Valor Econômico
Busca por energia segura, verde e barata
pode dar as cartas dos investimentos privados nos próximos anos
O desmonte do Superministério da Economia
no próximo governo é dado como certo, mas há detalhes ainda não decididos que
poderão influenciar o nível de atratividade do Brasil para investimentos
estrangeiros. Por exemplo: o que será feito do Programa de Parcerias de
Investimentos (PPI), que hoje administra uma carteira de R$ 901 bilhões em
projetos de concessões, privatizações e Parcerias Público-Privadas (PPPs)
federais, além de alguns projetos de responsabilidade de Estados e municípios.
Reunindo empreendimentos em áreas como rodovias, ferrovias, portos, energia elétrica, óleo e gás, mobilidade urbana, iluminação pública e até gestão de parques nacionais, o PPI tem um perfil parecido com o antigo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que deverá ser retomado no próximo governo. Portanto, um possível destino é o Ministério do Planejamento, especula-se.
Um primeiro olhar do time da transição na
carteira do PPI indicou que, no geral, os projetos devem seguir seu curso. Com
exceções. Por exemplo, a desestatização da administração do porto de Santos
(SP) merecerá uma avaliação mais cuidadosa. Será recomendado ao futuro governo
que tire do radar a privatização dos Correios, segundo informou o ex-ministro
das Comunicações Paulo Bernardo.
Além disso, a transição pediu ao Ministério
das Cidades o adiamento do leilão do metrô de Belo Horizonte, marcado para o
dia 22 de dezembro. Integrante do grupo de Cidades, o ex-governador de São
Paulo Márcio França disse que o contrato do metrô será homologado pelo próximo
governo. Assim, é possível que essa situação traga alguma insegurança aos interessados,
comentou. O senador Jean Paul Prates (PT-RN) pediu para a Petrobras suspender
seus desinvestimentos.
Apesar disso, as parcerias devem avançar.
Estimativa recente elaborada pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do
Ministério da Economia apontou que, no que vem, os contratos de concessão já
assinados resultarão em investimentos de R$ 82 bilhões. Até 2025, serão R$
416,3 bilhões.
Esses números impressionantes são olhados
com alguma desconfiança pela equipe de transição. Há dúvidas, por exemplo, se
as autorizações para a construção de ferrovias sairão do papel nos volumes e no
prazo previstos.
O avanço do capital privado em
infraestrutura, processo que se vê em amadurecimento no Brasil, é uma tendência
na região e deverá ganhar força na gestão de Ilan Goldfajn à frente do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), que começa no próximo dia 19.
Essa foi uma linha de sua plataforma ao
cargo. Seria uma forma de fazer com que o capital do banco, insuficiente para
atender às demandas por financiamento de toda a região, possa ter um alcance
maior. A atuação do BID Invest, braço financeiro da instituição, deve ser
reforçada.
Nesse ponto, o programa de Ilan coincidiu
com o desejo dos Estados Unidos, donos da maior fatia de capital do BID:
aumentar a participação privada no desenvolvimento regional.
Isso ocorre num momento em que parece haver
uma conspiração do universo para que a América Latina e o Caribe se tornem a
bola da vez na recepção de investimentos estrangeiros.
Ao apresentar a candidatura brasileira à
presidência do BID em outubro passado, em almoço com representantes de outros
países no banco, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a instituição
deveria viabilizar projetos como a ferrovia Bioceânica, que atravessa o Brasil
e o Peru para ligar o Atlântico ao Pacífico, e Vaca Muerta, que traria gás
natural da Argentina para o Brasil.
A integração regional passou a figurar nas
falas de Guedes depois que os Estados Unidos, abalados pela ruptura das cadeias
internacionais de fornecimento durante a pandemia, adotaram a ideia do
“nearshoring”. Os países ricos concluíram que não devem mais depender de
componentes produzidos do outro lado do mundo.
Assim, foi criada uma oportunidade de
desenvolvimento para a América Latina e o Caribe. No entanto, esses países
precisam ter infraestrutura eficiente.
A pandemia e o “nearshoring” vieram
acompanhados de outra mudança na cena mundial. A guerra entre Rússia e Ucrânia
colocou a Europa diante da insegurança energética e alimentar.
Guedes costuma repetir que a costa
brasileira é capaz de gerar energia equivalente a “50 Itaipus”. Essa energia
eólica abundante, limpa e barata é a ideal para produzir hidrogênio verde, que
pode ser transportado para suprir a carência europeia.
Mas a oportunidade é mais ampla do que
isso, acredita o vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento
da América Latina (CAF), Jorge Arbache. A lógica do “nearshoring”, diz ele, tem
relação com mão de obra barata. Na sua visão, a vantagem regional é maior do
que essa.
“Powershoring” foi a expressão que ele
cunhou para descrever o que chama de “driver do século XXI”. É a busca por
energia segura, verde e barata que dará as cartas dos investimentos privados
nos próximos anos, acredita. Fábricas europeias e japonesas querem realocar sua
produção para perto das boas fontes de energia. É a partir dessa tendência que
os países da região poderão montar novas plataformas de atração de
investimentos diretos estrangeiros.
Novamente, será preciso uma boa
infraestrutura logística, sobretudo de portos, para receber esses
empreendimentos. Além de um bom ambiente de negócios, com regulações que
garantam a produção de energia com segurança e previsibilidade.
Embora haja muitos fatores a favor do
aumento de investimentos no Brasil e na região, há perigos à frente. A começar
pelo risco de recessão nos países ricos. Isso nubla o horizonte de crescimento
econômico e torna difíceis as decisões de investimento.
Nesse cenário, não convém ao Brasil agregar
dificuldades a si mesmo. Não é hora de flertar com irresponsabilidade na gestão
pública, muito menos com ruptura institucional.
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