Valor Econômico
Sem acabar com a estagnação será impossível
resolver seus outros problemas sociais e políticos
O Reino Unido começou o século XX como Roma e
o século XXI como a Itália. A última comparação não deve ser levada muito
longe: qualquer idiota pode ver que há muitas diferenças entre o Reino Unido e
a Itália. Mas uma similaridade não pode ser ignorada: a produtividade, que é o
principal determinante dos padrões de vida, está estagnada nos dois países.
Isso acontece na Itália desde o fim do século
XX. Acontece no Reino Unido desde a crise financeira. O principal desafio
econômico para o Reino Unido é acabar com essa estagnação. Sem isso, será
impossível resolver seus outros problemas sociais e políticos.
Um novo e importante livro, “Ending Stagnation”, da Resolution Foundation, aborda de frente esse fracasso. Mas sua atenção não está voltada apenas em acabar com a produtividade estagnada, por mais vital que isso seja, mas também em outras fraquezas. Na verdade, o formulário de acusação revela-se deprimentemente longo. Entre as conclusões mais surpreendentes dessa longa lista de fracassos está o quanto o Brexit foi um desvio dispendioso dos desafios que o país deve enfrentar se quiser continuar a ser uma democracia próspera e de alta renda.
Comecemos com a estagnação. Entre 2007 e
2021, a produção por hora do Reino Unido aumentou 7%. Porém, de 1993 a 2007 ela
aumentou 33%. Os salários médios reais por hora subiram 8% entre 2007 e 2021.
Entre 1993 e 2007, porém, eles subiram 28%. Mais uma vez, segundo a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) o PIB real per capita do
Reino Unido cresceu 6% entre 2007 e 2022. Isso foi melhor do que na Itália,
onde o PIB per capita na verdade caiu 2% nesse período. Mas entre 1992 e 1997, o
PIB real per capita cresceu 46% no Reino Unido. O dinamismo econômico do Reino
Unido evaporou.
Como resultado, as rendas ficaram muito
abaixo das de países semelhantes; em 2018, a renda familiar média era 48% maior
no Canadá, 37% maior na Austrália e 20% maior na Alemanha. As famílias de baixa
renda estavam cerca de 27% mais pobres que na França e Alemanha.
A combinação de crescimento baixo com
desigualdade elevada é tóxica; os jovens nunca experimentaram o progresso
salarial que seus pais tiveram, e os nascidos no início dos anos 80 tinham
quase metade da chance de seus pais de chegarem aos 30 anos de idade com casa
própria
A desigualdade aumentou repentinamente na
década de 80 e permanece elevada desde então. Como resultado, ela é maior do
que em qualquer outro grande país europeu. O salário mínimo mais elevado não
alterou isso significativamente, porque os salários não se traduzem diretamente
em rendas familiares relativas. O que a Resolution chama de “aperto teimoso” da
desigualdade mantém sua força porque o topo da distribuição de renda se
descolou do meio. Isso também se deve a cortes substanciais nos benefícios, ao
fato de as pessoas com rendimentos menores trabalharem menos horas e a um
aumento enorme nos custos de moradia para famílias mais pobres.
Essa grande desigualdade não ocorre apenas
entre as famílias. Também se dá entre os lugares. Essas desigualdades regionais
também são antigas. Assim, segundo a Resolution, “80% da variação de renda
entre as áreas que vemos hoje é explicada pelas diferenças de 1997”. A
diferença entre Londres e outras cidades é dramática. A capital é 41% mais
produtiva do que Manchester. Paris, por outro lado, é apenas 26% mais produtiva
do que Lyon.
Uma defesa padrão da desigualdade elevada é
que ela cria incentivos para a inovação e o crescimento. No Reino Unido, isso
tem sido falso. A combinação resultante do crescimento baixo com a desigualdade
elevada é tóxica. Os jovens nunca experimentaram o progresso salarial que seus
pais tiveram. Em parte por causa dos juros baixos e em parte devido ao fracasso
na construção, aqueles nascidos no começo dos anos 80 tinham quase metade da
probabilidade dos pais, de chegarem aos 30 anos com casa própria.
Uma importante causa imediata desses
fracassos é o investimento baixo. Nos 40 anos até 2022, a taxa de investimentos
fixos do Reino Unido foi a menor entre os países membros do G7. Na OCDE, em
média os investimentos públicos dos países membros são também quase 50% maiores
do que no Reino Unido. Essa falta de investimentos, e por conseguinte a
escassez de leitos e equipamentos, é um dos motivos de o National Health
Service (NHS, o serviço nacional de saúde) estar sempre à beira de um colapso.
O tempo gasto no deslocamento para o trabalho também é relativamente alto. Tão
ruim quanto o nível baixo é a volatilidade dos investimentos públicos, uma vez
que os gastos são ligados e desligados em resposta às exigências fiscais de
curto prazo.
Pelo menos tão importantes quanto, são os
baixos níveis de investimentos privados. A contabilização das despesas de
investimentos, anunciada por Jeremy Hunt [o secretário da Saúde britânico] em
sua “Declaração de Outono”, deverá ajudar, desde que essa política dure. Dadas
as reduções e alterações passadas na taxação das corporações, isso dificilmente
parece provável. Um desafio importante são as restrições à construção de
praticamente qualquer coisa, o que afeta a construção residencial e a
comercial. Mas para investir mais, também é necessário poupar mais: o Reino
Unido é um país com taxas de poupança extremamente baixas em relação às de
outros países de renda alta.
Infelizmente, essas dificuldades deverão
piorar. A combinação de envelhecimento, tensões geopolíticas, Brexit, juros
mais altos e transição energética aumentará a pressão sobre a economia e os
gastos públicos num momento em que a carga fiscal já se encontra em níveis
historicamente elevados e a dívida pública já se aproxima de 100% do PIB. A
Declaração de Outono recorreu à chicana de prever uma posição fiscal
administrável no médio prazo.
Então, o que deve ser feito? Ao abordar essa
questão fundamental, é preciso ter em mente três pontos. Primeiro, esses são
problemas estratégicos, e não táticos. A economia não está proporcionando a
prosperidade que a grande maioria deseja. À medida que o país for ficando para
trás, a infelicidade vai aumentar. Segundo, o thatcherismo não provocou,
infelizmente, um renascimento duradouro da economia. Na verdade, o crescimento
antes de 2007 foi, em parte, uma ilusão. Isso precisa ser admitido de uma vez por
todas. Finalmente, problemas estratégicos precisam de soluções estratégicas. Em
vez disso, a governança avança de forma confusa. Mas isso simplesmente não vai
funcionar. Pretendo discutir o que precisa ser feito e como, em uma coluna
posterior. (Tradução de Mário Zamarian)
*Martin Wolf é editor e principal analista econômico do Financial Times.
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