Valor Econômico
Segundo os estudiosos, o pior resultado
individual ocorre quando um jogador torna-se cooperativo enquanto outro trai
Formulado na década de 1950 em meio à busca
de modelos para entender o comportamento humano, o “dilema do prisioneiro”
deixou as páginas dos livros na semana passada e pode alterar o rumo das
investigações sobre as joias recebidas pelo Brasil durante o governo Jair
Bolsonaro (PL).
Raridade vê-lo aplicado na prática. É
justo, portanto, o apelido de “Superquinta” dado ao dia 31 de agosto.
Foi quando a Polícia Federal coletou, simultaneamente, os depoimentos do ex-presidente e de outras sete pessoas, entre elas a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro e assessores do casal. Alguns deles optaram por ficar em silêncio, mas já surgem rumores, aqui e ali, de que podem mudar de comportamento quando tiverem a oportunidade de retornar à PF.
Um suspeito ou réu pode ter a pena atenuada
se confessar, colaborar ou delatar. É um aspecto prático que tende a ser levado
em consideração em momentos como esse.
Já do ponto de vista conceitual, o “dilema
do prisioneiro” é um problema estudado no âmbito da teoria dos jogos. Com ele,
é possível prospectar um modelo de comportamento racional desenvolvido para
maximizar ganhos - ou mitigar perdas -, diante de um conflito de interesses
entre dois ou mais jogadores. No caso, prisioneiros.
Na teoria dos jogos, busca-se substituir
cenários excessivamente hipotéticos por análises mais realistas, apoiadas em
fenômenos econômicos e sociais. O comportamento é visto como uma opção feita
dentro de um conjunto de estratégias possíveis. O resultado, por sua vez,
depende das combinações decorrentes das escolhas feitas pelos outros
participantes.
O “dilema do prisioneiro” surge de uma
situação fictícia específica: dois suspeitos de assassinato são capturados pela
polícia, que não tem evidências suficientes para comprovar o envolvimento deles
no crime. A polícia é capaz, no entanto, de incriminá-los perante a Justiça por
infrações menores. Porte ilegal de armas, por exemplo.
Os prisioneiros então são colocados em
celas separadas, sem a possibilidade de se comunicarem entre si. E a cada um é
oferecida a oportunidade de confessar.
Se nenhum declarar-se culpado, ambos serão
condenados pela infração menor e receberão penas de um ano de prisão. Se os
dois confessarem o assassinato, ambos serão condenados a uma pena intermediária
de cinco anos. Porém, se um prisioneiro confessar e o outro não, ao primeiro
será concedida imunidade. Já o prisioneiro que não confessou irá para a prisão
por 20 anos.
O que cada prisioneiro deve fazer? Difícil
responder.
Em tese, é melhor que nenhum confesse. Mas
assumindo que não haverá “honra entre bandidos”, ou que existe a percepção
entre eles que um está abandonando o outro, a tendência é que cada detento se
preocupe em reduzir seu tempo na prisão. Como ambos estão incomunicáveis e não
sabem o que se passa na sala ao lado, é bem provável que a tentação de
confessar prevaleça na matriz de decisão de pelo menos um dos lados.
Pode ser tentador confessar. Ou trair. E
como não há forma objetiva de influenciar a decisão do outro jogador, um dos
atores pode concluir que estará melhor confessando. Por outro lado, como eles
estão no mesmo barco, os envolvidos podem avaliar que confessar prejudica o bem
comum.
Segundo os seus teóricos, esse “jogo” pode
ser aplicado em qualquer cenário em que os participantes estejam numa situação
não cooperativa. O pior resultado individual ocorre quando um jogador torna-se
cooperativo enquanto outro trai. De qualquer forma, é possível concluir que não
existe uma “solução certa”: por isso, aliás, que se trata de um “dilema”.
Na chamada “Superquinta”, oito pessoas
foram intimadas a depor no inquérito que investiga a comercialização, no
exterior, de joias que haviam sido recebidas de presente por Bolsonaro em
viagens oficiais. Elas foram ouvidas, de forma simultânea, em salas separadas
nas sedes da Polícia Federal em Brasília e São Paulo.
Bolsonaro e a ex-primeira-dama ficaram
calados, assim como o ex-secretário de Comunicação Social da Presidência da
República e advogado Fabio Wajngarten. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante
de ordens de Bolsonaro, falou por mais de nove horas. Também prestaram
depoimento o general Mauro Lourena Cid, pai de Mauro Cid, o advogado Frederick
Wassef e os assessores do ex-presidente Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara.
Segundo o Valor publicou, Crivelatti
também prestou um longo depoimento aos policiais federais. Wassef não
permaneceu em silêncio, mas disse a jornalistas que não detalharia o conteúdo
de sua fala. Argumentou que o inquérito é sigiloso.
Para autoridades do governo Lula, Mauro Cid
demonstra clara disposição de colaborar. Ninguém passa tanto tempo prestando
depoimento se não está falando para valer, comentou um ministro que acompanha
os desdobramentos do caso.
De fato, a estratégia dos investigadores
foi não permitir que os investigados conhecessem as perguntas feitas durante os
depoimentos e soubessem as respostas uns dos outros, bem como o nível de
colaboração dos demais. Agora, é esperar para ver se mais alguém decidirá
contribuir com as autoridades.
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