quarta-feira, 6 de abril de 2022

Vera Magalhães: Uma janela cada vez mais estreita

O Globo

A janela partidária se fechou e o saldo da movimentação de deputados para lá e para cá foi amplamente favorável aos partidos do Orçamento secreto, e, consequentemente, a Jair Bolsonaro, que patrocina esta que é a principal moeda da eleição de 2022. 

O inchaço do PL mostra que, daqui até outubro, vale a pena estar no mesmo barco que Bolsonaro, a despeito de todas as imposturas do seu governo.

Também não importa tanto se o presidente será ou não reeleito. O objetivo é usar o combustível extra conseguido agora para repetir ou aumentar a bancada de 43 deputados e, assim, o acesso a uma fatia polpuda dos fundos partidário e eleitoral.

Acontece que o presidente se beneficia desse inchaço induzido da sigla que escolheu na undécima hora e quase por exclusão. Esse exército será importante na montagem da máquina de pedir votos Brasil afora.

Portanto, depois que a janela se fechou, ficou de cara mais difícil tirar Bolsonaro do segundo turno. Para isso, aliás, contribui a falta de cara e projeto da pretensa terceira via, tema da minha coluna mais recente.

Lula é alguém que conhece como poucos a engrenagem de uma campanha. Sabe o peso de se disputar no cargo, de programas de transferência de renda como o Auxílio Brasil e o vale-gás e desse trabalho de formiguinha nos palanques regionais. Conclui que a cada dia que passa vai se consolidando, tudo mais constante, a probabilidade de enfrentar Bolsonaro no segundo turno.

É por isso que ele quer apressar a confirmação da chapa com Geraldo Alckmin, de modo a evitar que a insatisfação de uma ala do PT com a chegada do ex-tucano ao barco crie ruído desnecessário num momento em que as pesquisas mostram um estreitamento da sua diferença para o presidente não só na espontânea e no primeiro turno, mas também na “final”.

Marcello Cerqueira*: Forças democráticas devem se unir contra Bolsonaro

O Globo

Nas democracias atuais, é natural que os partidos disputem eleições e, quando necessário, se unam livremente em coligações ou coalizões. Não é o caso do Brasil. Aqui, o presidente da República vem, repetidamente, ameaçando o país com medidas desconhecidas pela Constituição em vigor e por ela repudiadas.

Declarou, mais de uma vez, que só Deus o tiraria da cadeira que ocupa. Não creio ser lícito esquecer a campanha que fez contra as avançadas e consagradas urnas eletrônicas. Mas aí encontrou forte resistência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e de seu corajoso presidente, Luís Roberto Barroso, que deflagrou, com o auxílio da imprensa, campanha em que ficou demonstrada a lisura da eleição com as urnas eletrônicas, diferentemente das antigas e obsoletas cédulas de papel. Mais de uma vez, agrediu o TSE e, diretamente, alguns de seus ministros.

Quando a humanidade se protegeu do vírus, o presidente acentuou sua atitude negacionista, tendo a ousadia de, na abertura da 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, defender perante todos os povos do mundo, estúpida e irresponsavelmente, a cloroquina como remédio contra a Covid-19.

Luiz Carlos Azedo: A terceira via devora seus candidatos

Correio Braziliense

Não existe caminho fácil para quem quer ser presidente da República. A senadora Simone Tebet (MS), candidata do MDB, é a noiva desejada por todos, mas quer a cabeça de chapa da terceira via

Ammut ou Amem-me era um demônio egípcio, conhecida como “A Devoradora” e a “Grande Morte”, com cabeça de crocodilo, corpo metade leão, metade leopardo e traseiro de hipopótamo, todos animais ferozes da África. Na mitologia egípcia, segundo o Livro dos Mortos, era um demônio de punição, devoradora de homens, dos mortos indignos. Mais ou menos como a terceira via, que está deglutindo seus candidatos como o ser mitológico que habitava a margem oeste do Nilo, o lugar dos funerais e dos cemitérios. Senão, vejamos.

