segunda-feira, 18 de julho de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto* - Democracia! - Presente!

Durante as três semanas de junho em que a normalidade desta coluna ficou comprometida por contratempos do colunista a conjuntura pré-eleitoral ganhou nova dinâmica, sugerindo que neste julho já se retire o prefixo, pois a campanha propriamente dita, prevista para a partir de agosto, já começou antes mesmo de decisões formais definitivas dos partidos e do início do período eleitoral reconhecido como tal pelas instituições do Estado. Além de submetidas a pressões e ameaças da extrema-direita, as instituições políticas da República - desde os partidos até aquelas que organizam e regulam o Estado em sua forma federativa, em seus três Poderes e nas relações entre eles -, bem como os órgãos de controle dentro e além do Sistema de Justiça estão sendo afetados pelo tensionamento do ambiente social, obra do ativismo golpista do bolsonarismo, que vê aí um campo propício à disseminação de violência política.

A antecipação radical de um clima plebiscitário próprio de segundo turno eleitoral é, por um lado, má notícia para quem se preocupa com a estabilidade e integridade do regime democrático, condições sem as quais a democracia, como instituição e como conduta política, não pode prosperar como valor, nem avançar no enfrentamento das questões econômicas, sociais e ambientais pendentes no país. A antecipação subjetiva do clima sugere que as datas decisórias magnas do pleito (sejam duas ou termine sendo apenas uma) avizinham-se com rapidez incomum, a ponto de se imaginar, a cada amanhecer, que o próximo será o do dia D, durante o qual virá uma enigmática hora H. Sim, ainda é julho e o país (não mais apenas suas elites, como ocorria há poucas semanas) já começa a respirar um quase outubro.

Os pulmões da democracia, entretanto, precisam de oxigênio e tecidos razoavelmente íntegros para cumprir ainda cerca de três meses de uma maratona eleitoral. Pode-se prever (na incerteza de praxe) que a atual sensação de antecipação se despedirá de nós daqui a duas semanas, quando se espera que estejam definidos os atores que irão até o fim do jogo, bem como seus respectivos alinhamentos em cada estado da federação. Embora peguem o carro andando - com o script plebiscitário já acertado antes com o eleitor - esses arranjos finais são importantes e podem produzir alterações na cena, para o bem ou para o mal, seja lá o que cada pessoa ou partido entenda sobre os sentidos dessas duas palavras amigas dos dogmas religiosos ou ideológicos e inimigas do pluralismo da política democrática.

Fernando Gabeira - Bolsonarismo encarna o desespero patriarcal

O Globo

Neste momento da História do Brasil, há um fator decisivo: a violência é estimulada de cima para baixo

A maioria dos leitores não tinha nascido ainda, e eu já cobria crimes políticos no Brasil. Um advogado de Minas, Danilo Sebe, me enviou o recorte de uma longa reportagem sobre o assassinato do deputado Nacip Raydan, em Santa Maria do Suaçuí. Isso foi em 1962.

Minhas retinas ainda não estavam fatigadas. Depois disso, acompanhei a morte do estudante Edson Luís, em 1968, viajei a Xapuri, no Acre, para cobrir o enterro de Chico Mendes, passei a noite em Anapu, no Pará, durante o velório de Dorothy Stang. Isso para mencionar apenas os casos em que há referências na história. Minhas reportagens sobre assassinato de vereadores na Baixada Fluminense caíram no limbo com suas vítimas anônimas.

Nos últimos tempos, cobri a morte de Marielle Franco e segui daqui as investigações em torno do assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira.

Apesar de toda a trajetória, não considero o assassinato do petista Marcelo Arruda apenas mais um caso. Neste momento da História do Brasil, há um fator decisivo: a violência é estimulada de cima para baixo.

Estamos colhendo os frutos amargos de uma política de extrema direita que não só glorifica o uso de armas, mas reduz ao máximo seu controle.

Miguel de Almeida - Faz falta um Ulysses Guimarães em 2022

O Globo

Oposição é um remendo de rebotalho

Benito Mussolini, no cargo de primeiro-ministro da Itália e depois no papel de ditador, escapou de quatro atentados. Alguns mais sérios (chegou a ser ferido no ombro, por tiro), outros menos eficazes. Até que sua esperteza não o cobriu mais — ou a sorte deixou de lhe sorrir —, e ele acabou preso pela resistência italiana, já no fim da Segunda Guerra Mundial.

