terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Merval Pereira: Federações, um passo à frente

O Globo

Não há razão para que o Supremo Tribunal Federal (STF) não atenda ao pedido dos partidos para que o prazo para a formação de federações seja em agosto, como previsto na legislação aprovada pelo Congresso, e não em abril, como definiu o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso.

A isonomia desejada por Barroso com a data final para as definições das candidaturas e mudanças de legenda não é necessária e, ao contrário, pode atrapalhar a composição das federações. Passado o prazo de 2 de abril, teremos um quadro mais claro da disputa eleitoral, e os parlamentares poderão levá-lo em conta para compor as federações partidárias, uma das ideias mais importantes surgidas na nossa legislação sobre partidos.

O STF já tem um antecedente crítico quando impediu a implementação das cláusulas de barreira, anos atrás, na intenção de proteger as siglas menores, e abriu a porteira para a criação de uma enxurrada de novas legendas sem nenhum compromisso com a higidez do sistema partidário, que só fez se deteriorar.

Eliane Cantanhêde: Lula-Alckmin, o grande lance das eleições

O Estado de S. Paulo

Lula vai além das esquerdas, Alckmin recupera protagonismo, o PSDB murcha

Só falta anunciar a data do casamento do petista Lula com o ex-tucano Geraldo Alckmin, o principal lance da eleição de outubro. Não é nada, não é nada, trata-se de uma aliança entre o PT e um setor do PSDB, depois de os dois partidos se estranharem desde as primeiras eleições diretas pós-ditadura, em 1989, e polarizarem ferozmente a política nacional de 1994 a 2018.

O movimento confirma a força de Lula na eleição e o ocaso dos tucanos, que têm passado, a herança bendita da era FHC, mas podem não ter futuro. Convém a Lula, que amplia sua candidatura para além das esquerdas, e a Alckmin, que ganha uma janela de oportunidades. Mas pode selar o início do fim do PSDB.

Em prévias, candidatos, coordenadores e eleitores se comprometem com o resultado e apoiam o vencedor. Não no PSDB. Quem foi contra o vitorioso João Doria já no dia seguinte buscava alternativas e seu real adversário, o também governador Eduardo Leite, é até sondado para concorrer por outra sigla.

Se o nome do principal partido de centro tem 2% e alta rejeição e há um estouro da boiada no horizonte, isso fortalece a profecia autorrealizável de que “não tem jeito”. A terceira via fica ainda mais distante e a nova onda são as federações partidárias. Se amanhã o Supremo mantiver março como prazo, não dá tempo de nada. Se prorrogar, também não muda muita coisa.

Luiz Carlos Azedo: Aliança de Lula com Alckmin aprofunda racha do PSDB

Correio Braziliense

A decisão de reservar a vice para o tucano, que foi o candidato à Presidência pelo PSDB em 2018, amplia o apoio à candidatura petista, principalmente em São Paulo, ensanduichando João Doria

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva praticamente consolidou sua aliança com o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, que deve mesmo ser o vice de sua chapa, indicado pelo PSB. A retirada da candidatura do senador Humberto Costa (PT) ao governo de Pernambuco facilitou o acordo entre os dois partidos. Permanece a pendência entre o ex-governador Márcio Franca e o ex-prefeito Fernando Haddad em relação à disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, candidatura postulada também por Guilherme Boulos, do PSol. Entretanto, isso não será mais empecilho para a aliança nacional. O que subiu no telhado foi a federação entre o PT e o PSB por causa das dificuldades regionais, que têm provocado trocas de acusações entre dirigentes dos dois partidos.

A decisão de reservar a vice para Alckmin, que foi o candidato à Presidência pelo PSDB nas eleições passadas, amplia o apoio à candidatura de Lula, principalmente em São Paulo, ensanduichando ainda mais o governador João Doria, o pré-candidato tucano, que não consegue sair dos 2% de intenção de voto nas pesquisas. Além de sinalizar para a elite paulista a disposição de fazer um governo de centro-esquerda, mina as bases municipais de Doria, que sempre se identificaram com Alckmin, desde a época em que era vice do governador Mario Covas.

Agora, Lula se movimenta também em direção ao senador José Serra (SP), outro líder histórico do PSDB. Apesar dos problemas de saúde, que inclusive o obrigaram a se licenciar, cedendo a cadeira no Senado para seu primeiro suplente, José Aníbal, Serra tem revelado a interlocutores que deseja concorrer à reeleição. Um acordo com Serra, outro ex-governador paulista, praticamente garantiria a vitória de Lula em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país.

