colarinho branco: era a celebração da impunidade.

Olhando para Geraldo Alckmin, que em 2018 o acusou de querer se eleger para voltar à cena do crime, Lula perorou: "Não importa se no passado fomos adversários [...], o tamanho do desafio que temos pela frente faz de nós aliados de primeira ordem". O enorme desafio é manter o sistema de corrupção funcionando a pleno vapor, é manter as prerrogativas de impunidade da casta de políticos que se acredita acima da lei e que não quer ser importunada por aqueles que acreditam que a lei se aplica a todos.

Mirtes Cordeiro*: Meu Conto de Natal

“Jesus nasce perto dos esquecidos das periferias. Ele vem para enobrecer os excluídos e primeiro se revela a eles, não a pessoas instruídas e importantes, mas aos pastores e aos trabalhadores pobres.”

(Papa Francisco)

Tenho uma lembrança nítida da noite do Natal desde os meus sete anos até os catorze anos de idade, quando conclui o curso Ginasial, que corresponde hoje da quinta à nona série do Ensino Fundamental. Após o Ginásio fui estudar em Fortaleza, a capital do estado, num colégio interno, porque na minha cidade, Ipu, no Ceará, ainda não existia o Ensino Médio.

O colégio pertencente à Congregação de São Vicente de Paulo, uma ordem religiosa católica francesa, era dirigido por freiras Irmãs de Caridade, aquelas que usavam um chapéu chamado corneta, muito usado pelas senhoras parisienses em 1801 (The Times) mantidas como parte de suas vestimentas, o hábito, até a idade contemporânea. Estudara em colégios dirigidos pelas irmãs de caridade desde o Jardim de Infância até o terceiro ano do Magistério, o curso que formava professores para o Ensino Primário.

Então, vivenciei o Natal como uma festa tradicionalmente religiosa e mágica, o que penso contribuiu para moldar a minha personalidade no que chamo hoje um longo processo de resiliência vivenciado durante 77 anos, completados amanhã, 28.

A cidade inteira se preparava para a festa de Natal que acontecia nas Igrejas católicas e nas residências.

Ruy Castro: Em busca do tempo perdido

Folha de S. Paulo

As madeleines de Proust não nos livram da intolerável atualidade brasileira. Mas pode estar por pouco

Há tempos, folheando livros ao acaso, abri "O Caminho de Swann", de Marcel Proust, bem no trecho em que o personagem mergulha no chá uma madeleine —um bolinho amanteigado, em forma de concha. Ao levar à boca um gole com migalhas do confeito, o narrador recua à infância e isso dispara o processo de pensamento que compõe os sete volumes de "Em Busca do Tempo Perdido", um dos poucos monumentos indiscutíveis da humanidade.

Neste fim de ano, numa reunião, fui servido de uma madeleine. Empolgado, mordisquei-a e, discretamente, escondi-me num canto para esperar que o bolinho desencadeasse em mim um fluxo de memória como o que assomou Proust. Mas, apesar do esforço, não consegui recuar mais que algumas semanas. Estamos prisioneiros da intolerável atualidade brasileira e só voltaremos a sentir prazer em pensar quando nos livrarmos dela.

Cacá Diegues: O jardim dos homens

O Globo

Queremos mais amor e um bom comportamento pessoal e político para com o país em que vivemos

Nos jardins de Deus nascem e cabem todas as flores. Menos as que Jair Bolsonaro e seus cupinchas não querem. E como eles ainda não sabem com certeza o que não querem, tentam nos fazer prisioneiros de seus delírios, como esse agora das vacinas pediátricas. Meninos e meninas de 5 a 11 anos não poderão se proteger do vírus, devem se tornar suas vítimas compulsórias. Porque, ninguém sabe.

Como também ninguém sabia, quando o homem começou a pensar melhor, a refletir sobre o mundo diante dele, incompleto e imperfeito. Era preciso mexer aqui e ali, separar as coisas de modo a evitar feras e males, tudo o que pudesse vir a ser obstáculo para a construção de uma civilização, nosso papel por aqui. Depois de um certo tempo de muito esforço, acreditamos que era possível ir mais longe — mais do que construir uma civilização que andasse junto com o resto, podíamos conquistar os jardins de Deus por nossa própria conta e risco, estabelecer as regras novas e definitivas sem negociá-las com a complexa personalidade da Natureza, transformando-a no Jardim dos Homens. Deu no que deu.