Como se sabe, terminou abatido a tiros, perto do lindo Lago de Como, e pendurado de ponta-cabeça, ao lado de uma de suas amantes, Clara Petacci, na Praça Loreto, junto a um posto de gasolina, em Milão, com ligeira barriga à mostra.

Seu cérebro, autopsiado nos Estados Unidos, não indicou ser portador de sífilis, como muitos procuravam justificar sua loucura. Em resumo, era apenas um cara muito mau.

Uma das figuras centrais do século passado, Mussolini, com sua ideologia fascista de violência física contra os adversários, inspirou fortemente o nacional-socialismo de Hitler e Goebbels, a quem de início esnobara. Sua execução sumária e a exposição pública de seu cadáver, se muito chocaram à época, compreendem-se pelo retorno em dobro do ódio que disseminou entre os italianos, com o assassinato de adversários, a destruição de sedes de partidos de esquerda, mais os sistemáticos espancamentos pelas milícias fascistas de seus inimigos políticos.

Marcus André Melo* - A PEC Kamikaze e o populismo fiscal

Folha de S. Paulo

Há com a PEC ganhos políticos potenciais para o executivo também no cenário de derrota no pleito

A PEC Kamikaze tem sido examinada por seus efeitos eleitorais de curto prazo, mas seu desenho é politicamente eficiente para o Executivo. Sim, ela poderá garantir competitividade na disputa presidencial; há ganhos políticos potenciais também no cenário de derrota no pleito. Explico.

O primeiro e talvez o mais imediato é que a rejeição da PEC também traria ganhos: ela implicaria em custos eleitorais concentrados e de grande magnitude em ano eleitoral. A votação de PEC é nominal, o que explica a virtual unanimidade na aprovação da medida.

O segundo é que a validade da PEC coincide com o fim do mandato presidencial. Sua descontinuidade criará um imbróglio para o próximo governo: haverá custos consideráveis em resistir às pressões para que os benefícios se tornem permanentes ou que algumas clientelas sejam favorecidas. Segundo a conhecida assimetria na percepção de riscos, as perdas serão mais valoradas que os ganhos. A conjetura valeria também para o atual governo em caso de eventual vitória? Não na mesma escala, porque a iniciativa terá sido do atual governo.

Celso Rocha de Barros - Militares são inimigos de meio Brasil?

Folha de S. Paulo

Há gente nas Forças Armadas tentando roubar a eleição para Jair Bolsonaro

Sou um cidadão brasileiro que vota na esquerda. Tenho uma pergunta para as Forças Armadas brasileiras: vocês são um exército que eu compartilho com meus compatriotas de direita, ou são o braço armado dos meus adversários nas eleições?

As Forças Armadas ainda são brasileiras, ou aceitaram o papel de braço armado da extrema-direita que Jair Bolsonaro lhes ofereceu? São o exército de uma república democrática ou uma milícia de direita sustentada com dinheiro público?

Pergunto pelo seguinte: está cada vez mais claro que há gente nas Forças Armadas do Brasil tentando roubar a eleição para Jair Bolsonaro.

Felipe Moura - Lula é o PT, Anitta

O Estado de S. Paulo

A cantora tenta induzir até quem não gosta do PT a votar em seu poderoso chefão

Anitta publicou uma foto com a estrela do PT no bumbum, após declarar apoio a Lula. Mas tuitou: “não sou petista e não quero nenhum candidato do PT usando meu nome”; “meu papel é trazer engajamento e mídia para a pessoa que tem mais chances de vencer Voldemort”; “se essa pessoa é o Lula, assim será”.

Voldemort, o maior antagonista de Harry Potter na série de livros infantojuvenis de J.K. Rowling, é o líder do grupo de bruxos malvados Comensais da Morte. Ele não tem empatia, motivo pelo qual já vinha sendo associado a Jair Bolsonaro.

Em 2018, em comício de Fernando Haddad, o rapper Mano Brown criticou a atuação dos petistas, dizendo que “a comunicação é alma”. “Se não conseguir falar a língua do povo, vai perder mesmo. Falar bem do PT para torcida do PT é fácil. Tem uma multidão que precisa ser conquistada ou vamos cair no precipício.”

Denis Lerrer Rosenfield* - Violência política

O Estado de S. Paulo

Ao contrário do que muitos sustentaram, no Paraná não houve polarização. Não foi o confronto de petistas e bolsonaristas em igualdade de condições.

