Valor Econômico
O difícil equilíbrio entre apurar os fatos
e tocar o governo
Se havia até uma minuta para decretar
Estado de Defesa e, assim, tomar posse do Tribunal Superior Eleitoral para “o
pronto restabelecimento da lisura e correção do processo eleitoral
presidencial”, não resta mais dúvidas de que Bolsonaro e seus asseclas tinham
um plano para dar um golpe de Estado e não entregar o poder em primeiro de
janeiro.
A pergunta que não quer calar é: por que
ele não foi executado? Em outras palavras: quem ou o que fez Bolsonaro recuar e
fugir para Miami?
Lancei essas perguntas no meu Twitter e
recebi quase duas centenas de respostas.
Importantes acadêmicos argumentaram que as instituições funcionaram mais uma vez, apontando que um Judiciário atuante (Roberto Jefferson diria: “Xandão!”) aumentou consideravelmente os custos para que segmentos relevantes das Forças Armadas, do empresariado e da classe política embarcassem na aventura do golpe. O próprio Bolsonaro teria mudado de ideia diante da possibilidade de acabar preso.
Nesta linha de raciocínio, muitos indicaram
que a multa milionária aplicada por Alexandre Moraes ao PL, de Valdemar da
Costa Neto, por ter contestado o resultado das urnas teria feito as lideranças
do Centrão - inclusive Arthur Lira, presidente da Câmara - repensarem e
eliminarem as condições políticas para o golpe.
Outros, porém, atribuíram um papel decisivo
à cúpula das Forças Armadas, que teria se recusado a intervir e a ratificar os
planos bolsonaristas. Nessa linha de raciocínio, os generais mais radicais
teriam ficado em minoria frente à avaliação dos mais moderados (os “melancias”,
segundo os grupos extremistas) de que qualquer envolvimento do Exército,
Marinha e Aeronáutica seria arriscado demais.
Há ainda aqueles que destacaram a falta de
apoio relevante do grande empresariado brasileiro, temeroso de sanções
econômicas externas que poderiam ser aplicadas ao país caso mergulhássemos num
regime autoritário.
Aqueles mais afeitos a uma conspiração
internacional defendem que Bolsonaro foi dissuadido de suas intenções golpistas
porque não obteve apoio dos Estados Unidos (“se Trump ainda fosse presidente a
história seria outra”) ou da Rússia - uma vez que Putin estaria muito ocupado
com a sua própria guerra na Ucrânia.
Muitos acreditam que o golpe só não
aconteceu porque os tumultos provocados por bolsonaristas em frente à sede da
Polícia Federal no dia da diplomação de Lula (12/12) e o fracasso na tentativa
de atentado no aeroporto de Brasília na véspera do Natal não geraram o caos que
seria a desculpa para Bolsonaro agir.
Independentemente de qual seja o fator
dominante nesse mosaico de explicações, fico imaginando como se deu o processo
de decisão de Bolsonaro nas últimas semanas de 2022. Quem foram seus
confidentes que lhe recomendaram abortar a operação e fugir? Quais personagens
(familiares, militares, políticos, empresários?) tiveram a coragem de colocar o
guizo no gato e anunciar o inevitável ao ex-capitão? Em que momento chegaram
para Bolsonaro e aconselharam: “presidente, deu ruim, é melhor fugir”?
Historiadores se debruçam sobre o contexto,
as razões e a reconstituição dos momentos que precederam acontecimentos como o
suicídio de Getúlio Vargas ou a renúncia de Jânio Quadros.
No caso dos planos subversivos de Jair
Bolsonaro, porém, a invasão das sedes do Congresso Nacional, do Supremo
Tribunal Federal e do Palácio Planalto em 8 de janeiro não podem esperar o trabalho
dos historiadores.
A tentativa de golpe exige apuração
imediata de responsabilidades de todos os políticos, militares, empresários,
servidores públicos e demais participantes da trama.
Nos próximos meses, uma poderosa engrenagem
de investigações, inquéritos e julgamentos, no âmbito do STF e do Congresso,
será necessária para apurar o envolvimento de todos na aventura extremistas
desses bolsonaristas.
O governo Lula vê-se a partir de agora na
difícil de equilibrar seus esforços entre as apurações dos acontecimentos (via
Polícia Federal e Ministério da Justiça), punir os servidores e militares
envolvidos e tocar a agenda do governo.
Como se vê em episódios recentes de nossa
história, crises tendem a paralisar a ação do governo e a agenda legislativa no
Congresso, como se vê pela evolução dos decretos exarados e leis aprovadas
retratado no gráfico.
A diferença agora é que o momento fortalece
Lula, ao contrário do que aconteceu com ele próprio no mensalão ou nas crises
enfrentadas por Dilma.
Na última quinta-feira o ministro da
Fazenda Fernando Haddad anunciou medidas para combater o déficit público. É uma
sinalização de que, por mais que as investigações do atentado sejam urgentes, o
governo não pode se deixar paralisar.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
3 comentários:
Excelente coluna, e mostra a difícil arte de equilibrar as tantas investigações com decisões sobre segurança e o futuro econômico. Tudo pra ontem... Eis a herança BENDITA que jornalistas bolsonaristas argumentavam que o GENOCIDA deixaria pro Lula...
Santiago Andrade e a pergunta que não pode calar, o que foi feito de seus assassinos?
Bruno Carazza.
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