domingo, 13 de fevereiro de 2022

Merval Pereira: O mito da imparcialidade

O Globo

A questão da imparcialidade na justiça brasileira, discutida desde que o ex-juiz Sérgio Moro foi considerado “suspeito” no processo que condenou o ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá, ganha novos ares com um trabalho da jurista Bárbara  Gomes Lupetti Baptista em número recente da revista Insight Inteligência, baseado em uma pesquisa empírica que realizou no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro há dez anos, que ela comparou com a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Ela não se refere ao caso recente de perseguição a Moro por parte do Tribunal de Constas da União (TCU), mas demonstra que a proximidade do Ministério Público com a magistratura é corriqueira no sistema judiciário brasileiro. Nesse caso atual, essa relação está explicitada na relação do Subprocurador do Ministério Público de Contas Lucas Furtado com o ministro do TCU Bruno Dantas.

Também o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que comandou o julgamento da Segunda Turma que considerou Moro “suspeito”, não está citado, mas é exemplo de juiz que julga segundo critérios próprios de Justiça, colocando seus pontos de vista acima dos regulamentos, como acusa Moro de ter feito. A mudança de voto da ministra Carmem Lucia, determinante para a condenação de Moro, também é referida no trabalho como exemplo da fluidez do conceito de “imparcialidade”.

Elio Gaspari: Flávio Bolsonaro disse quase tudo

O Globo / Folha de S. Paulo

Na sua entrevista à repórter Jussara Soares, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse quase tudo:

— Para mim, quem soltou o Lula foi o Moro. Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, ele fez coisas que estavam fora da lei. Era só ter cumprido a lei que o Lula estava preso até hoje.

Quase tudo, porque não há como garantir que, cumprindo-se a lei, Lula estaria preso. Quase tudo, porque também faltou lembrar o famoso tuíte do general Eduardo Villas Bôas. Mesmo assim, é certo que ao divulgar às vésperas do primeiro turno a colaboração do ex-ministro Antonio Palocci, Moro levou água para o moinho de Bolsonaro. Fortaleceu-o aceitando a costura de Paulo Guedes, ocorrida (sem divulgação) pouco antes do segundo turno.

Bernardo Mello Franco: O milagre das emendas

O Globo

O pastor e empresário José Wellington Bezerra da Costa é autor de um best-seller de empreendedorismo evangélico: “Como ter um ministério bem sucedido”. Na segunda-feira, ele atualizou seu manual para a Era Bolsonaro. Ensinou como usar dinheiro público para eleger políticos ligados à igreja.

Em reunião com deputados e pré-candidatos, o chefe da Convenção Geral das Assembleias de Deus explicou o que dizer a prefeitos que buscam verbas federais. “Você quer dinheiro? Quero. Mas chame então um pastor da Assembleia de Deus”, lecionou.

O pastor deu sua receita para a partilha de emendas parlamentares. “É o seguinte: a verba só vai para o prefeito por intermédio do pedido do pastor da Assembleia de Deus”, disse. “O eleitorado não é do prefeito. São irmãos em Cristo que estão nos apoiando para que nossos candidatos continuem trabalhando”, acrescentou.

A preleção foi registrada em vídeo revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo. Procurado, José Wellington confirmou as declarações e disse mais: “O candidato da minha igreja, eu ponho ele no púlpito, eu ponho ele na minha casa, eu ponho ele no meu carro, eu ponho ele onde eu quiser”.

Míriam Leitão: O racismo é tema central

O Globo

Há uma lucidez nas férias que ajuda o jornalismo. Às vezes, a distância da correria diária permite um olhar mais agudo sobre o país. As tragédias recentes atingindo negros colocam o combate ao racismo como ponto central de qualquer projeto de futuro. Não precisamos de mais mortes para entender que esse problema pode destruir a Nação, se não for encarado com coragem, obstinação e propostas objetivas. Séculos de violência contra o povo preto nos olham desafiadores.

