quarta-feira, 8 de junho de 2022

Vera Magalhães: 'Alô, alô, marciano!': Bolsonaro em pânico

O Globo

À medida que vê o corredor à sua frente se estreitar, Jair Bolsonaro dá mais sinais de pânico mal dissimulado, roubando o diagnóstico sempre preciso de Caetano Veloso.

Todas as promessas fake que esquadrinhei neste espaço na semana passada vão caindo por terra: com cara acabrunhada, o presidente em desespero admitiu que não haverá reajuste dos servidores no final das contas. Quem sabe em 2023, pessoal?

Para tentar operar alguma mágica que baixe o preço dos combustíveis, arrancou a fórceps uma fórmula que Paulo Guedes, mais desnorteado que o chefe, não sabe se custará R$ 25 bilhões ou R$ 50 bilhões. Tudo bem, para um governo que não planeja e que já mandou às favas qualquer escrúpulo liberal que um dia tenha tido, algo custar um tanto ou seu dobro é o de menos.

A tal compensação, que ninguém sabe quanto custará aos estados que aceitem comprar um terreno na Lua — ou em Marte, já que o presidente também anda ameaçando prender marcianos por aí —, não se sabe também quando nem como será paga.

Bernardo Mello Franco: Um soldado e um cabo

O Globo

Na campanha de 2018, Eduardo Bolsonaro descreveu seu plano para o Supremo Tribunal Federal: “Se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”.

Jair Bolsonaro ainda não realizou o desejo do filho, mas já tomou outras medidas para minar a independência da Corte. A começar pelas indicações de Kassio Nunes Marques e André Mendonça.

Ao assinar a nomeação do pastor, o presidente anunciou que passaria a controlar 20% do Supremo. “São dois ministros que representam, em tese, 20% daquilo que nós gostaríamos que fosse decidido e votado”, disse. Os fatos dos últimos dias sugerem que ele tinha razão.

Elio Gaspari: A conta do Tribunal de Contas

Folha de S. Paulo / O Globo

O TCU-Tours é parte de uma anomalia muito maior

Deve-se ao repórter Tácio Lorran a revelação de que alguns ministros do Tribunal de Contas da União custam mais com viagens e diárias do que com os salários que remuneram seu trabalho. Bruno Dantas, por exemplo, tem vencimentos de R$ 37.300 brutos e custou R$ 43.517 entre 25 de fevereiro e 13 de março, indo a Polônia, Arábia Saudita, Áustria e França. Ele não é o único, nem o TCU está sozinho nessas prebendas. As viagens de instrução, bem como seminários de curta duração, geralmente coincidindo com os feriadões nacionais, ganharam até o apelido de “farofas”.

O TCU é encarregado de vigiar as despesas feitas com dinheiro da Viúva. Logo ele, mete-se em turismo de primeira e se explica com argumentos de segunda: “Os preparativos para a gestão brasileira exigem contato constante com instituições de outros países e, naturalmente, isso exige deslocamento de autoridades da Casa para reuniões de trabalho e compromissos de cunho científico”.

Hélio Schwartsman: A consciência do juiz

Folha de S. Paulo

Ministros do STF só precisam bajular superiores até ter a indicação confirmada

Pelas teorias mais tradicionais, o magistrado deveria julgar apenas de acordo com a lei, abstendo-se de quaisquer considerações políticas, pessoais e até de reflexões sobre danos colaterais que possam advir de seu juízo. "Fiat iustitia, et pereat mundus" (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça), na fórmula de Immanuel Kant.

O problema é que não é legal quando o mundo perece, daí que é mais ou menos inevitável que juízes levem em conta não só a lei mas também o contexto sociopolítico e econômico antes de proferir suas sentenças. Isso é especialmente verdade nas cortes superiores nas quais se concentram causas de grande repercussão.

Bruno Boghossian: Jogada ensaiada

Folha de S. Paulo

Atuação de ministros mantém vale-tudo e abre caminho para presidente contestar eleições

O treinador Jair Bolsonaro tinha ensaiado a jogada. Quando Kassio Nunes Marques mandou abrir igrejas no auge da pandemia, em abril de 2021, o presidente comemorou a decisão individual e disse desejar que o julgamento no STF fosse interrompido a pedido de outro ministro. "Espero [...] que a liminar seja mantida ou que alguém peça vista", declarou.

