quarta-feira, 4 de maio de 2022

Opinião do dia - Antonio Gramsci*: Liberalismo

“A formulação do movimento do livre-câmbio baseia-se num erro teórico cuja origem prática não é difícil identificar, ou seja, baseia-se na distinção entre sociedade política e sociedade civil, que de distinção metodológica é transformada e apresentada como distinção orgânica. Assim, afirma-se que a atividade econômica é própria da sociedade civil e que o Estado não deve intervir em sua regulamentação.

Mas, dado que sociedade civil e Estado se identificam na realidade dos fatos, deve-se estabelecer que também o liberismo é uma "regulamentação" de caráter estatal, introduzida e mantida por via legislativa e coercitiva: é um fato de vontade consciente dos próprios fins, e não a expressão espontânea, automática, do fato econômico. Portanto, o liberismo é um programa político, destinado a modificar, quando triunfa, os dirigentes de um Estado e o programa econômico do próprio Estado, isto é, a modificar a distribuição da renda nacional.”

*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do cárcere, v. 3, p. 47, 3ª edição. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2007.

Vera Magalhães: Jovem, aliste-se!

O Globo

Sim, hoje é o último dia para tirar ou transferir o título de eleitor. Mas isso não é desculpa para não fazê-lo. Nunca foi tão importante que todos aqueles interessados em definir que rumo o Brasil tomará entendam que o caminho para isso começa pelo voto. E parece que os jovens, justamente aqueles cuja vida será mais afetada, e por mais tempo, por decisões dos políticos que venham a ser eleitos ou reeleitos em outubro, estão desconectados dessa realidade.

Pesquisa Ideia Big Data feita para o Jornal Nacional mostra o tamanho do problema: os jovens de 16 e 17 anos se informam sobre política por uma teia desconexa que tem portais, blogs e telejornais, mas também WhatsApp, Instagram, Facebook e até TikTok.

O levantamento mostra uma postura passiva do jovem diante da política: depois de ser impactados por informações que chegam em doses fracionadas por essas fontes heterogêneas e, em grande medida, heterodoxas, eles não se sentem aptos ou motivados a debater e opinar sobre aqueles conteúdos.

As razões são um mix dos dilemas que consomem em alguma medida todo aquele, de qualquer faixa etária, que se aventura no mar bravio das redes: medo de ser cancelado, o tom agressivo do debate e uma sensação de que aquilo que você disser não convencerá ninguém. Nesse cenário, não é de estranhar que tenhamos assistido neste ano ao menor índice de jovens na faixa em que o voto não é obrigatório se inscrevendo para votar.

Bernardo Mello Franco: A omissão do Congresso

O Globo

A era das notas de repúdio ficou para trás. Agora a cúpula do Congresso quer combater o golpismo com declarações apaziguadoras e promessas de acordão.

Ontem o presidente da Câmara, Arthur Lira, defendeu uma “saída negociada” para a crise. Sem citar as ameaças de Jair Bolsonaro à democracia, apresentou-se como um guardião do equilíbrio e da moderação.

“O Legislativo sempre buscou a harmonia e a tranquilidade entre os Poderes”, discursou. Ele elencou duas tarefas para si mesmo: “apaziguar” e “acalmar”. Faltou informar quem precisaria ser amansado.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, foi tomar um cafezinho no Supremo, alvo dos atos bolsonaristas de domingo. Após ser recebido pelo ministro Luiz Fux, saiu recitando platitudes e pregando a paz universal.

Ao ser questionado sobre o conflito aberto entre as Forças Armadas e o Judiciário, o senador tentou desconversar: “Eu não considero que haja uma crise instalada nesse sentido”.

Fernando Exman: O chuchu do PSB é servido com tempero

Valor Econômico

Alckmin defende campanha com foco em economia e saúde

Geraldo Alckmin se prepara para iniciar a terceira fase de um plano que, na visão de quem acompanha de perto seus movimentos recentes, foi meticulosamente preparado.