Ricardo Mendonça: A responsabilidade dos militares

Valor Econômico

Fardados terão muita dificuldade se tentarem apagar os rastros de entusiasmo e participação no governo Bolsonaro

Abre aspas: “Meu voto é pro Bolsonaro. O Bolsonaro representa a democracia, representa a liberdade. O Haddad representa a ditadura, representa o fascismo, representa nazismo, representa racismo, divisão do país em cores e regiões. Então é a hora da opção ‘o gigante acordou’, o Brasil vai votar Bolsonaro. Que é para reverter essa situação e tirar o atraso do tempo perdido com toda essa gente corrupta. Muito obrigado.”

A declaração de voto reproduzida acima, gravada em vídeo em algum momento entre o primeiro e o segundo turno da eleição de 2018 e colocada na internet, não é de um bolsonarista extremado de rede social. É do general do Exército Brasileiro Carlos Alberto Santos Cruz.

Santos Cruz não teve a carreira militar bloqueada sob as gestões do partido do personagem que ele reputava representar a ditadura, o fascismo, o nazismo e o racismo. Também não consta que, mediante algum exame de consciência, tenha oferecido qualquer tipo de resistência às sucessivas promoções que, naquela época, lhe conduziram ao topo da carreira.

Entre o primeiro dia do governo Lula, em 2003, e a data do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, Santos Cruz foi comandante da 13ª Brigada de Infantaria Motorizada, depois subiu para comandante da 2ª Divisão do Exército e subcomandante de Operações Terrestres do Exército.

Pedro Cafardo: Com sua licença, uma digressão otimista

Valor Econômico

Possibilidade de período de prosperidade pós-pandemia dependerá da atitude de governos tanto de países ricos quanto dos pobres

A situação atual no mundo e principalmente no Brasil permanece tão assustadora que precisamos pedir licença ou desculpas antecipadas para fazer digressões otimistas sobre o futuro próximo.

Vamos a uma. Quem tem fé pode rezar e quem não tem, torcer para que o período pós-pandemia, ansiosamente esperado, seja semelhante ao pós-Segunda Guerra Mundial. A ômicron ainda atinge todo o planeta e aterroriza o Brasil em razão do estúpido negacionismo governamental. Apesar disso, as gerações atuais, depois de dois ou três sofridos anos da covid-19, talvez tenham a chance de saborear uma reprise dos “Anos Dourados” que sucederam o maior conflito bélico da humanidade, de 1939 a 1945, quando morreram 60 milhões de pessoas.

A guerra sanitária atual, felizmente, não terá essa mesma dimensão em matéria de mortes - até agora as perdas são de 5,8 milhões de pessoas no mundo. Mas há a possibilidade de que os “Anos Dourados” se repitam, dependendo da atitude de governos tanto de países ricos quanto dos pobres.

Maria Clara R. M. do Prado: Bancos Centrais, de volta ao básico?

Valor Econômico

Só os EUA podem dar-se ao luxo de elevar endividamento público sem se preocupar com a forma de financiá-lo

Há cerca de 26 anos, Alan Greenspan, então presidente do Fed, cunhou a expressão “exuberância irracional” a propósito do aumento extraordinário e sem fundamento observado nos preços das ações de empresas ligadas à internet. Seguiu-se dali uma política monetária de juros baixos e de apoio aos investidores que haviam tomado risco em excesso com vistas a amenizar os efeitos recessivos que o estouro da bolha das “dot.com” poderia causar na economia americana.

Desde então, a política monetária do Fed passou a ser guiada por decisões discricionárias, tomadas ao sabor dos ventos com potencial para comprometer o crescimento e o funcionamento do mercado. Em 2007 e 2008, como se sabe, a discricionariedade foi levada ao limite com a série de medidas de resgate às instituições financeiras no rastro da crise dos empréstimos alavancados sobre créditos imobiliários de baixa capacidade de retorno, os chamados “sub prime”.

A decisão de injetar liquidez no sistema financeiro com a compra de títulos de toda a ordem, públicos e privados, inchou os balanços não só do Fed, mas do BCE (Banco Central Europeu) e do Bank of England. Teve também o efeito de acentuar nos bancos e nas instituições financeiras em geral a garantia de que, não importa o que fizessem nem para quem emprestassem, sua solvência estaria protegida.

Alvaro Gribel: Trégua não diminui o risco

O Globo

A entrada de recursos estrangeiros não é exclusividade do Brasil e pode mascarar riscos em momento de aumento de gastos em ano de eleições

A queda do dólar e a entrada de investidores estrangeiros na Bolsa brasileira neste início de ano podem levar o Congresso e o governo a uma interpretação equivocada. A de que o mercado financeiro não está preocupado com as propostas de subsídio dos combustíveis e os seus impactos sobre as contas públicas. O capital que chega ao país este ano é atraído pelo bom momento dos preços das commodities e pelo aumento da Taxa Selic, o que beneficia ações de bancos e instituições financeiras. O risco para o país é o Congresso se aproveitar dessa “trégua” dos investidores para ampliar ainda mais as despesas e pressionar a dívida.