Naquela época, Nunes Marques era o único representante de Bolsonaro no tribunal, e a decisão acabou derrubada no plenário. Mas o ministro logo ganhou companhia.

A tabelinha com André Mendonça para tumultuar a cassação do deputado estadual Fernando Francischini mostra que há gente disposta a aliviar a barra de políticos que espalham suspeitas falsas sobre as eleições. Na prática, isso significa manter o vale-tudo da desinformação e deixar o caminho livre para Bolsonaro contestar o resultado da disputa.

Vinicius Torres Freire: O preço do estelionato eleitoral

Folha de S. Paulo

Plano Bolsonaro para combustíveis custa mais que Auxílio Brasil e investimento federal

O pacote de combustíveis de Jair Bolsonaro-Centrão não tem pé nem cabeça. Parece ideia anotada em um guardanapo de papel sujo de leite condensado e farofa. Feitas as contas possíveis, nota-se que vai custar mais do que alguns maiores programas do governo federal. Pode provocar inflação e mais endividamento no ano que vem, depois da eleição.

É o estelionato eleitoral típico. Se o truque não funcionar, Bolsonaro pode tentar jogar a culpa em alguém, nos estados, seu método irresponsável de desgovernar.

Suponha-se que as reduções de impostos sobre gasolina, etanol, diesel e gás de cozinha durem de julho a dezembro. A redução de receita seria de cerca de R$ 48,6 bilhões em um semestre. Em um ano, de R$ 92,2 bilhões (o consumo nas metades do ano é diferente).

O Auxílio Emergencial, que dá comida para 18 milhões de famílias, custa R$ 89 bilhões por ano.

Alvaro Gribel: Os erros em série nos combustíveis

O Globo

Perda de arrecadação com projetos que subsidiam os combustíveis pode anular os ganhos da reforma da Previdência

Coube ao economista-chefe do Verde Asset, Daniel Leichsenring, fazer o alerta em uma rede social: “O efeito do projeto da queda eleitoreira do ICMS equivale a toda a reforma da Previdência.” Pelas contas dos estados, o teto de 17% no imposto provocará perdas acima de R$ 115 bilhões por ano. Já a PEC apresentada na segunda-feira pode custar mais R$ 50 bilhões ao Tesouro Nacional. O governo diz que ela terá validade até dezembro, mas o mercado dá como certo que a votação em dois turnos no Congresso vai aumentar o tamanho dessa conta.

A PEC dos combustíveis é o terceiro projeto mal elaborado em poucos meses pela equipe econômica e as principais lideranças da Câmara e do Senado. O primeiro mudou a forma de cobrança do ICMS, em março, e teve impacto zero nas bombas. O segundo, aprovado na Câmara, estabelece o teto na alíquota do imposto. Agora, o governo fala em zerar os impostos federais e estaduais, compensando uma pequena parte do rombo nas finanças dos estados e municípios. As três propostas juntas formam um compêndio de erros na economia: subsidiam os mais ricos, estimulam o consumo de combustíveis fósseis e aumentam o risco fiscal.

Marcelo Godoy: Os planos de Lula para a Justiça

O Estado de S. Paulo

Petista devia dizer se vai escolher chefe do MPF por lista tríplice ou se vai seguir Bolsonaro

No dia 12 os italianos vão às urnas votar em cinco referendos sobre a Justiça. Em um deles, pretende-se revogar a Lei Severino, espécie de Lei da Ficha Limpa da Itália. Em outro, deseja-se acabar com a possibilidade de prisão preventiva para financiamento ilícito de partidos e quando há risco de o acusado voltar a cometer o mesmo delito, o que revogaria a lei de 1988 que permitiu a Operação Mãos Limpas.

As propostas apresentadas aos italianos têm seguidores aqui. Impedir outra operação como a Lava Jato parece uma preocupação desde sempre em Brasília. O procurador-geral da República,

Augusto Aras, é inimigo do modelo da força-tarefa de Curitiba. Foi escolhido por Jair Bolsonaro – alvo de dezenas de representações e inquéritos – fora da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), ao contrário do que antes fizeram Lula, Dilma e Temer. O atual presidente ignorou a escolha dos procuradores, mesmo quando a lista da associação foi encabeçada pelo moderado Mario Bonsaglia.