Nesta etapa preliminar da campanha, primeiro o ex-governador de São Paulo olhou para dentro do seu novo grupo político. Egresso do PSDB, dedicou-se a romper resistências no PT. E a fortalecer vínculos com o PSB, sigla que o acolheu para ser candidato a vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Agora, começará a falar para fora. A expectativa é que amplie o diálogo com segmentos que ainda resistem a uma chapa de centro-esquerda, como o eleitorado cristão, o agronegócio, o empresariado e o mercado financeiro. O interior de São Paulo é outra preocupação.

Alckmin deve participar de eventos ao lado de Lula e ter uma agenda própria. Acredita-se que quem está no poder e disputa a reeleição sempre sai na frente. Portanto, é preciso logo transformar a campanha num plebiscito sobre o governo Jair Bolsonaro (PL).

Para integrantes do PSB, Alckmin saiu do PSDB num movimento que simboliza a maturidade política necessária para vencer Bolsonaro e restabelecer a normalidade institucional do país. Algo que ainda é incompreendido por muitos, mas fundamental diante do fato de que a estratégia da extrema direita para ganhar eleições em outros lugares do mundo foi eliminar quem ocupava o centro do tabuleiro.

Tiago Cavalcanti*: O que importa, dogma ou realidade?

Valor Econômico

O contraditório é parte fundamental para o avanço da ciência e é essencial estarmos abertos ao debate

Não sei se o fato é recente ou se no passado também era assim, mas hoje as opiniões se tornam tão rígidas e fortes que nem as evidências objetivas são consideradas. Tudo tende a se tornar dogma, mais similar à religião do que à ciência.

São vários os tópicos que causam discussões inflamadas, sobre os quais opiniões rígidas são formadas. Por exemplo: o papel da vacinação na imunização e transmissão do novo coronavírus; ações humanas causam ou não mudanças climáticas; ações afirmativas diminuem ou não a meritocracia; há ou não racismo na polícia; entre outras questões.

Com a crescente disponibilidade de dados, cada vez mais aumenta a possibilidade de analisarmos a realidade com diversas abordagens estatísticas e potentes computadores. Assim, podemos formar nossas visões com evidências científicas, discutidas e debatidas por um conjunto de especialistas, que sejam replicadas e periodicamente verificadas.

Daniel Rittner: Chega de penduricalho nas tarifas de energia!

Valor Econômico

Conta de luz subiu 117% desde 2013; alta do IPCA foi 70%

Desde 2013, quando a ex-presidente Dilma Rousseff tentou baixar na marra as contas de luz e deu com os burros n’água, a tarifa média de energia subiu 117%. Enquanto isso, o IPCA teve alta acumulada de 70%. O valor do megawatt-hora pago pelo consumidor residencial saiu de R$ 284,67 e foi para R$ 616,64 em 2021, como se lê no Informativo de Gestão do Setor Elétrico, documento anual que é publicado pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Neste ano, mais um aumento de dois dígitos: Light (14,68%), Enel Rio (16,86%), Coelba (21,13%), Enel Ceará (24,88%). Até julho estão previstos os reajustes de outras 13 distribuidoras, como Cemig, Copel e Enel São Paulo. Mal dá para curtir o recém-anunciado fim da bandeira de escassez hídrica, adicional tarifário para arcar com o custo bilionário de acionamento das termelétricas.

É hora de pressão política, mas tem que ser do jeito certo. Decretos legislativos, sustando os últimos reajustes, avançam na Câmara dos Deputados com ar de cinismo. A mesma turma que aproveita a tramitação de medidas provisórias para enfiar mais subsídios nas contas de luz agora se vira para dar alguma resposta a eleitores insatisfeitos.

Vinicius Torres Freire: O novo aumento da Petrobras

Folha de S. Paulo

Preços não sobem faz 53 dias, diesel subiu lá fora e imposto menor não adiantou

Quando a Petrobras aumentou o preço dos combustíveis, em 11 de março, houve revolta quase geral, além de faniquitos e azáfamas hipócritas na política. Pouco depois, seria aprovada uma lei para mudar a cobrança do ICMS e o governo federal reduziria a zero o PIS/Cofins sobre o diesel. No dia 28 de março, Jair Bolsonaro demitiria o general Silva e Luna da presidência. Depois do fiasco da nomeação de um substituto, José Mauro Coelho assumiu o comando da petroleira em 14 de abril.