O ex-juiz Sergio Moro (SP) entrou na cena eleitoral como caudatário da bandeira da ética, na franja dos eleitores que votaram no presidente Jair Bolsonaro e estavam descontentes com seu desempenho. Na medida em que a pandemia foi sendo controlada pela vacinação em massa da população, perdeu substância. Não conseguiu avançar em direção às bases conservadoras de Bolsonaro, que se mostrou mais resiliente, porque se beneficia do fato de estar no poder. Moro nunca foi levado a sério pelos principais partidos da chamada terceira via.

Não conseguiu ampliar suas alianças políticas. É um neófito no jogo eleitoral, mas o que pesa mesmo é o estigma de algoz dos políticos investigados pela Operação Lava-Jato. Com a perda de densidade eleitoral, chegou perto dos 9% de intenções de voto, viu minguar o apoio da bancada de senadores do Podemos, ao qual estava filiado, e o risco de ficar sem legenda, mesmo no Paraná, onde o senador Álvaro Dias, seu padrinho político, concorrerá à reeleição. Correu para o União Brasil, pelas mãos do seu presidente, deputado Luciano Bivar, mas enfrentou resistência para ser candidato à Presidência, liderada pelo ex-prefeito de Salvador ACM Neto, o secretário-geral do partido, que resultou da fusão entre o PSL e o DEM. Por ora, Moro só tem garantida a vaga de candidato a deputado federal por São Paulo.

Ranier Bragon: Playground dos Bolsonaros

Folha de S. Paulo

Jair e Eduardo têm, juntos, mais de dez representações que nunca deram em nada

A oposição anunciou o envio ao Conselho de Ética da Câmara de representações contra mais uma quebra de decoro cometida por um integrante da família Bolsonaro.

Trata-se da publicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) ironizando a tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão durante a ditadura militar.

Qual a chance de isso dar em alguma coisa? Não precisa ir até o final do texto. É zero.

Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo são antigos clientes do Conselho de Ética. Juntando as novas representações, são mais de dez, um recorde. Só encontram concorrência, vejam só, no bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ), com nove.

Os Bolsonaros frequentaram o conselho por considerações sobre estupro mediante merecimento, defesa de torturador, troca de cusparadas, agressões, defesa da volta do AI-5, entre outros casos.

Hélio Schwartsman: A carga dos Bolsonaros

Folha de S. Paulo

Jair elogia Ustra; Eduardo ironiza tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão

Em 2016, o então deputado Jair Bolsonaro "dedicou" seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff ao coronel Brilhante Ustra, militar que torturou a ex-presidente nos tempos em que ela era presa política. Quando a gente achava que ninguém poderia superar Bolsonaro nos quesitos desumanidade e torpeza moral, eis que Eduardo Bolsonaro, no que parece ser uma tentativa de desbancar o pai, ironizou a tortura sofrida pela jornalista Míriam Leitão. Por que Eduardo Bolsonaro é assim? Serão os genes? A educação que recebeu?

Durante muito tempo, a esquerda combateu a noção de que genes têm papel importante no comportamento das pessoas. Admitir esse vínculo enfraqueceria a ideia de que a sociedade pode aprimorar o ser humano. Nos últimos anos, porém, ela começou a aceitar melhor nossa natureza biológica.

Elio Gaspari: Bolsonaro quis carregar o FNDE

O Globo / Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro tem toda a razão:

— Agora estão me acusando de ter armado na Educação compras superfaturadas de ônibus. Porra, nem a licitação foi feita. Quem descobriu fomos nós. Nós temos compliance, temos gente trabalhando em cada ministério com lupa em contratos.

Faltou dizer que, se não fosse o serviço dos repórteres André Shalders, Breno Pires e Julia Affonso, a Viúva poderia acabar comprando por R$ 480 mil ônibus escolares que valem R$ 270 mil. A operação poderia comprar 3.850 ônibus e custar mais de R$ 2 bilhões. Eles mostraram que o jabuti havia sobrevivido às advertências da área técnica do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, e da Controladoria-Geral da União. Ontem, o Tribunal de Contas da União puxou o freio de mão, e a compra foi suspensa.