Dorrit Harazim: Umbral de guerra?

O Globo

O livro “Kamikaze Diaries: Reflections of Japanese Student Soldiers”, de Emiko Ohnuki-Tierney, não é volumoso (265 páginas na edição em inglês) nem recente (2007). Em compensação, é impossível esquecê-lo. A obra corrige de forma definitiva um dos clichês da Segunda Guerra mais difundidos no Ocidente: que os jovens kamikazes recrutados nas melhores escolas do Japão para pilotar voos suicidas eram um bando de fanáticos nacionalistas honrados em se explodir pelo bem da pátria e do imperador. A correspondência reunida no livro revela, ao contrário, os medos, angústias e ambivalências dessa geração empurrada à força para a morte. Nem voluntários eram. Seus solilóquios manuscritos em páginas de diários, ou singelas cartas para namoradas, pais, companheiros, são dilacerantes. Demonstram o que já deveríamos ter entendido desde que nos tornamos bípedes: guerras são um horror, qualquer uma. Vale para a Ucrânia.

Rolf Kuntz: Legislando para o desastre

O Estado de S. Paulo

É preciso pensar no povo, disse Bolsonaro, defendendo corte de impostos indispensáveis à produção de serviços essenciais

Fazer leis pode ser tão nocivo quanto violar a lei, e até mais, e para tirar qualquer dúvida basta olhar a Praça dos Três Poderes. Conhecida como PEC Camicase, uma das propostas para lidar com o preço dos combustíveis pode custar mais de R$ 100 bilhões ao setor público, segundo a equipe econômica, e com efeito zero sobre a variação dos preços básicos de petróleo e derivados. Incompetência, irresponsabilidade e populismo de quinta categoria são marcas dessa Proposta de Emenda Constitucional e de outras iniciativas para controlar os valores do diesel e da gasolina. Um criminoso pé de chinelo pode prejudicar algumas pessoas. Políticos pés de chinelo, instalados no Palácio do Planalto e no Congresso, podem causar danos gravíssimos ao País e comprometer seu desenvolvimento econômico e social. Cortar impostos de forma voluntarista pode prejudicar funções públicas essenciais, como segurança, justiça, educação e saúde, e os mais afetados serão provavelmente os menos capazes de pagar por serviços privados.

Eliane Cantanhêde: Malas prontas para Moscou

O Estado de S. Paulo

Aposta do Brasil: Putin não invadirá a Ucrânia, porque ganha com pressão e perderia com guerra

Na avaliação – ou aposta – do governo brasileiro, incluídos embaixadores e generais, o presidente Vladimir Putin tem claros objetivos externos e internos para esticar a corda, mas não chegará ao ponto de invadir a Ucrânia. Ele ganha com a pressão, mas perderia muito com a guerra.

Caem chuvas e trovoadas, aumenta o risco de a Rússia invadir a Ucrânia em dias, ou horas, e EUA, Japão, Reino Unido, Holanda e Coreia do Sul pedem que seus cidadãos saiam imediatamente de território ucraniano. Mas a viagem do presidente Jair Bolsonaro está firme e forte amanhã, e não há nenhum pedido para que brasileiros saiam do alvo.

Luiz Carlos Azedo: Encontro de Bolsonaro com Putin é o centro das atenções mundiais

Correio Braziliense / Estado de Minas

Há mais convergências políticas e ideológicas entre Bolsonaro e Putin do que as aparências, mas os interesses geopolíticos do Brasil e da Rússia são muito diferentes

Como acontece com algumas palavras do nosso vocabulário, a palavra obrigado em russo tem vários significados. “Spassibo” se pronuncia com a tônica na segunda sílaba e o “a” no lugar do “o”: spa-ssí-ba. Sua origem é a expressão “spassi bog”, do eslavo antigo, que significa “Deus o salve”. Entre os internautas russos, foi abreviada para “spassib”; na comunidade LGBT , “passib”. É uma palavra muito usada para agradecer, mas também pode ter outros significados, como em “skaji spasibo”, usado para dizer que uma pessoa é mal-agradecida.