Eram grandes a agitação, a demagogia e a besteirada.

O que aconteceu com o preço dos combustíveis? Nada. Quer dizer, não baixou. Bidu. Ficaram mais altos. A mexida nos impostos não deu em nada. A convulsão durou tanto quanto tretas de redes sociais.

Bruno Boghossian: Bolsonaro já mudou 0 Supremo

Folha de S. Paulo

Tribunal entrou no jogo do presidente com reações tímidas, excessos e condescendência

O ciclo liderado por Donald Trump pode ter produzido um abalo histórico na Suprema Corte dos Estados Unidos. Com três nomeações, o ex-presidente construiu no tribunal uma maioria que se mostra disposta a reverter o direito ao aborto no país, derrubando um entendimento que está de pé há quase 50 anos.

Governantes populistas costumam tratar as instituições —incluindo o Judiciário— como campos de batalha políticos. Trump conseguiu transformar a Suprema Corte do país numa máquina capaz de lhe oferecer vitórias nessa trincheira. Jair Bolsonaro busca um caminho parecido. Até agora, o brasileiro não conta com maioria no STF, mas seu governo já foi capaz de mudar o tribunal.

Mariliz Pereira Jorge: Vai ter golpe

Folha de S. Paulo

Bolsonaro só pensa nisso, e nunca haverá o Brasil que nos foi prometido

Saudade da época de poucas certezas. A minha única era que "amanhã é um novo dia". Parece-me, hoje, uma mistura de ingenuidade juvenil com crença na imortalidade, mas um tanto de boçalidade. Não faço ideia de como não morri lá atrás, não apenas uma vez, mas inúmeras delas, tal a certeza de que amanhã teria sempre um novo dia.

Mas se, de um lado, eu dava como certo que, fizesse chuva ou sol, o amanhã estaria ali na curva do horizonte, do outro lado, o que girava a roda da vida era um redemoinho de incertezas —e isso não era ruim. O futuro sem respostas, mas cheio de possibilidades, é ainda mais bonito do que um novo amanhecer.

Luiz Carlos Azedo: Silêncio de Fux desanuvia a crise

Correio Braziliense

O discreto posicionamento do presidente do STF, durante o recrudescimento dos ataques de Bolsonaro ao Supremo, foi muito questionado pelos próprios pares, mas ajudou a distensionar o ambiente político

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, reuniu-se ontem com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e com o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira. Os encontros tiveram o claro propósito de desanuviar o clima de tensão existente entre a Corte e os demais Poderes, em razão do caso do deputado Daniel Silveira, cuja condenação à prisão foi perdoada (graça) pelo presidente Jair Bolsonaro e, também, das declarações do ministro Luís Barroso sobre o posicionamento das Forças Armadas em relação à segurança das urnas eletrônicas.

O discreto posicionamento de Fux durante o recrudescimento dos ataques de Bolsonaro ao Supremo foi muito questionado pelos próprios pares, nos bastidores da Corte, mas ajudou a distensionar o ambiente político, ao menos por enquanto. Após o encontro com Pacheco, o STF distribuiu nota na qual afirma que ambos estão comprometidos com “a harmonia entre os Poderes, com o devido respeito às regras constitucionais”. Ao sair do encontro, Pacheco falou:

“O que nós não podemos é permitir que o acirramento eleitoral — que é natural do processo eleitoral e das eleições — possa descambar para aquilo que eu reputei como anomalias graves e se permitir falar sobre intervenção militar, sobre atos institucionais, sobre frustração de eleições, sobre fechamento do Supremo Tribunal Federal. Essas são anomalias graves que precisam ser contidas, rebatidas com a mesma proporção a cada instante porque todos nós, todas as instituições, têm obrigações com a democracia, com o estado de direito, com a Constituição”, disse o presidente do Senado, conciliador.