Bolsonaro orgulhou-se indevidamente quando disse que “quem descobriu fomos nós”. Olhando direito para sua relação com a CGU na gestão do ervanário do FNDE, andou para trás. Em 2019, no seu primeiro ano de governo, o benevolente FNDE soltou um edital de R$ 3 bilhões para a compra de equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Uma gracinha. A Viúva mandaria um número de laptops superior ao de alunos para 355 colégios. Os 255 estudantes da escola Laura Queiroz, de Itabirito (MG), receberiam 30 mil laptops. A CGU mostrou o jabuti, a explicação do Fundo foi risível, e a licitação foi suspensa. Posteriormente, foi cancelada. No caso dos ônibus, ela foi em frente.

Bernardo Mello Franco: Lira quer petróleo

O Globo

O reinado de Severino Cavalcanti ficou marcado por uma frase célebre. Ao assumir a presidência da Câmara, o deputado exigiu sua parte na Petrobras. Queria a diretoria que “fura poço e acha petróleo”.

Hoje as ambições de Severino seriam consideradas modestas. O herdeiro de sua cadeira, Arthur Lira, não se interessa por cargos de segundo escalão. Prefere escolher logo o presidente da estatal.

O deputado era entusiasta da indicação de Adriano Pires. Apesar do padrinho influente, o consultor caiu antes de tomar posse. O governo já virou a página, mas Lira ainda parece estar na fase da negação.

Na segunda-feira, o chefe do Centrão esbravejou contra a derrubada de Pires. Disse que ele foi vítima de “falso moralismo” e “julgamento precipitado”. “Tem que pegar um arcebispo para ser diretor da Petrobras?”, ironizou.

Ontem o deputado continuou enfezado. Reclamou da Lei das Estatais e disse que a Petrobras “causa inconveniente para todo o país”. Acrescentou que a empresa não teria “responsabilidade com o Brasil nem com ninguém”.

Lira imitou Jair Bolsonaro: ao ter seus interesses contrariados, passou a defender a privatização da Petrobras. O capitão nunca foi um adepto da ideia. No passado, chegou a defender o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso após a venda da Telebrás.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro e a venda da Petrobras

Folha de S. Paulo

Como não conseguem meter a mão na empresa, centrão e governo falam em privatização

A privatização da Petrobras é um debate razoável, um assunto mesmo para quem seja contra a venda do controle estatal da empresa. Quer dizer, é uma discussão em teoria razoável: não é difícil de imaginar a quantidade de mutreta, esperteza ou favor que poderia enlamear ou pelo menos embaralhar o processo.

Vide os jabutis de favores ineficientes que enfiaram na lei de privatização da Eletrobras. Considere-se a privatização das teles (1998). Foi na maior parte um sucesso. Parte foi um rolo de quase um quarto de século, que atravessou governos tucanos e petistas, vide o caso da Oi, aparentemente resolvido, por assim dizer, apenas neste ano.

Seria um exagero dizer que a privatização da Petrobras talvez se tornasse um episódio "oligarquia russa", como foi o desmonte geral do Estado soviético. Seria, né, mas a gente também discute hoje em dia se o Brasil pode se transformar em uma Hungria de Viktor Orbán, o autocrata amigão e inspiração de Bolsonaro. Tudo é possível neste mundo sem Deus. Mas passemos.

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, falou nesta terça-feira (5) de privatizar a Petrobras. Falou na condição de regente do desgoverno Bolsonaro, todo abespinhado porque micaram as nomeações de Rodolfo Landim e de Adriano Pires para o comando da petroleira.