Os russos podem ser rudes na forma de falar obrigado: “Spasibo v karman ne polojich”, isto é, “você não pode colocar obrigado no bolso”. Ou extremamente agradecidos: “Spassibo ogromnoe” é literalmente um “enorme obrigado”. Essa expressão é usada quando alguém realmente fez um favor ou ajudou muito. Prestemos muita atenção, pois, na forma como o presidente Vladimir Putin agradecerá a visita do presidente Jair Bolsonaro, que viaja amanhã para a Rússia.

Vinicius Torres Freire: Economia da guerra na Ucrânia

Folha de S. Paulo

Em 2014, anexação da Crimeia pela Rússia deu em nada; desta vez pode ser diferente

No dia 26 de fevereiro, faz oito anos que agentes e soldados da Rússia escamoteados ajudaram russos da Crimeia, então parte da Ucrânia, a derrubar o governo da região, que seria anexada por Vladimir Putin em março de 2014. O que aconteceu com a economia mundial? Nada.

Os termômetros de tensão nem se moveram: Bolsas, juros americanos, preço do petróleo. O que acontece agora se a Rússia invadir a Ucrânia? Desta vez vai ser diferente?

Pode até ser. Os americanos prometem represálias que machuquem os bolsos russos. No entanto, uma retaliação econômica forte deve causar danos colaterais, talvez efeito bumerangue, afetando aliados. Tumulto financeiro e petróleo caro podem prejudicar ainda mais o desempenho do Partido Democrata na eleição parlamentar do fim do ano. O remédio pode ser tão ruim quanto a doença.

Joe Biden afirma que vai "impor as sanções mais graves que já foram impostas", em caso de invasão. Por enquanto, deixe-se de lado o que quer dizer exatamente "invasão". Quais seriam essas sanções graves?

Biden sugere que pode pegar o dinheiro que amigos oligarcas de Putin têm no exterior e criar problemas para instituições financeiras russas. Que pode tornar inviável o novo gasoduto Nord Stream 2, construído para levar gás da Rússia à Alemanha, pelo mar Báltico.

Bruno Boghossian: A operação militar de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Presidente remexe caldo golpista e segue em espécie de tudo ou nada para desacreditar votação

Jair Bolsonaro levou os militares para o centro de sua conspiração contra as eleições. Na quinta-feira (10), o presidente alegou que o Exército detectou "dezenas de vulnerabilidades" nas urnas eletrônicas e pôs em dúvida o interesse do TSE em combater as falsas suspeitas de fraude que ele insiste em levantar.

Segundo a revista Veja, Bolsonaro recebeu da cúpula militar um relatório com uma análise do sistema de votação. O presidente disse que o assunto está nas mãos do general Walter Braga Netto –cotado para ser o vice na chapa da reeleição.

Bolsonaro arma uma espécie de tudo ou nada. Ainda que tenha mudado o tom de suas declarações, ele subiu um degrau ao envolver o Exército na jogada contra as urnas. Resta saber de que modo as Forças Armadas vão participar da operação.

Janio de Freitas: Bolsonaro vai à guerra

Folha de S. Paulo

Esperada visita de Bolsonaro a Putin em Moscou cerca-se de uma diversidade de expectativas, civis e militares

Uma frase típica de editorial, sempre útil com simples mudança de personagens, recebe aqui uma homenagem pelos longos serviços prestados. A esperada visita de Bolsonaro a Putin em Moscou cerca-se de uma diversidade de expectativas, civis e militares, de elevada significação.

As importantes intenções de Bolsonaro, em momento crítico para o mundo, insinuam-se nas substituições, em sua comitiva, de costumeiros turistas por militares. Subdesenvolvidos e, ainda por cima, reformados, mas experimentados em lides com a morte (alheia, é claro).