O assassinato de um aniversariante petista, ao lado de sua família, por um bolsonarista é um passo perigoso no processo de enfraquecimento das instituições democráticas. A política, entendida como um confronto à morte entre amigos e inimigos, produz, aí, o seu fruto real, por mais aterrador que seja. Bolsonaro orienta-se por ela, sempre à caça de inimigos reais e imaginários: a esquerda, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as vacinas, o teto de gastos, o Supremo Tribunal Federal, os cidadãos pacíficos, as urnas eletrônicas e assim por diante, num acirramento crescente. A justificativa de alguns de que se trata apenas de um excesso de linguagem ou verborragia não se sustenta, pois é ela o guia de suas ações. Instituições democráticas tornam-se o alvo, famílias são divididas, amigos se separam, milícias digitais atacam, milícias reais vão às ruas de moto. Alguns fanáticos mais possuídos por esta narrativa decidem passar à ação concreta: tomam em armas e matam.

É bem verdade que essa concepção da política já foi seguida por Lula e pelos petistas, ao agirem baseados na distinção do “nós contra eles”, criando um clima de confronto, tendo ganho proporções no campo brasileiro. As hordas do MST invadiam com armas brancas e de fogo propriedades rurais, esquartejando o gado, incendiando, infringindo medo aos trabalhadores, disseminando a mais completa insegurança.

Bruno Carazza* - Receita número 3 pra ser eleito: ser rico

Valor Econômico

Entrar para a política tem um preço, e ele é alto

Nas duas últimas colunas demonstrei como a política oferece diferentes mecanismos para a perpetuação no poder de quem já desfruta de suas benesses. Do uso do fundão eleitoral e do orçamento secreto à exploração dos sobrenomes tradicionais, possuir um cargo eletivo constitui uma força desproporcional na disputa eleitoral.

Embora digam que a taxa de renovação nas eleições de 2018 foi elevada, dos 513 deputados eleitos em 2018 pelo menos 427 (ou seja, 83,2%) já tinham exercido mandatos eletivos, eram parentes de políticos ou tinham ocupado posições de ministros ou secretários de Estado anteriormente.

Estar inserido nas máquinas partidárias ou em famílias tradicionais é um atributo muito valioso, pois não é fácil ser eleito no Brasil. As disputas se dão em distritos eleitorais muito grandes e populosos (os Estados) e é preciso vencer a concorrência de centenas de adversários, dispersos por dezenas de partidos políticos. Tamanha pulverização de candidaturas em meio a legendas que não tem quase nenhum substrato programático exige que o político, para se tornar viável, seja bastante conhecido. E isso, em geral, custa dinheiro.

Alex Ribeiro - Por que o BC está mais otimista sobre a inflação?

Valor Econômico

Mercado vê estouro do teto da meta por três anos seguidos

O Banco Central está bem mais otimista que o mercado financeiro sobre a inflação. Sua projeção mais recente, feita em junho, indicava uma variação do IPCA de 4% em 2023, enquanto que as estimativas mais recentes dos analistas econômicos apontam 5,09%. Por que a estimativa oficial é tão menor?

Dependendo de quem estiver com a razão, poderá fazer uma grande diferença. O ano de 2023 segue como o principal alvo da política monetária. Se a inflação ficar em 4%, como prevê o Banco Central, estará acima da meta, definida em 3,25%. Mas a autoridade monetária finalmente poderá dizer que deixou a inflação “ao redor da meta”, depois de provavelmente estourar o teto por dois anos.

Se o mercado estiver certo, e a inflação ficar em 5,09%, teremos mais um rompimento do intervalo de tolerância da meta, de 1,5 ponto percentual. Significa que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, terá que escrever a terceira carta aberta se explicando, algo inédito na história do regime de metas de inflação. Chama a atenção que, nas projeções para 2023, apenas algo como 20% dos analistas acham que a inflação ficará até 4,58%.

Gustavo Loyola* - Consenso maligno

Valor Econômico

É assustador que o Brasil se veja na perspectiva de ter que contar com a inflação para financiar as contas públicas

A aprovação pelo Congresso Nacional - com amplíssima maioria - da PEC que autoriza a realização de gastos com benefícios que podem chegar a R$ 41,5 bilhões, por fora das regras fiscais, e a menos de cem dias das eleições, expõe um consenso maligno da elite política - de todo o arco ideológico - para destruir o que resta das regras fiscais, num flagrante desprezo pelas potenciais consequências devastadoras que esse tipo de medida pode trazer para a sociedade brasileira.

