sábado, 19 de agosto de 2023

Hélio Schwartsman - Como tratar ex-presidentes?

Folha de S. Paulo

Responsabilização penal por crimes cometidos prejudica a pacificação política

O Brasil deveria tratar melhor seus ex-presidentes? A questão, proposta por Arthur Lira, é interessante e nos remete a um dilema real das sociedades democráticas. Primeiro, um pouco de contexto. Lira disse isso diante do agravamento da situação de Bolsonaro, que vai se complicando em várias das investigações de que é objeto, mas lembrou os casos de LulaDilma Temer, que também tiveram problemas com a Justiça, ainda que em graus variados.

Numa República, líderes políticos são cidadãos iguais a todos os outros em direitos e deveres. Isso significa que, se cometerem crimes, precisam responder por eles, idealmente sem nenhum tipo de regalia. Deixar de aplicar a lei contra poderosos tem efeitos perversos sobre a credibilidade do sistema de Justiça e sobre a própria ideia de igualdade republicana.

No plano político, contudo, temos um problema sério quando o destino de ex-presidentes deixa de ser uma aposentadoria tranquila para virar uma temporada na cadeia. As consequências daninhas são múltiplas. A mais grave é que se cria um incentivo para que governantes derrotados nas urnas não entreguem o poder pacificamente, que é o principal motivo pelo qual democracias funcionam. Há também um estímulo à polarização em toda a sociedade, já que o jogo político deixa de ser percebido uma disputa em torno de programas e prioridades para tornar-se uma luta existencial.

Eu penso que a responsabilização deve prevalecer, já que a ideia de República é logicamente anterior à de democracia eficiente. Enquanto governantes agirem como se o mandato equivalesse a uma licença para delinquir, não teremos nem uma sociedade nem uma democracia muito viáveis. É só ver os flertes de Bolsonaro com o golpe, que foram alimentados, entre outros fatores, pela inação de Aras e de Lira.

Mas que ninguém se engane: enquanto não tirarmos a PF da arena política, não voltaremos a respirar ares de normalidade.