A conversa do ministro da Defesa com o presidente do Supremo, porém, foi antecedida por uma ostensiva demonstração de alinhamento do Exército com o presidente Bolsonaro, que participou da reunião com o Alto Comando da Força pela manhã, ao lado do general Paulo Sérgio. Depois, ambos foram para o Ministério da Defesa. Os dois eventos não constavam da agenda oficial de Bolsonaro, que explora o esgarçamento das relações da cúpula militar com o Supremo, agravadas pelas declarações de Barroso, na semana passada.

Vera Rosa: Um biombo para ofuscar a ‘joinha’ no MEC

O Estado de S. Paulo

Faz duas semanas que Bolsonaro só aumenta a crise com o STF, enquanto o desemprego e a inflação corre soltos

A queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal é chamada nos bastidores do Planalto de “gambito da rainha”, uma jogada de mestre no xadrez. Além de emparedar o STF, a “rasteira” dada por Bolsonaro na Corte serve como biombo para esconder escândalos de corrupção do governo. E um desses fios desencapados está justamente no Ministério da Educação.

Seis dias depois do indulto presidencial ao deputado Daniel Silveira – que ameaçou bater com um “gato morto” em ministros do STF –, a Comissão de Educação do Senado tentou ouvir Darwin Einstein Lima, o engenheiro que atuava como consultor do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

Dono de uma empresa que fechou contratos com prefeituras atendidas pelo FNDE, Darwin recebeu R$ 2,4 milhões para facilitar a liberação de recursos a municípios maranhenses, como mostrou o Estadão.

Sérgio Praça*: O governo está longe de ser miliciano

O Globo

Uma das acusações mais graves contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) afirma que ele comanda um governo “miliciano”. Bolsonaro pode ser considerado odioso por diversos motivos. Seu desprezo pela vida alheia durante a pandemia o coloca num patamar acima dos piores políticos do mundo democrático. Mas chamá-lo de miliciano — como já fizeram Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) — não é correto.

É preciso primeiro definir “milícia”. Segundo antropólogos como Alba Zaluar e Ignacio Cano, milícias são grupos armados que dominam um território para, ao mesmo tempo, “proteger” e extorquir moradores e empreendedores. São formadas em parte por funcionários públicos como bombeiros ou policiais. Com origem no jornalismo carioca, essa definição é a mais comum no Brasil. É a usada pelo jornalista e cientista social Bruno Paes Manso no premiado “A república das milícias: dos esquadrões da morte à Era Bolsonaro”.

Elio Gaspari: Humberto Barreto, um sertanejo contra a censura

O Globo / Folha de S. Paulo

Morreu na madrugada desta terça-feira o advogado Humberto Barreto. Tinha 90 anos e, pelo seu temperamento, afora os amigos e parentes, poucos lembram que ele foi um dos homens mais influentes da República ao tempo da ditadura. Formalmente, foi o secretário de Imprensa do presidente Ernesto Geisel de 1974 a 1977, quando assumiu a presidência da Caixa Econômica. Na vida real, era uma das pessoas mais próximas de um presidente reservado. Conheciam-se desde os anos 1940. Com sua mulher, Lilian, era eterno parceiro de biriba do casal Geisel e seu vizinho lindeiro em Teresópolis.

Em 1973, quando o amigo foi escolhido para a Presidência da República, estava escalado para a chefia do Gabinete Civil. Mexidas burocráticas fizeram com que acabasse na Assessoria de Imprensa. Ninguém sabia quem ele era, nem ele conhecia jornalistas. Tornou-se não só um assessor poderoso, como um batalhador pelo fim da censura. Entregava ao presidente textos vetados para mostrar os absurdos que a tesoura praticava, e as portas de sua sala ficavam abertas para os repórteres. Como Geisel evitava jornalistas, ele avisou, logo nos primeiros meses de governo: “Se eles têm lepra, sou o diretor do leprosário”.

Eram tempos difíceis, e Humberto Barreto navegou-os com calma sertaneja. Em outubro de 1975, quando o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado no DOI de São Paulo, reservadamente, ele contestava a versão oficial do suicídio: “O presidente nem precisava falar para mim que não acreditava na versão do suicídio. Bastava ver as fotos”.