Impressiona a facilidade com que o Congresso Nacional banaliza as regras constitucionais, alterando-as a seu bel prazer apenas para atender a necessidades eleitorais imediatas, em um ataque de populismo barato que não se via há muito tempo na República. Vale dizer que o estrago já havia começado antes, no ano passado, com a PEC dos precatórios, que, por iniciativa do Executivo, institucionalizou o calote parcial dessas dívidas do governo para abrir espaço para novos gastos com benefícios, além de mudanças oportunistas no cálculo do próprio teto de gastos. Como se vê, os parlamentares não perderam tempo para seguir o Executivo na meticulosa tarefa de destruir uma a uma as regras fiscais.

Miriam Dolhnikoff* - O projeto de José Bonifácio

Folha de S. Paulo / Ilustríssima

José Bonifácio, patriarca da Independência e membro da elite letrada do país, ficou conhecido pela defesa de suas ideias, que o alçaram a altos patamares, como ministro e tutor do jovem d. Pedro 2º, e o levaram a um fim dramático, em prisão domiciliar. A mestiçagem e a abolição gradual da escravidão, mediada e regulada pelo governo, eram pilares que ele julgava fundamentais para a construção da nação brasileira.

Súdito do império português nascido em sua porção americana, José Bonifácio de Andrada e Silva viveu em um mundo em transformação que abria diferentes possibilidades para conceber e implementar reformas políticas e sociais. Não queria, a princípio, a independência. Defendia um império luso-brasileiro renovado por mudanças estruturais, no reino e na colônia, que o conduzissem para o que se afigurava ser uma nova era.

Nasceu em Santos, na capitania de São Paulo, em 1763, e passou a maior parte da sua vida adulta na Europa. Como muitos filhos da elite colonial, embarcou para Portugal aos 20 anos para estudar na Universidade de Coimbra, mas, ao contrário da maioria, só retornou ao Brasil com 56 anos.

Cursou a Faculdade de Direito, como era usual entre os jovens vindos da América, e a Faculdade de Filosofia, que incluía o estudo das ciências naturais. Especializou-se em mineralogia, campo que incorporava geologia, química e metalurgia, atividades essenciais no contexto do desenvolvimento da indústria da época.

Formado na Ilustração, acreditava no poder da razão e do conhecimento científico para moldar os homens e seu meio. Por isso, ao seu ver, o cientista não poderia ficar preso em seu gabinete, envolto em livros e absorto em teorias, mas deveria se dedicar à resolução dos problemas que afligiam a sociedade e obstruíam o progresso material.

Kelvin Falcão Klein* - Por que Hannah Arendt continua relevante

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Biografia mostra de forma didática e crítica a dinâmica do entrelaçamento da pensadora com os fatos históricos do século passado

Nascida em 1906 e falecida em 1975, Hannah Arendt é certamente uma daquelas figuras intelectuais que são mais famosas (ou conhecidas) do que efetivamente lidas. O recente livro de Samantha Rose Hill - originalmente de 2021 - tem o mérito de apresentar e analisar vida e obra de Arendt, mostrando de forma didática e crítica a dinâmica de seu entrelaçamento com os fatos históricos do século passado.

A atividade do pensamento e a experiência cotidiana são inseparáveis em Arendt, que teve sua vida e seu trabalho marcados desde cedo pelas turbulências sociais da primeira metade do século XX.

Criada em uma família com sólida consciência política, Arendt foi expulsa do colégio aos 14 anos por liderar um protesto contra um professor. Em 1933, morando em Berlim, transforma sua casa em parada clandestina para ajudar os comunistas que fugiam do país por conta da ascensão de Hitler.

Nesse mesmo ano foi presa pela Gestapo por atividade suspeita na Biblioteca do Estado Prussiano: um funcionário a denunciou por causa da quantidade de jornais que solicitava - Arendt montava uma coleção de propaganda antissemita para documentação e envio ao exterior.

Muitos anos depois, em uma entrevista, Arendt comenta que teve muita sorte nessa ocasião. “Eu deixei a prisão depois de oito dias porque fiquei amiga do oficial que me prendeu”, diz ela, comentando que ele “havia sido promovido da polícia criminal para uma divisão política” e que “não tinha ideia do que fazer”. Depois disso, foge para Paris, aprende francês e hebraico, trabalhando em uma organização que ajuda jovens judeus a emigrarem para a Palestina.

José Roberto Guedes de Oliveira* - A Modernista Dona Olívia

Neste ano, que comemoramos o centenário da célebre Semana de Arte Moderna de 22, passou despercebida alguma citação sobre uma das figuras que tanto incentivou e fez pelo modernismo brasileiro: Olivia Guedes Penteado

Nascida em Campinas, bem no largo da Matriz Velha, no dia 12 de março de 1872 (há 150 anos), foi uma generosa e batalhadora pelas causas culturais do nosso país, convivendo em todos os momentos com a sua melhor amiga Tarsila do Amaral.