Entrevista | Maia diz que desiste de disputar eleição e pede PSDB ‘à direita de Lula’

Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo

Ex-presidente da Câmara, deputado licenciado defende que tucanos se assumam como principal contraponto ao PT e busca experiência fora do Legislativo

Depois de seis mandatos consecutivos no Congresso e de presidir a Câmara duas vezes, o deputado federal licenciado Rodrigo Maia (PSDB), 51, desistiu de concorrer novamente ao Legislativo e abriu caminho para sua irmã gêmea, Daniela Maia (PSDB), que deixou a presidência da RioTur. 

Maia chegou a se licenciar do governo paulista na semana passada para cumprir o prazo a Justiça Eleitoral, mas na segunda feira, 4, reassumiu o cargo de secretário de Projetos e Ações Estratégicas.

Em entrevista ao Estadão no seu gabinete no Palácio dos Bandeirantes, o ex-presidente da Câmara, que vai assumir a presidência da federação formada por PSDB e Cidadania no Rio de Janeiro, contou que segue como coordenador do plano de governo de João Doria e vai se dedicar a política fluminense nos finais de semana.

Após ser apontado como presidenciável no início dos debates sobre a sucessão de 2022 e visto como principal interlocutor entre os poderes nas crises provocadas por Jair Bolsonaro, Rodrigo Maia mergulhou de cabeça no projeto do governador Rodrigo Garcia e decidiu ficar fora das brigas internas de sua nova legenda no plano nacional.

O ex-presidente da Câmara prega que o PSDB se assuma como um partido de centro-direita e rejeita o rótulo de terceira via. “O eleitor de centro pode decidir a eleição, mas não é majoritário. O PSDB é o principal partido de contraponto ao PT, para não usar o termo centro-direita, que alguns tucanos não gostam. Reclamam comigo quando eu uso”, afirmou.

Maia disse, ainda, que se Lula e Bolsonaro forem para o segundo turno, votaria no petista. 

A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Por que o sr. desistiu de tentar o 7° mandato como deputado federal?

Eu fui tudo na Câmara dos Deputados e quero agora uma experiência fora do Legislativo. Tive a experiência com Doria e agora com o Rodrigo (Garcia), que é de fato o meu grande amigo, e vejo a possibilidade de ajudar no governo dele esse ano. E com a provável reeleição nos próximos quatro anos também. Ser deputado a carreira inteira não é ruim, mas quem chegou à presidência da Câmara já ocupou quase todas as posições na Casa. O político tem que estar sempre aprendendo. Talvez esse seja um dos problemas da política brasileira: as pessoas acabam se acomodando no papel de parlamentar. Quero cumprir um ciclo no executivo e me reciclar. Quero aprender mais sobre gestão e orçamento público para que no futuro eu possa ter outros desafios na política ou até no setor privado.

O sr. segue também como coordenador do plano de governo de João Doria. Acredita que vai haver de fato sinergia entre a campanha dele e a do Rodrigo Garcia à reeleição em São Paulo?

Na campanha do João eu coordeno o plano de governo. Quero me restringir a isso. Entrei no PSDB, mas existem muitos conflitos no PSDB dos quais eu não quero participar. O que me dá prazer na política hoje é aprender. Sou cristão novo no PSDB. Já em relação ao Rodrigo Garcia, é uma eleição diferente. Ele é meu amigo. Na eleição nacional vou me ater aos temas técnicos para construir um plano transformador da vida das pessoas.

O sr. vai estar na campanha do Rodrigo também?

Vou ajudar o Rodrigo no que ele precisar.

Como avalia o cenário no PSDB?

Como deputado e um filiado que acabou de entrar no PSDB, acho esse conflito muito estranho, mas não quero participar disso. Esse conflito vem de antes da minha entrada no partido. Teve prévias e foram questionar. Foi uma votação com 44 mil pessoas. Isso deve ser tratado por quem está no partido há mais tempo. Doria se viabilizou como candidato. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o PSDB tem um problema de aceitar que está à direita do Lula. O PSDB precisa aceitar isso. É assim que a sociedade nos vê. A gente fez pesquisas por muitos anos. Se a sociedade entende que o Lula é esquerda, então o adversário tem que estar no outro polo. Precisamos resgatar o nosso eleitor e mostrar que nesse campo existe um caminho a ser ocupado.