O economista-chefe do banco digital Modalmais, Álvaro Bandeira, explica que, na visão do mercado financeiro, o ano eleitoral será de ampliação de gastos, independentemente da Bolsa e do câmbio. Por isso, há pouca reação negativa neste momento diante das PECs que circulam no Congresso. O Orçamento, explica, está nas mãos de políticos do centrão, que já deram demonstrações de que farão o que for preciso para ajudar na reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Ele acredita que essa piora do quadro fiscal já estava “na conta” dos investidores desde o ano passado, com a mudança na PEC dos Precatórios e seus efeitos sobre o teto de gastos.

Joel Pinheiro da Fonseca: Dedo na ferida

Folha de S. Paulo

Não fazer nada para tolher alguns excessos é permitir que a mentira e o extremismo tomem conta do debate público

Não foram poucos os alertas que circundaram minha coluna da semana passada: foi-me avisado inúmeras vezes que grande parte do público não entende ironia. Naquele texto, parti de ressalvas razoáveis à liberdade de expressão irrestrita e cheguei, passo a passo, à defesa da censura prévia total exercida por um conselho de notáveis.

Fui massacrado, acusado de ser um comunista defensor de ditaduras. Príncipes de duas famílias reais lideraram o coro: Luís Philippe de Orleans e Bragança e Carlos Bolsonaro. O texto suscitou respostas e comentários tanto no jornal como fora dele, nas redes, por colunistas da casa: Thiago Amparo, Leandro Narloch, Lygia Maria. E o coroamento se deu na coluna do ombudsman do jornal, José Henrique Mariante. Para ele, o texto tinha um tom beligerante. Mas a beligerância esteve toda nas reações a ele, e não foi à toa.

Cristina Serra: Querem apagar a história do Brasil

Folha de S. Paulo

Assusta nova tentativa de eliminar registro histórico da Comissão Nacional da Verdade

Um país pode ser analisado pela maneira como lida com o seu passado. Se dependesse do governo atual, a memória da ditadura de 1964 já teria sido sumariamente apagada, em linha com o queixume do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas sobre a Comissão Nacional da Verdade (CNV): "Foi uma facada nas costas".

O que assusta agora, em mais uma tentativa de eliminação do registro histórico, é sua origem em uma decisão judicial. O juiz federal Hélio Sílvio Ourém Campos, de Pernambuco, determinou que sejam cobertas por uma tarja todas as menções ao nome de Olinto de Souza Ferraz no relatório da CNV, sob a guarda do Arquivo Nacional, instituição quase bicentenária, tesouro da nossa memória.

Alvaro Costa e Silva: O tesão de matar

Folha de S. Paulo

O tesão de matar virou um estilo de vida

Em 1958, o chefe da polícia no Rio de Janeiro, general Amaury Kruel, compôs uma equipe especial de combate ao crime com carta branca para agir, tendo à frente o detetive Milton Le Cocq, que havia integrado a guarda pessoal de Getúlio Vargas e cuja morte resultou na criação da Scuderie Le Cocq, nascida sob a marca da vingança e da caça ao assassino Cara de Cavalo —executado em 1964 com mais de cem disparos.

Cara de Cavalo foi um dos primeiros bandidos midiáticos. Também endeusada pela imprensa, a Scuderie Le Cocq —que se transformou em associação e teve mais de 7.000 seguidores espalhados pelo país— introduziu o extermínio de marginais como prática da polícia. Parte da população aplaudiu a nova ordem.

Carlos Andreazza: O caso Moïse

O Globo

Moïse Mugenyi Kabagambe foi torturado e morto em 24 de janeiro. Naquele mesmo dia, depôs Jailton Pereira Campos, atendente no quiosque Tropicália. Não sabemos o que declarou. Sabemos que, a 1º de fevereiro, prestaria novo testemunho, este conhecido — e sob a intenção de “retificar o termo anterior”. A razão: “esclarecer melhor os fatos narrados”, pois não teria conseguido “extrair de forma clara o seu depoimento”.

No vídeo conhecido sobre a barbárie, Jailton aparece, pedaço de pau na mão, em conflito iminente com Moïse. Teria sido ameaçado pela vítima, que, a certa altura, pega uma cadeira como arma. Outro dado relevante: Moïse abre a geladeira. Essa é igualmente a base narrativa dos depoimentos dos três matadores. Jailton teria sido ameaçado. Moïse, alterado, queria pegar cerveja, e não lhe fora permitido.

