terça-feira, 13 de setembro de 2022

Carlos Andreazza - Choque de plenário

O Globo

"O golpe é o orçamento secreto. Esse é o assunto de que o Supremo deveria estar se ocupando. Menos palavras bonitas em defesa da democracia. Mais atividade colegiada, sobre matéria constitucional"

Chegou ao fim a gestão corporativista de Luiz Fux à frente do Supremo. Maior expressão desse biênio sendo a recente deliberação para aumento de 18% no salário dos magistrados — contratado também o efeito cascata desse reajuste.

A palavra é esta mesmo: corporativista. Lembre-se — a peste nos matando aos milhares diariamente — da tentativa de furar a fila de vacinação e garantir uma cota preferencial de doses aos servidores de tribunais superiores; antes de todos, claro, os togados.

Outra marca importante do período são as promessas não cumpridas. Fux, ele próprio um monocrata, seria aquele em cuja gestão se restringiria a febre monocrática no STF. Alcançamos o final de sua presidência, porém, com a Corte chancelando a presidência informal de um ministro cuja atividade agregou as funções de promotor de Justiça e delegado federal. E sem que essa licença tenha produzido o mais mínimo freio sobre o motor antirrepublicano de Bolsonaro. Ao contrário, levando as relações para o terreno da briga de rua, linguagem onde prospera o bolsonarismo.

Agora é Rosa Weber. Que promova um choque de plenário. O Supremo precisa cuidar, colegiadamente, de temas constitucionais. Nenhum maior — mais urgente — que o orçamento secreto.

O golpe é o orçamento secreto. À parte o estado de golpismo bolsonarista, esse 7 de Setembro permanente, a geração de confrontos que anima o populismo de Bolsonaro e mina progressivamente as instituições, golpe mesmo, movimento rompedor, é o já desfechado pelo exercício do orçamento secreto, a própria assinatura do contrato que pactuou a sociedade entre Planalto e o consórcio dirigido por Arthur Lira e Ciro Nogueira.

A nova presidente do STF é a relatora das ações que questionam a constitucionalidade da emenda do relator, conforme ora pervertida, fachada para o orçamento secreto. Espera-se que Rosa Weber, antes de assumir, tenha tomado as medidas para preservar consigo as relatorias, ou irão para Fux e, pois, à cova.

Não que Rosa Weber tenha sido brilhante — não até aqui — na condução dessas ações. De novo: o golpe é o orçamento secreto. É contra isso que o Supremo deve se mover. Moveu-se acanhadamente a ministra. A pouca providência que tomou — para liberar as distribuições de emendas, depois de tê-las paralisado — sendo ignorada, diria mesmo zoada, pelo Congresso; que ofertou, como resposta de transparência à determinação de Rosa Weber, informações incompletas que continuam afrontando princípios constitucionais.

Não será apenas a insistente falta de transparência o problema. Mais bárbaro é a administração de bilhões por dois ou três patronos cujo autoritarismo tem decidido quem levará milhões do Orçamento da União, num processo de desqualificação do gasto público que, sem produzir obras de caráter permanente, tem elevado a corrupção na ponta a outro patamar. Isso explodirá, já está explodindo, mas por ora vai servindo ao projeto de reeleição não só de Bolsonaro, mas da própria sociedade alimentada pelo orçamento secreto.

É preciso continuar no poder para poder continuar com a gestão dos bilhões que asseguram a continuidade da sociedade — eis o ciclo.

O orçamento secreto é o golpe autocrático. É estratégico desmontá-lo. Rosa Weber falhou em não ter forçado o enfrentamento da matéria pelo plenário. A inconstitucionalidade flagrante disso tinha de ter sido decidida antes de o período eleitoral se impor. Agora presidente, não pode falhar mais. O custo para os cofres é imenso — muito maior para a higidez da República.

O orçamento secreto é a razão por que a lei eleitoral foi esculhambada. É o motivo por que o Parlamento aprovou, sem nenhuma resistência, uma emenda à Constituição, mais um puxadinho oportunista, estabelecendo um estado de emergência destinado a formalizar o financiamento do povo brasileiro à reeleição de Bolsonaro — reeleição também da sociedade entre governo e consórcio Lira/Nogueira, reeleição do controle do Orçamento pelos poucos de turno. Isso foi a PEC Kamikaze.

Ao não enfrentar o orçamento secreto, o Supremo não pôde enfrentar o ataque à lei eleitoral, ataque que aterrou qualquer resto que houvesse de paridade de armas nas eleições de 2022. Ao não enfrentar o orçamento secreto, legitimando também o atropelamento da lei eleitoral, o STF autorizou — faça o que quiser agora o TSE — a diluição de fronteiras entre Estado e comício eleitoral manifestada no último 7 de Setembro.

E agora temos mesmo medidas provisórias e decretos do presidente da República erguendo gambiarras que permitem a distribuição de bilhões em orçamento secreto para os currais de aliados. A três semanas das eleições.

O golpe é o orçamento secreto. Esse é o assunto de que o Supremo deveria estar se ocupando. Menos palavras bonitas em defesa da democracia. Mais atividade colegiada, sobre matéria constitucional — o que será, na prática, defender a República. Choque de plenário. É o que se espera da presidência de Rosa Weber.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nao se pode esperar nada dessa corte, não. Estão todos concominados, a farsa é enorme. Por isso a Lava Jato foi extinta para tudo continuar do mesmo jeito.