Ignácio de Loyola Brandão: Feliz final dos tempos

O Estado de S. Paulo

O moral está baixo, a moral mais baixa ainda. Entre as coisas totalmente liberadas está a escrotidão total

Todos escrevem textos para levantar o astral no fim de ano. Tentei, travei. Chavões, clichês, um Natal cheio de alegrias, amor, solidariedade, mundo novo, nova vida, tempo de esperança? Qual é? Com o que está aí? E com ELE lá! Escrevia, deletava tudo soava falso. Como provocar alento? 

Percebo como me faz mal a avalanche de comerciais com panetones, chocotones, chester, perus, tênder, cordeiros assados, filés amaciados com massagens orientais, rabanadas. Orgia. Veio-me à mente aquela série em que um gordo jornalista percorre lanchonetes americanas devorando sanduíches, a gordura escorrendo pelo queixo. Não, não me venha com gordofobia, é que tenho medo do dia em que, durante um programa, eu veja o sujeito explodir. 

Por que não mudo de canal, se as imagens me incomodam? Porque sofro da síndrome de fascínio pelo tenebroso, expressão de Otto Lara Resende, em um júri de concurso de contos, em que todos liam e reliam, treliam, os piores contos, atraídos pela indigência, mau gosto. O tenebroso é uma doença que emana de cada célula daquele que nos preside e cujo nome não se deve pronunciar.

Leandro Karnal: A sedução do Arlequim

O Estado de S. Paulo

O divertido encenador de pantomima necessita do palco compartilhado com algum Pierrot

Malandro, preguiçoso, astuto e dado a ser fanfarrão: eis a figura do Arlequim. Ele surge com sua roupa de losangos no teatro popular italiano (commedia dell’arte). Sedutor, ele tenta roubar a namorada do Pierrot, a Colombina. Vejo que meu texto começa a parecer marchinha saudosista de carnaval...

Há certa dignidade na personagem. Cézanne e Picasso usaram seu talento para representá-lo. O espanhol foi mais longe: retratou seu filho Paulo em pose cândida e roupa arlequinesca. Joan Miró criou um ambiente surrealista com o título Carnaval do Arlequim. 

Ele seduz porque é esperto (mais do que inteligente), ressentido (como quase todos nós), cheio de alegria (como desejamos) e repleto de uma vivacidade que aprendemos a admirar na ficção, ainda que um pouco cansativa na vida real. Como em todas as festas, admiramos o palhaço e, nem por isso, desejamos tê-lo sempre em casa. 

Toda escola tem arlequim entre alunos e professores. Todo escritório tem o grande “clown”. Há, ao menos, um tio arlequinal por família. Pense: virá a sua cabeça aquele homem ou mulher sempre divertido, apto a explorar as contradições do sistema a seu favor e, por fim, repleto de piadas maliciosas e ligeiramente canalhas. São sempre ricos em gestos de mímica, grandes contadores de causos e, a rigor, personagens permanentes. Importante: o divertido encenador de pantomimas necessita do palco compartilhado com algum Pierrot. Sem a figura triste deste último, inexiste a alegria do primeiro. Em toda cena doméstica, ocorrem diálogos de personagens polarizadas, isso faz parte da dinâmica da peça mais clássica que você vive toda semana: “almoço em família”. 

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A degradação do processo legislativo

O Estado de S. Paulo.

Desde o início de 2021, nota-se a deterioração do processo legislativo, com situações inusitadas que desrespeitam os mais básicos princípios democráticos

Nota-se deterioração que desrespeita princípios básicos da democracia.

No mundo inteiro, notam-se casos de deterioração democrática. São governos que, sem romper formalmente os limites constitucionais, se rebelam contra os controles institucionais para impor suas pretensões autoritárias. Valem-se, entre outros meios, do ressentimento e da desinformação. Infelizmente, o Brasil não é exceção. Por exemplo, em descarada imitação do que Donald Trump fez nos Estados Unidos, o governo Bolsonaro promoveu em 2021 forte campanha de desmoralização do sistema eleitoral, com a acusação, sem provas, de supostas fraudes nas urnas eletrônicas.

Deve-se advertir, no entanto, que o regime democrático brasileiro tem sofrido também um outro tipo de ataque. Trata-se da deterioração do processo legislativo observada ao longo de 2021, com situações absolutamente inusitadas, que desrespeitam os mais básicos princípios democráticos. Gravíssimo, o tema exige especial cuidado do Judiciário para defender a Constituição e assegurar o funcionamento do Legislativo.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade: Receita de ano novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.