Vera Rosa: O ‘salto 15’ que assustou Geraldo Alckmin

O Estado de S. Paulo

Lula diz que, se eleito, não fará um governo ‘requentado’; Dirceu atua nos bastidores e briga no PT corre solta

Era fim de abril de 2006 quando Geraldo Alckmin, então candidato à Presidência, entrou em um voo de Brasília para São Paulo. Bastou sentar na poltrona para ouvir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu adversário naquela campanha, ironizava as brigas no ninho tucano e dizia que o PT era um partido “tranquilo”, se comparado ao PSDB e ao MDB.

“Você sabe qual é o salto mais alto de sapato?”, perguntou Alckmin à repórter que estava no avião. “Acho que é o 15, governador”, informou a entrevistadora, sem muita convicção. Geraldo, como é chamado pelos correligionários, abriu um sorriso. Pensou um pouco e respondeu, pausadamente. “O presidente está usando salto número 15, mas eu vou para a campanha com as sandálias da humildade. E vou virar o jogo”, retrucou. A repórter, no caso, era eu.

Fernando Exman: Lançado o debate do semipresidencialismo

Valor Econômico

Discussão sobre governança deve deixar de ser tabu

Tem começo, meio e fim o plano que visa a implementação do semipresidencialis- mo no Brasil.

Esse debate, é verdade, deveria ter ganhado tração bem antes de iniciado o processo eleitoral. E a trilha iniciada pela Câmara dos Deputados não precisa necessariamente ser seguida à risca. Seria positivo, contudo, que as várias forças políticas reconhecessem que o atual sistema dá claros sinais de esgotamento. A discussão de melhorias na governança não pode ser tabu em um país que pretende evoluir e tornar-se um habitat mais estável para as próximas gerações.

Embora tenha ganhado impulso na Câmara, a proposta de emenda constitucional ainda precisa de mais apoio no Senado. E outros obstáculos já começam a aparecer devido ao acirramento da campanha eleitoral, ainda que seus idealizadores até agora não pareçam dispostos a ver o novo regime em funcionamento antes de 2030. É um prazo razoável.

Neste momento, o principal desafio de seus defensores é rebater as acusações de que a proposta é casuística e voltada a reduzir os poderes dos próximos presidentes. Para esses críticos, depois do aumento dos volumes das emendas de relator ao Orçamento, a PEC seria agora mais um avanço do Congresso sobre o que deveriam ser prerrogativas exclusivas do chefe do Poder Executivo.

Daniel Rittner: Perigo à vista nas rodovias brasileiras

Valor Econômico

Esgotamento gradual de ativos viáveis traz desafio a concessões

A iniciativa privada atualmente opera menos de 24 mil quilômetros de estradas, o que corresponde a apenas 7% da malha rodoviária no país, mas já surge no radar o possível esgotamento de ativos economicamente viáveis para fazer concessões “puras”.

O debate do governo com as empresas poderá entrar, nos próximos anos, em uma nova seara: tentativas de viabilizar concessões que não param em pé sozinhas e precisam de algum empurrão para atrair investidores. A campanha presidencial deste ano é uma oportunidade de levantar a discussão, que precisa ocorrer.

Em condições normais de temperatura e pressão, ativos sem viabilidade econômica ficam com o Estado, que se encarrega da manutenção e ampliação - duplicar pistas, por exemplo. O orçamento do Ministério da Infraestrutura, entretanto, é o mais baixo em pelo menos duas décadas. A dotação para 2022 está em apenas R$ 8,6 bilhões. Há dez anos, no auge do longínquo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), alcançou R$ 42 bilhões - em valores já atualizados pela inflação.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) avalia experiências nacionais e internacionais na aplicação de subsídios cruzados em concessões de infraestrutura em transportes, evitando o comprometimento de recursos orçamentários.

Ricardo José de Azevedo Marinho*: Para onde podemos ir?