Como o general Augusto Heleno, com a mortandade que fez em uma favela do Haiti, e Pazuello com a devastação de doentes —para citar ao menos dois casos de muitas condecorações.

Não é a primeira vez que o Brasil se faz citado em meio à iminência de guerra entre Estados Unidos e Rússia.

Foi assim na Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962, com implicação no golpe de 1964.

Foi o que revelou Samuel Wainer, ainda exilado na França pela influente presença ao lado de João Goulart, a três ouvintes: Dauro Mendes, então diretor da Última Hora de Minas; Orlando Vaz, jovem repórter, e eu mesmo.

Desde a Crise dos Mísseis, Jango estava ciente de que ali a situação interna do Brasil passara por mudança extrema.

O acordo de distensão EUA-URSS fixava zonas de predomínio político para cada um dos dois países, impedida qualquer influência de um na zona do outro. Estava assim excluído o apoio alternativo da URSS a políticas brasileiras contrárias ao interesse americano.

Cristovam Buarque*: Federalizar os professores

Blog do Noblat / Metrópoles

O Presidente é um impostor ao se colocar como padrinho dos professores, quando se sabe que ele despreza educação

Nesta semana, o Piso Nacional do Salário dos Professores foi tema constante dos noticiários e dos debates políticos. O Presidente da República se coloca como patrono dos professores, quando ele nada mais fez do que cumprir uma lei em vigor desde 2008, que regularizou um artigo da Constituição de 1988; os prefeitos argumentam que não terão condições de pagar o reajuste. Por incrível que pareça, não se ouviu vezes dizendo que o aumento ainda foi pequeno, e que a questão não é seu valor, mas como resolver a equação fiscal de cada município para viabilizá-lo.

O Presidente é um impostor ao se colocar como padrinho dos professores, quando se sabe que ele despreza educação, já demonstrou que não gosta de professores e apenas cumpriu lei já em vigor. Se não tivesse sancionado o reajuste, seria passivo de julgamento por crime de responsabilidade.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bolsonaro é visto como exemplo do recuo da democracia no planeta

O Globo

Ao longo desta semana, o presidente Jair Bolsonaro deverá aparecer ao lado de dois líderes estrangeiros: o russo Vladimir Putin e o húngaro Viktor Orbán. Independentemente do interesse estratégico, ambos encontros carregam enorme simbolismo na arena política. Talvez não haja no planeta exemplos mais bem-sucedidos de políticos que chegam ao poder pelo voto popular e, por meio da mudança contínua de regras, captura de instituições, censura à imprensa e cerco a opositores, corroem como cupins o Estado democrático de direito.

Com níveis distintos de sucesso, Bolsonaro, Orbán e Putin são protagonistas da erosão da democracia em curso no mundo. O último balanço dessa onda foi divulgado na semana passada pela Economist Intelligence Unit, cujo índice global, baseado em várias categorias — como processo eleitoral e pluralismo, liberdades civis e participação política — chegou ao ponto mais baixo desde a criação em 2006.

A América Latina foi destaque negativo ao protagonizar o maior declínio de um ano para o outro no histórico de todas as regiões em 17 anos. É certo que regimes autoritários, como Venezuela ou Nicarágua, puxam a média para baixo. Mas não são os responsáveis pela queda recente. “A crescente falta de comprometimento voltado para uma cultura democrática abriu espaço ao fortalecimento de populistas, como Jair Bolsonaro no Brasil, Andrés Manuel López Obrador no México e Nayib Bukele em El Salvador”, escrevem os autores do relatório.

Poesia | Manuel Bandeira: Poema de uma quarta-feira de cinzas

Entre a turba grosseira e fútil
Um pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
feita de sonho e de desgraça…
o seu delírio manso agrupa
atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro apupa…
indiferente a tais ataques,
Nublava a vista em pranto inútil,
Dolorosamente ele passa.
veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonho e de desgraça…