Valor Econômico
Em 2002, Lula também se antecipou ao
anunciar Palocci, mas semelhança entre os dois momentos são poucas
É de se estranhar a promessa de anúncio de
parte do ministério do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em dia de
jogo de quartas de final da Copa do Mundo. A premência em antecipar as escolhas
dadas como certas de Fernando Haddad na Fazenda, Rui Costa na Casa Civil, José
Múcio Monteiro na Defesa, Mauro Vieira no Itamaraty e Flávio Dino na Justiça,
manda sinalizações tanto para o Congresso e para o mercado, quanto para o
Judiciário e as Forças Armadas.
A primeira é que com a Fazenda definida é
possível avançar na negociação da PEC da Transição em relação a compromissos
que terão que ser honrados no próximo ano. Como por exemplo a definição de uma
regra fiscal que substitua o teto de gastos. Por diferentes motivos, o mercado
e o Congresso querem tratar desse assunto agora. A palavra que Haddad der a
partir de agora sobre este assunto ganha outro peso.
A escolha de Múcio outorga ao ex-ministro do Tribunal de Contas da União a credencial para que ele faça gestos que tracem uma linha divisória clara entre o que é bolsonarismo e o que são Forças Armadas imbuídas de seu papel constitucional. Bolsonaro esforçou-se durante quatro anos em apagar esta linha divisória. Cumpre estabelecê-la, e para fazê-lo sem crises é preciso consertar relógio no escuro. O escuro é bem importante neste caso. Múcio tem perfil para a missão.
Flávio Dino e Rui Costa anunciados agora
ganham relevância porque destravam definições para o resto do ministério. Tanto
um quanto o outro, inclusive, apadrinham forças que disputam outras cadeiras na
Esplanada. O PT baiano defende por exemplo Jorge Messias para a vaga na Advocacia-Geral
da União. No PSB de Dino, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin
discretamente trabalha a favor de Anderson Pomini, advogado sócio do
ex-governador paulista Márcio França em um escritório de advocacia. Outro
aliado de Alckmin, o ex-deputado Gabriel Chalita, é citado como opção para
algum posto de segundo escalão. Chalita também é bem relacionado com Haddad, de
quem foi secretário da Educação e candidato a vice em 2016, quando o
ex-prefeito de São Paulo tentou se reeleger.
Com Costa na Casa Civil, é citado para a
poderosa subchefia de Assuntos Jurídicos o advogado coordenador do grupo
Prerrogativas, Marco Aurélio Carvalho. A escolha de Dino deve fazer com que o
PSB tenha apenas mais um ministro. O nome indicado é França. Ele quer a pasta
das Cidades, mas aceitaria como plano B Ciência e Tecnologia.
Vieira no Itamaraty garante um nome técnico
em uma pasta para a qual já haviam sido cogitados o próprio Haddad, Mercadante
e Jaques Wagner.
Há 20 anos, Lula também anunciou o
ministério por etapas e igualmente começou pela Fazenda. Ele não surpreendeu
quando em 10 de dezembro disse que a pasta iria para Antonio Palocci,
coordenador de sua campanha. O que foi inesperado foi o local: Washington,
durante visita ao então presidente americano George W. Bush.
Haddad passou a ser visto como opção para a
Fazenda depois de viajar com Lula para a cúpula do Meio Ambiente em Sharm
el-Sheikh. Seu anúncio também não surpreende, mas as semelhanças terminam aí.
Palocci firmou-se como opção para a Fazenda
ao ser um dos articuladores da “Carta ao Povo Brasileiro”, documento que
indicou a continuação de pontos da política econômica de Fernando Henrique
Cardoso.
Haddad representa o oposto: o de que Lula
quer mudar a economia. O Congresso e o mercado aguardam agora do novo ministro,
caso se confirme o anúncio, de que forma esta mudança se dará.
Militares
Dois generais na Câmara, um no Senado, um
capitão no comando do principal Estado do país e a lista não para por aí. O
protagonismo de militares na política nacional não se encerra com o fim do
governo Bolsonaro, ainda que se possa discutir se o risco de ruptura
institucional não foi superestimado neste quadriênio.
Bolsonaro montou um governo militarizado
como jamais se viu, nem mesmo durante a ditadura militar. Mas assim como muito
nomeou, muito demitiu - o mais estrepitoso movimento foi a demissão dos três
comandantes das Forças Armadas, em 2021 - o que no mínimo permite colocar em
dúvida a aderência ao golpismo no meio castrense.
O dispositivo militar de Bolsonaro, o “meu
Exército”, como tantas vezes ele se referiu, no fundo pode ter sido um grande
blefe, na opinião de Carlos Alberto Santos Cruz, o primeiro general de reserva
a ser mandado embora no governo atual. Entre as muitas informações duvidosas
que grassam no bolsonarismo depois das eleições, uma delas seria a de que a
cúpula militar estaria dividida, com três generais se opondo a um golpe
comandado por Bolsonaro e os demais dispostos ao que der e vier.
“Se abrisse um inquérito sobre isso seria
ótimo. A internet premia a covardia, porque isso é algo totalmente
irresponsável”, afirma o general, ressalvando que está na reserva há dez anos e
não fala pelo Alto Comando. Mas observa que desde a redemocratização, em 1985,
nunca houve um episódio de insubordinação relevante entre os militares, seja de
que escalão for.
O saldo negativo de quatro anos de pregação
anti-institucional de Bolsonaro, portanto, “é perfeitamente recuperável” em um
governo Lula, aponta Santos Cruz. “A expectativa é a de termos normalidade,
porque não houve nada de anormal durante o governo Lula”, disse. E a definição
de Múcio para a Defesa, na visão de Santos Cruz, é o retrato dessa normalidade.
O anúncio de Múcio acompanhar o de Haddad,
contudo, indica que nem tudo está normal. Há uma urgência. Porque se o panorama
não é de golpe, tampouco é o da volta dos militares para a periferia da
política.
O próprio Santos Cruz é um exemplo de que a
atuação de militares na política independe de Bolsonaro. O general esteve
filiado ao Podemos, colocou-se à disposição para disputar a Presidência e
lançou agora um livro, “Democracia na prática”.
As situações políticas passam e o Exército
fica, disse o marechal Hermes da Fonseca, às vésperas da tempestade tenentista.
Bolsonaro passará, mesmo dentro da caserna. Mas a atenção civil aos fardados
será outra.
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