Na disputa pela escolha da maior barbárie cometida pelo atual governo brasileiro, não nos faltam opções. Claro, entre elas incluem o cancelamento das conquistas ambientais, a decisão de não investigar nenhum alto funcionário importante desse mandato durante os 4 anos e quiçá por décadas, nomear um elenco de grandes incompetentes para as pastas, desistir de fazer a reforma tributária e fiscal, entre tantos outros. Mas prefiro olhar este último assunto, especialmente à luz das primeiras ações do novo governo de Gabriel Boric no Chile.

É sabido que uma das decisões mais difíceis de um novo governo de dias é anunciar que aumentará impostos. Se deixarmos de lado os clássicos eufemismos do liberalismo econômico, não há reforma fiscal e tributária que não aumente a carga tributária de alguém: os ricos, os consumidores, a economia formal, as grandes empresas. Por isso, a maioria dos governos que buscam realizar reformas sociais profundas tenta obter financiamento para elas desde o início de sua gestão, sabendo que a janela para uma reforma desse naipe é pequena e efêmera.

Collor foi repreendido — e com toda a razão — por ter feito um sequestro bancário no primeiro dia de seu mandato (que acabaria incompleto) sem nenhuma negociação e que sequer apresentou um projeto de reforma fiscal e tributária.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Vitória de Orbán na Hungria amplia recuo democrático

O Globo

Não há melhor exemplo de como é possível corroer a democracia mantendo aparências democráticas do que a Hungria. Depois de aparelhar o Judiciário, manietar a imprensa, expulsar o pensamento acadêmico independente, reescrever a história da colaboração de seu país com o nazismo, fechar as portas à imigração, adotar políticas contra a comunidade LGBT+ e usar o Estado em benefício de seu próprio partido, o primeiro-ministro Viktor Orbán foi reeleito no último fim de semana para o quarto mandato sem que ninguém possa contestar a legitimidade do resultado.

O recuo da democracia na Hungria é consenso nas principais avaliações independentes. Para a Freedom House, é o único país da União Europeia “parcialmente livre”. Para o Instituto V-Dem, é uma “autocracia eleitoral”, classificado como segundo maior recuo democrático no mundo entre 2010 e 2020, atrás apenas da vizinha Polônia. Orbán é o responsável: levou ao estado da arte a capacidade de ocupar as instituições de modo a assegurar a permanência no poder dele e de suas ideias conservadoras. Por isso se tornou um modelo para os candidatos a autocratas de extrema direita no mundo todo, do americano Donald Trump ao brasileiro Jair Bolsonaro (que o chamou de “nosso pequeno grande irmão”).

Nas urnas, nem a união de toda a oposição foi capaz de bater Orbán. Graças às inúmeras distorções que introduziu no sistema eleitoral, conquistou, com 53% dos votos, 135 das 199 cadeiras no Parlamento. A ausência de fraude aparente lhe rendeu um atestado de bom comportamento da missão de observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), ainda que as regras torcidas a seu favor tenham sido criticadas. A maioria superior a dois terços lhe assegura a oportunidade de continuar alterando a Constituição a seu bel-prazer.

O exemplo da Hungria é, ao mesmo tempo, iluminador e aterrador. Orbán começou a “roubar” a eleição do domingo há 12 anos, quando chegou ao poder e deu início à ocupação do Estado mudando a lei do serviço público, sob o pretexto de “limpá-lo” da esquerda. Em pouco tempo, fiéis correligionários do Fidesz, seu partido, estavam por toda parte, especialmente no Judiciário. A imprensa estatal passou a ser usada para enaltecer o governo e criticar a oposição. Os veículos independentes foram caindo um a um nas mãos de oligarcas ligados a Orbán.

Repetidas modificações nas leis eleitorais beneficiaram o Fidesz. Todo o Estado é hoje usado em benefício do partido. Um exemplo surreal aconteceu em janeiro: quem informou o endereço eletrônico na vacinação contra Covid-19 começou a receber mensagens com fake news contra a oposição. Na Hungria de Orbán, parece não haver limites para o arbítrio.