Ninguém poderá dizer que se trata de estratégia combinada. Mas é incontornável que, do ponto de partida em que Moïse seria agressor incontrolável, avança-se — nos quatro depoimentos — à configuração dele como tipo violento, beberrão e drogado, que estaria dormindo na areia e “queria subtrair bens do quiosque”. Seria ainda mentiroso. Diz Jailton “que o proprietário [do quiosque] não devia nenhum valor à vítima”.

Zuenir Ventura: A causa do cansaço

O Globo

Alguns otimistas esperavam que o quarto Ministério da Saúde do governo Bolsonaro fosse oferecer resultado melhor, já que seria preenchido por um médico, o cardiologista Marcelo Queiroga. Esqueciam o que o ocupante anterior do cargo, o general Eduardo Pazuello, havia afirmado publicamente: “Um manda, e o outro obedece”. O presidente é quem manda. Sentado ao lado, o alvo da declaração deu um amplo sorriso de apoio.

Se precisasse de confirmação, ela viria com a CPI da Covid, que apontou em seu relatório final o presidente Bolsonaro como um dos principais responsáveis, senão o principal, pela maior tragédia sanitária da história do país, que já havia causado 600 mil mortes. Pesaram então sobre ele a acusação de nada menos que nove crimes, entre os quais charlatanismo e prevaricação.

O que há de mais impactante na recente pesquisa revelada pela jornalista Evelin Azevedo, promovida pela Associação Médica Brasileira (AMB) em parceria com a Associação Paulista de Medicina (APM), é que a maioria dos participantes (51%), a própria classe, reprova a condução da pandemia pela atual gestão. Trinta e quatro por cento classificaram a atuação como péssima; 16,6%, ruim; e 21%, como regular. Apenas 14,6% dos médicos têm a pasta como referência para indicar um tratamento. A maior parte (65,1%) se baseia na orientação das sociedades de especialidades e associações médicas.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bolsonaro deveria adiar visita à Rússia

O Globo

Com mais de três anos de governo, tanto críticos de Jair Bolsonaro quanto seus seguidores provavelmente concordam que ele não é afeito à diplomacia, nem se importa em ser inconveniente. Essas duas características — vistas por uns como defeitos, por outros como qualidades — estão evidentes agora que o presidente prepara uma viagem a Moscou. Programada para os dias 14 a 17, a visita está prevista para um momento de enorme tensão entre, de um lado, a Rússia e, do outro, Estados Unidos e seus aliados da Organização do Tratado do Alântico Norte (Otan). É iminente o risco de invasão militar russa da Ucrânia.

A diplomacia americana já deu seu recado: é contra a viagem neste momento. Europeus também não veem razão no encontro de Putin com Bolsonaro. Este insiste em dizer que a visita se restringirá às discussões sobre as relações bilaterais. Fala o óbvio. É evidente que a diplomacia brasileira deve manter sua independência em relação a todos os atores no conflito. E que existe uma agenda comum a explorar com a Rússia, país de características semelhantes ao Brasil com quem mantemos relações tímidas diante das possibilidades. Também está claro que o presidente do Brasil não deve tentar influir no conflito internacional em curso.

O que Bolsonaro não leva em conta é o contexto. Um autocrata como Vladimir Putin na certa tentará usar o encontro para passar a imagem de que não tem somente a China ao seu lado. Seria péssimo para o Brasil, país a que os Estados Unidos conferiram o status de aliado militar fora da Otan, que pleiteia um lugar na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e cuja proximidade de americanos e europeus tem lastro histórico e cultural.

Poesia | Joaquim Cardozo: A tarde sobe

Ao rés da Terra o tempo é escuro
Mas a tarde sobe, se ergue no ar tranqüilo e doce
A tarde sobe!
No alto se ilumina, se esclarece.
E paira na região iluminada.

Sobe, desfaz a trama de entrelaços
Superpostos na maneira dos esquadros
Sobre o chão aos poucos escurecendo.
Sobe: No meio da parte densa.

Sobe alva, serena para as estrelas
Que irão em breve aparecer,
Luzindo, no princípio da noite;
No espaço branco em que se completa
Preenchendo o centro e a esquerda
Branco que saiu limpo
De um fundo escuro de hachuras.

A tarde sobe!
Sobe até o zênite dando aos que passam
A paz e a serenidade do entardecer.

A tarde sobe pura e macia!
As linhas de baixo se inclinam
Se afastam e vão deixá-la subir.