O Estado de S. Paulo
O nacional-populismo prospera sobretudo à
direita, mas convém evitar a húbris: há na praça versões à esquerda, que só
incautos ignoram.
Nestas últimas décadas, nem mesmo a mudança
tumultuosa da estrutura do mundo a que, atônitos, assistimos pôde cancelar
fatos paradigmáticos do passado, particularmente quando redefiniram modos de
ser e de pensar a política. Nos anos 1960 ou 1970, para definir desde logo
nosso problema, costumava estar na ordem do dia algum tipo de transição ao
socialismo, entendido este último, teleologicamente, como a parada final do
trem da História.
No Chile de Allende, por exemplo, a aposta era seguir viagem pelo caminho das eleições, do Parlamento e demais instituições que muitos de nós, mal-avisados, chamávamos “burguesas”. O contexto, porém, era o da guerra fria, e para adeptos do “realismo político”, como Nixon e Kissinger, uma segunda Cuba nas Américas era algo impensável, ainda quando viesse não pela “luta armada”, o voluntarioso lema da época. A decisão de derrubar Allende viu-se facilitada pelo seu isolamento tanto no Congresso quanto no eleitorado: a maioria relativa de que dispunha não era suficiente para vencer as dificuldades políticas e econômicas da transição. Para não falar da ferocidade com que a direita militar armava o golpe de 1973, neste fatal mês de setembro – bem ao estilo da época.