Sabe-se que na sua residência, no centro de São Paulo, capital, fez o ponto mais significativo da arte brasileira, convergindo, para lá, as grandes figuras que se expressavam na revolução cultural do nosso país, com a vanguarda do modernismo. Isto significou muito para a nossa expressão artística, já que se rompia, de vez, com as clássicas metodologias de se fazer literatura, música, teatro, pintura, etc., em concepções tradicionalistas. Esta é a razão principal do surgimento, com toda pompa e com toda força, do movimento que se traduziu, celebremente, de Semana de Arte Moderna de 22.

Dona Olivia Guedes Penteado, pela sua iniciativa, foi a principal dama da década de 20, não só pelo seu trabalho em prol da nossa cultura inovadora, mas também por pertencer e dirigir algumas das entidades mais expressivas da época: Sociedade de Concertos Sinfônicos, Sociedade Pró-Arte Moderna, Associação Cívica Feminina, Cruzada Pró-Infância e outras mais.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O fiador do caos

O Estado de S. Paulo

Sem espírito público, Arthur Lira não está à altura do comando da Câmara neste grave momento do País. Atropelando normas e ritos, aliou-se ao atraso bolsonarista para dele extrair poder

A democracia tal como a conhecemos se esvai quando os indivíduos à frente das instituições republicanas não se mostram dispostos a defender seus valores e pressupostos com espírito público, coragem e obstinação.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não se mostrou à altura do comando de uma das Casas Legislativas neste terrível momento da história do País. Ao contrário: aliou-se e deu sobrevida ao atraso bolsonarista, para dele extrair poder. Falta-lhe espírito público.

Ao atropelar normas e ritos com o objetivo de impor a pauta legislativa de seu interesse, Lira desmoraliza algumas das mais importantes conquistas da sociedade nas últimas décadas, conquistas estas materializadas em um arcabouço jurídico-normativo que, até agora, fazia do Brasil um país minimamente civilizado no que concerne ao trato do Orçamento público, à livre atuação das oposições no Parlamento, ao respeito às decisões da Justiça e ao regramento das eleições.

A fim de acomodar interesses financeiros e eleitorais muitíssimo particulares, Arthur Lira tem usado seu enorme poder para respaldar o desmanche de todo aquele ordenamento – e diante dos olhos de cidadãos a um só tempo incrédulos, indignados e desalentados. Sob sua gestão à frente da Casa, o que tem sido visto é a completa subversão do papel da Câmara dos Deputados como representante dos interesses da sociedade, e não dos parlamentares.

De sua cadeira na Mesa Diretora, Arthur Lira não só tem sido tépido em relação aos desabridos ataques perpetrados pelo presidente Jair Bolsonaro contra o Estado Democrático de Direito, como ele mesmo tem usado e abusado de suas prerrogativas no cargo para fazer letra morta do Regimento Interno da Casa – que passou a ser o que lhe der na veneta, não o que está escrito –, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei Eleitoral e, o que é ainda mais grave, para chancelar mudanças importantíssimas na Constituição de afogadilho, sem o devido debate democrático. A gestão Arthur Lira é uma sucessão de absurdos.

Poesia | Fernando Pessoa – Aproveitar o tempo

Aproveitar o tempo! 
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite? 
Aproveitar o tempo! 
Nenhum dia sem linha... 
O trabalho honesto e superior... 
O trabalho à Virgílio, à Mílton... 
Mas é tão difícil ser honesto ou superior! 
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!

Aproveitar o tempo! 
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos - 
Para com eles juntar os cubos ajustados 
Que fazem gravuras certas na história 
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)... 
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões, 
E os pensamentos em dominó, igual contra igual, 
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos - 
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.

Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...

Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...

Aproveitar o tempo! 
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro. 
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto. 
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste. 
Aproveitar o tempo! 
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos. 
Aproveitei-os ou não? 
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!

(Passageira que viajas tantas vezes no mesmo compartimento comigo 
No comboio suburbano, 
Chegaste a interessar-te por mim? 
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter? 
Qual foi a vida que houve nisto?

Que foi isto a vida?)

Aproveitar o tempo! 
Ah, deixem-me não aproveitar nada! 
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!... 
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa, 
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha, 
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras, 
O pião do garoto, que vai a parar, 

E estremece, no mesmo movimento que o da terra, 
E oscila, no mesmo movimento que o da alma, 
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.