Paulo Delgado*: Cinco nomes e um destino

O Estado de S. Paulo

Com o Supremo e o TSE atuando de modo tão elíptico, a Justiça dá consistência à polarização com dois preferidos e os demais fantoches.

Deixando-se manejar por uma eleição flashback, o Brasil concede ao passado poder sobre o futuro. Levado pelo êxtase ou a aventura, a reflexão não tem tido prioridade entre nós. Só as pesquisas contam, como ideologia.

As pesquisas nunca gostaram de Ciro. E já desconfiam de Simone. Fingem não ver Luiz Felipe. Gostavam de Marina, até que Dilma espalhou que os verdes eram banqueiros – registraram a indignidade na margem de erro. Largaram Aécio jogando as fichas no capitalismo de cassino que produziu 2018.

Lá atrás, queriam Collor e, por odiar Brizola, ajudaram Lula a contragosto. Calado duas vezes por FHC, ele se reciclou, arrumou um guru, amigo das pesquisas, para ensaboar a fera e fazer a pedra virar flor. As pesquisas fingiram não ver Bolsonaro e escondiam que evitavam Haddad. No fundo, não queriam Ciro e botaram a culpa em Juiz de Fora. Alckmin, que é médico e afável, não visitou o esfaqueado no hospital, ajudando-o a consolidar a imagem de desprezado.

Nenhuma diferença metodológica ou técnica explica a variação dos números das pesquisas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ajuda na confusão por só exigir o carimbo burocrático de “registrada”, dando credibilidade ao submundo da amostra. Pesquisa é ideologia, eleitor é que é utopia.

Nicolau da Rocha Cavalcanti*: Presidentes fiéis à sua história

O Estado de S. Paulo

Mais do que escolhas ideológicas, o exercício do poder parece refletir a experiência de vida de cada um.

O antigo adágio de inspiração aristotélica, operari sequitur esse (o atuar segue o ser), continua plenamente vigente na política brasileira. Ao menos em relação aos presidentes da República neste século, não há nenhum motivo para surpresa. Todos eles – Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro, até aqui – foram rigorosamente coerentes com sua história de vida prévia ao cargo. O poder não mudou nenhum deles.

Mais do que escolhas político-ideológicas, o modo como cada um exerceu o poder parece refletir, com surpreendente exatidão, sua respectiva formação profissional e humana, sua experiência de vida, sua bagagem cultural. Sociólogo, o presidente Fernando Henrique teve uma especial percepção dos temas de longo prazo do País e fez deles a prioridade de seu governo. É um perfil de governante muito necessário, cujos frutos podem ser observados décadas depois, mas raro em democracias de massa. Não é nada fácil que a maioria do eleitorado abrace uma proposta de governo não imediatista. Mais um mérito, portanto, do Plano Real: não apenas acabou com a inflação, como forneceu as condições políticas para a eleição de alguém cujo olhar tende a ver além do próprio mandato.

Líder sindical, o presidente Lula teve uma excepcional percepção das questões com impacto imediato na vida da população, bem como dos interesses políticos vigentes no período. Soube construir, tal como havia feito durante toda a sua vida sindical, um governo de composição, agregando forças políticas muito díspares. Sendo a política não apenas futuro, mas presente, com Lula, o cidadão sentiu-se cuidado pelo governo federal de uma forma nova.

Fernando Exman: O mais novo capítulo da crise institucional

Valor Econômico

Críticas às urnas denotam receio com solidez da candidatura

Antes mesmo de emergir na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) o caso do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini, do União Brasil do Paraná, era crescente a apreensão daqueles que monitoram a voltagem das relações entre o Executivo e o Judiciário.

São frequentes os curtos-circuitos, quase sempre provocados pela elevação da tensão por parte do presidente Jair Bolsonaro, embora também seja preciso observar as movimentações do outro lado da Praça dos Três Poderes.