Cristovam Buarque*: Escravismo persistente

Correio Braziliense

Na próxima semana, faz 134 anos da Abolição, mas a escravidão continua mantida por sua última trincheira: a desigualdade na qualidade da escola

Em 1850, o deputado baiano Silva Guimarães teve a estranha ideia de propor lei declarando livres os filhos das escravas nascidos a partir daquela data. A proposta foi obviamente arquivada porque era inconcebível romper o princípio jurídico de que o ventre da escrava pertencia ao seu senhor. Além disso, o recém-nascido era negro, não fazia sentido declará-lo livre sem alforria individual proclamada por seu dono. Cento e setenta anos depois, ainda parece estranha a ideia de pobre estudar na mesma escola de brasileiro rico.

Foi necessário esperar até 1871 para que a ideia do "ventre livre" chegasse ao parlamento com chance de aprovação. Depois de seis meses de debates, a lei foi aprovada por 56 votos contra 47 deputados que se opunham ao que consideravam injusta ilegalidade de "desapropriar os donos e sequestrar os filhos de escravas".

Para conseguir os votos, foi necessário determinar que os filhos só seriam livres ao completar 21 anos, as filhas aos 18. Achando pouco, o sistema encontrou forma de impedir que a lei fosse posta em prática: negar escola aos libertos. Os escravocratas perceberam que o ser humano nasce duas vezes: ao sair do ventre da mãe e ao entrar na escola.

Para abolir a escravidão de uma criança, não basta declarar livre o ventre de sua mãe, é preciso libertar o cérebro da criança ao receber conhecimento para se orientar e usufruir do mundo. O trabalho é servil por compra de escravo ou por negação de educação que assegure a possibilidade do trabalho livre. A Lei do Ventre Livre ficou incompleta por não libertar os cérebros. Os libertos receberam alforria para usar os pés e as mãos, mas não a educação necessária para usufruírem da liberdade.

Bertolt Brecht*: As cinco dificuldades para escrever a verdade

Revista Prosa Verso e Arte

Hoje, o escritor que deseje combater a mentira e a ignorância tem de lutar, pelo menos, contra cinco dificuldades. É-lhe necessária a coragem de dizer a verdade, numa altura em que por toda a parte se empenham em sufocá-la; a inteligência de a reconhecer, quando por toda a parte a ocultam; a arte de a tornar manejável como uma arma; o discernimento suficiente para escolher aqueles em cujas mãos ela se tornará eficaz; finalmente, precisa de ter habilidade para difundir entre eles. Estas dificuldades são grandes para os que escrevem sob o jugo do fascismo; aqueles que fugiram ou foram expulsos também sentem o peso delas; e até os que escrevem num regime de liberdades burguesas não estão livres da sua acção.

1- A CORAGEM DE DIZER A VERDADE

É evidente que o escritor deve dizer a verdade, não a calar nem a abafar, e nada escrever contra ela. É sua obrigação evitar rebaixar-se diante dos poderosos, não enganar os fracos, naturalmente, assim como resistir à tentação do lucro que advém de enganar os fracos. Desagradar aos que tudo possuem equivale a renunciar seja o que for. Renunciar ao salário do seu trabalho equivale por vezes a não poder trabalhar, e recusar ser célebre entre os poderosos é muitas vezes recusar qualquer espécie de celebridade. Para isso precisa-se de coragem. As épocas de extrema opressão costumam ser também aquelas em que os grandes e nobres temas estão na ordem do dia. Em tais épocas, quando o espírito de sacrifício é exaltado ruidosamente, precisa o escritor de muita coragem para tratar de temas tão mesquinhos e tão baixos como a alimentação dos trabalhadores e o seu alojamento.

