Folha de S. Paulo
Responsabilização penal por crimes
cometidos prejudica a pacificação política
O Brasil deveria tratar melhor seus
ex-presidentes? A questão, proposta por Arthur Lira,
é interessante e nos remete a um dilema real das sociedades democráticas.
Primeiro, um pouco de contexto. Lira disse isso diante do agravamento
da situação de Bolsonaro,
que vai se complicando em várias das investigações de que é objeto, mas lembrou
os casos de Lula, Dilma e Temer,
que também tiveram problemas com a Justiça, ainda que em graus variados.
Numa República, líderes políticos são cidadãos iguais a todos os outros em direitos e deveres. Isso significa que, se cometerem crimes, precisam responder por eles, idealmente sem nenhum tipo de regalia. Deixar de aplicar a lei contra poderosos tem efeitos perversos sobre a credibilidade do sistema de Justiça e sobre a própria ideia de igualdade republicana.
No plano político, contudo, temos um
problema sério quando o destino de ex-presidentes deixa de ser uma
aposentadoria tranquila para virar uma temporada na
cadeia. As consequências daninhas são múltiplas. A mais grave é que
se cria um incentivo para que governantes derrotados nas urnas não entreguem o
poder pacificamente, que é o principal motivo pelo qual democracias funcionam.
Há também um estímulo à polarização em toda a sociedade, já que o jogo político
deixa de ser percebido uma disputa em torno de programas e prioridades para
tornar-se uma luta existencial.
Eu penso que a responsabilização deve
prevalecer, já que a ideia de República é logicamente anterior à de democracia
eficiente. Enquanto governantes agirem como se o mandato equivalesse a uma
licença para delinquir, não teremos nem uma sociedade nem uma democracia muito
viáveis. É só ver os flertes de Bolsonaro com o golpe, que foram alimentados,
entre outros fatores, pela inação de Aras e de Lira.
Mas que ninguém se engane: enquanto não
tirarmos a PF da
arena política, não voltaremos a respirar ares de normalidade.
Fato.
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