Foi-se o tempo em que integrantes da cúpula do Judiciário diziam que o conceito de “crise institucional” era uma criação artificial de quem não compreendia a função do STF. Sob essa ótica, eventuais atritos seriam naturais em razão da Corte analisar, quando provocada, possíveis inconstitucionalidades nas propostas aprovadas pelo Parlamento e atos do Executivo. Uma visão que acabou sendo subjugada pela dinâmica criada pelo presidente em sua interação com os demais Poderes.

Daniel Rittner: Os potes de ouro do setor elétrico

Valor Econômico

Mais um jeitinho está sendo articulado para conceder subsídios

Mais um bomba com potencial bilionário pode cair no colo dos consumidores de energia elétrica. O artefato está sendo preparado pelos mesmos parlamentares que, com cara de condoídos pela dificuldade dos eleitores em pagar as contas de luz, querem rasgar contratos e suspender reajustes de tarifas. Em um setor tão impenetrável, cujas regras parecem ter sido escritas pelo demônio, convém explicar direitinho para impedir que uns poucos saiam ganhando com o desconhecimento de muitos.

Vamos lá: na virada do século, com o objetivo de impulsionar novas fontes de energia pouco competitivas à época, uma lei (9.427/96) garantiu subsídios para três tipos de projetos de geração elétrica: usinas eólicas, solares e de biomassa. A produção e o consumo de energia oriundos desses empreendimentos - até 30 megawatts (MW) de potência - passaram a contar com 50% de desconto pelo uso das redes de distribuição e de transmissão.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão*: Neoliberalismo, uma obsessão doutrinária

Essa história de queimadas na Amazônia ainda vai "dar panos pra as mangas".  Fragiliza a ideia da competência do governo brasileiro para administrar o problema e a crença nacional de que a "Amazônia é Nossa”. Por analogia, a Sibéria estaria no mesmo caso.   

É uma conversa delicada que se arrasta lenta, e um dia a proteção da Amazônia pode ganhar foros internacionais como um novo normal, e surpreender. A sorte é que em condições semelhantes estão territórios que também acumulam reservas de xisto, de carvão, de petróleo, de gás, seja nos países árabes, nos EUA, na Venezuela ou na Rússia.  São recursos naturais que não pertencem à país nenhum, senão à humanidade.

A Amazônia ocupa um território de quase cinco milhões de km2, abrigando 28,1 milhões de habitantes (5,6 hab. por km2). A Sibéria se estende por 13.100 km2 e é habitado por 33,7 milhões de pessoas (0,31 hab. por km2). E não tem menos recursos naturais.  No caso da Amazônia, a ciência lembra sempre que se trata de um "patrimônio mundial", sorvedouro do gás carbono, responsável pelo aquecimento global. Ao mesmo tempo, é desejada pelas ávidas economias de mercado. Vem nela uma fonte de riquezas florestais, minerais e biológicas exploráveis. Da Sibéria ninguém fala. Medo do frio, ou covardia? O futuro dirá.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O PT de sempre

Folha de S. Paulo

Sigla reafirma teses que levaram à ruína sob Dilma; Lula só vence sem esse fardo

Um partido tradicional, com inserção na sociedade e larga experiência administrativa não deveria suscitar incertezas ao divulgar diretrizes para um programa de governo. O PT de Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, é um caso à parte.

Como se nada houvera aprendido com seus sucessos e fracassos ao longo de quatro mandatos presidenciais, a legenda divulgou na segunda (6) documento no qual reafirma a visão de economia preterida sob Lula, quando o país colheu bons resultados, e posta plenamente em prática por Dilma Rousseff, levando à derrocada conhecida.

A repetição das teses estatistas e corporativistas não chega a surpreender —desde a crise que levou ao impeachment de Dilma, os petistas parecem mais preocupados em negar erros do que em renovar ideias. O que chama a atenção é o misto de descrédito e temor gerado por tais proposituras nos meios políticos e econômicos.

Descrédito porque é razoável a hipótese de que, mais uma vez, Lula será pragmático em um eventual novo governo, deixando de lado ideologias em favor do bom senso. Ademais, o documento do partido é preliminar e será negociado com aliados; por ora, serve mais como peça para manter a militância fiel.