Quando os camponeses são cobertos de honrarias e apontados como exemplo, é corajoso o escritor que fala da maquinaria agrícola e dos pastos baratos que aliviariam o tão exaltado trabalho dos campos. Quando todos os altifalantes espalham aos quatro ventos que o ignorante vale mais do que o instruído, é preciso coragem para perguntar: vale mais porquê? Quando se fala de raças nobres e de raças inferiores, é corajoso o que pergunta se a fome, a ignorância e a guerra não produzem odiosas deformidades. É igualmente necessária coragem para se dizer a verdade a nosso próprio respeito, sobre os vencidos que somos. Muitos perseguidos perdem a faculdade de reconhecer as suas culpas. A perseguição parece-lhes uma monstruosa injustiça. Os perseguidores são maus, dado que perseguem, e eles, os perseguidos, são perseguidos por causa da sua virtude. Mas essa virtude foi esmagada, vencida, reduzida à impotência. Bem fraca virtude ela era! Má, inconsistente e pouco segura virtude, pois não é admissível aceitar a fraqueza da virtude como se aceita a humidade da chuva. É necessária coragem para dizer que os bons não foram vencidos por causa da sua virtude, mas antes por causa da sua fraqueza. A verdade deve ser mostrada na sua luta com a mentira e nunca apresentada como algo de sublime, de ambíguo e de geral; este estilo de falar dela convém justamente à mentira. Quando se afirma que alguém disse a verdade é porque houve outros, vários, muitos ou um só, que disseram outra coisa, mentiras ou generalidades, mas aquele disse a verdade, falou em algo de prático, concreto, impossível de negar, disse a única coisa que era preciso dizer.

Não se carece de muita coragem para deplorar em termos gerais a corrupção do mundo e para falar num tom ameaçador, nos sítios onde a coisa ainda é permitida, da desforra do Espírito. Muitos simulam a bravura como se os canhões estivessem apontados sobre eles; a verdade é que apenas servem de mira a binóculos de teatro. Os seus gritos atiram algumas vagas e generalizadas reivindicações, à face dum mundo onde as pessoas inofensivas são estimadas. Reclamam em termos gerais uma justiça para a qual nada contribuem, apelam pela liberdade de receber a sua parte dum espólio que sempre têm partilhado com eles. Para esses, a verdade tem de soar bem. Se nela só há aridez, números e factos, se para a encontrar forem precisos estudos e muito esforço, então essa verdade não é para eles, não possui a seus olhos nada de exaltante. Da verdade, só lhes interessa o comportamento exterior que permite clamar por ela. A sua grande desgraça é não possuírem a mínima noção dela.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Vendilhões da democracia

O Estado de S. Paulo

É estarrecedor que membros de MDB e PSDB, partidos ligados às lutas democráticas, sejam coniventes com Bolsonaro. Por benefícios de curto prazo, transigem com princípios inegociáveis

É triste constatar que a maioria do MDB, partido cuja história está diretamente vinculada à restauração da democracia no País e à Constituição de 1988, não veja problemas em aderir ao bolsonarismo. Segundo revelou o Estadão, se o MDB declinar da decisão de ter candidatura própria ao Palácio do Planalto, a maioria do partido inclina-se por apoiar a reeleição de Jair Bolsonaro. Os dados são de uma sondagem feita pelo MDB entre seus prefeitos, bancadas e delegados eleitos pelos diretórios estaduais.

Ainda que não diminua sua responsabilidade, é preciso reconhecer que o MDB não está sozinho nessa proximidade com o presidente da República que afronta as instituições, põe em dúvida o processo eleitoral e tenta envolver as Forças Armadas em devaneios golpistas. Também parte significativa do PSDB, especialmente na Câmara dos Deputados, não vê empecilhos em alinhar-se ao bolsonarismo. Citam-se os dois partidos por seu histórico de defesa do regime democrático, mas há também outras legendas que tratam Jair Bolsonaro como um útil parceiro.

Observa-se, assim, um nítido decaimento da consciência cívica não apenas em parte da população – há, por exemplo, quem saia à rua para pedir o fechamento da Corte constitucional –, mas da própria classe política. É um nível de retrocesso ainda mais preocupante, pois se dá em pessoas que, pela própria trajetória profissional, deveriam ser especialmente cuidadosas com o regime democrático e as suas instituições. Como um deputado, por exemplo, pode apoiar um presidente da República que questiona, sem nenhuma prova, a lisura das eleições? Como um parlamentar pode apoiar um movimento político que, entre suas causas, defende o AI-5, pede o fechamento do Congresso e postula o retorno da ditadura militar?