domingo, 11 de junho de 2023

Merval Pereira - Touraine e o Brasil

O Globo

Alain Touraine sentiu o perigo de um retrocesso com a chegada de Dilma Rousseff ao poder, e o consequente crescimento da influência do PT no governo

O sociólogo francês Alain Touraine, um dos grandes intelectuais públicos modernos, pensador de esquerda liberal morto aos 97 anos na sexta-feira, tinha interesse pela política da América Latina, em especial a do Chile, onde chegou a trabalhar em uma mina para escrever um clássico sobre o papel social dos mineradores, e do Brasil, que acompanhou de perto durante os 16 anos que duraram os governos Fernando Henrique Cardoso, de quem foi professor em Paris e amigo, e Lula, de quem se tornou próximo.

Durante cerca de dez anos tive contatos frequentes com ele, especialmente durante os seminários internacionais da Academia da Latinidade, organizados pelo também sociólogo e filósofo brasileiro Cândido Mendes de Almeida, seu amigo. Touraine sempre entendeu que os períodos de FHC e de Lula são parte de um mesmo projeto, e que o Brasil, ao fim deles, teria encontrado uma maturidade como Nação, com um mercado interno forte e elementos de economia avançada.

Mas sentiu o perigo de um retrocesso com a chegada de Dilma Rousseff ao poder, e o consequente crescimento da influência do PT no governo. Considerava que o consenso entre as forças políticas sobre a necessidade de combinar políticas realistas na economia e preocupação com a melhoria social prevaleceu nesse período, permitindo a continuidade dos avanços. Depois de Lula ter dado ao povo a sensação de que estava realmente no poder, depois de um governo tão popular, há que se tratar de outros problemas, advertia Touraine, que defendia que era preciso retomar o projeto exitoso de reorganização do país, que avançou com Fernando Henrique e sofreu um retrocesso com o clientelismo e o empreguismo para “os companheiros” do PT.

Luiz Carlos Azedo - Avaliação do governo Lula é um copo pela metade

Correio Braziliense

Qualquer enfraquecimento do presidente da República na opinião pública tem como contrapartida, em igual ou maior proporção, o fortalecimento do presidente da Câmara, Arhur Lira, que ora o apoia, ora faz oposição

A propósito da coluna sobre os 10 anos das manifestações de junho de 2013, um leitor em especial, amigo desde os tempos de estudante, fez dura crítica que merece ser registrada. Segundo ele, o texto seguiu a onda que naturaliza a Operação Lava-Jato, o Marco Temporal, o antipetismo, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula como atos corriqueiros da democracia. Ombudsman de mim mesmo, preciso reconhecer que o arquiteto Pedro Da Luz Moreira, professor de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense (UFF), tem razão. Não são fatos corriqueiros da democracia, suas consequências merecem mais reflexões. Feita a ressalva, vamos em frente.

Lula assumiu um governo em condições muito difíceis, devido à apertada vitória contra Bolsonaro, por uma diferença de apenas 1,8% dos votos válidos. Enfrenta uma oposição de extrema direita robusta, que tentou um golpe de Estado em 8 de janeiro, quando tomou os palácios da Praça dos Três Poderes.

Crise fiscal, inflação, desmonte das políticas públicas e um Congresso de expressiva maioria conservadora formam um cenário muito desafiador. Ainda mais para quem chegou ao segundo turno com um programa de esquerda, mas venceu com o apoio de forças de centro, minoritárias, porém, decisivas. Lula montou um governo de frente ampla, para formar uma base parlamentar majoritária, mas sem um programa mínimo pré-acordado. Conquistou a maioria do Senado, mas fracassou na Câmara, apesar de o PT ter apoiado a reeleição de Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Casa.

Bernardo Mello Franco – O outono dos populista

O Globo

Em declínio, Trump e Boris Johnson insistem em encenar o mesmo papel

A sexta-feira foi amarga para o populismo de direita no Hemisfério Norte. Nos Estados Unidos, Donald Trump virou réu por surrupiar documentos secretos da Casa Branca. No Reino Unido, Boris Johnson renunciou ao mandato de deputado após ser acusado de mentir ao Parlamento.

A data pode marcar o declínio de dois personagens que ascenderam na década passada: o magnata excêntrico que se elegeu presidente e o prefeito bufão que chegou a primeiro-ministro.

Trump afanou papéis sigilosos que incluíam informações sobre o programa nuclear e um plano de ataque ao Irã. O material estava escondido em seu resort particular na Flórida. As caixas foram encontradas em locais improváveis, como um salão de festas e um banheiro.

Míriam Leitão - Marco temporal e o tempo sem lei

O Globo

Enquanto o STF não decide e o Congresso está tentando mudar a Constituição, os povos indígenas continuam correndo risco

Raoni Metuktire chega cedo em seus compromissos. Apareceu antes da hora no evento do Dia do Meio Ambiente, no Palácio do Planalto, na segunda-feira, 5. Sentou-se bem na frente. Estava ali para conseguir uma audiência com o presidente Lula e falar do assunto que preocupa seu povo e todos os povos indígenas, o marco temporal. Na quarta, 7, meia hora antes da sessão do Supremo, Raoni já estava sentado na plateia. Do lado, Bemoro, seu tradutor, do outro Yabuti Metuktire, todos da terra indígena Capoto Jarina.

Na segunda, ele ficou atento a tudo e, de vez em quando, falava no idioma mebêngôkre com Bemoro. Houve um momento em que um assessor do presidente chegou e eles saíram juntos para dentro do Palácio. No início da cerimônia ele foi levado para o palco, junto a uma líder indígena. Quando Lula fez a primeira menção aos povos indígenas eles se levantaram e colocaram um colar no presidente. Com gestos simbólicos, conversas de bastidores e muitas manifestações de rua, na semana passada, os indígenas lutaram contra o que para eles parece o fim do mundo, o marco temporal.

Elio Gaspari - A gloriosa vida de King

O Globo

Em apenas oito dos seus 39 anos de vida Martin Luther King Jr. passou da condição de pastor desconhecido da cidade racista de Montgomery à posição de maior líder popular dos Estados Unidos

Saiu nos Estados Unidos “King: A Life”, do jornalista Jonathan Eig. É uma excelente biografia do pastor Martin Luther King Jr. (1929-1968), o negro que ajudou a mudar a história do país. Hoje, ao lado de George Washington, ele tem o nome associado a um feriado nacional. Em apenas oito dos seus 39 anos de vida King passou da condição de pastor desconhecido da cidade racista de Montgomery à posição de maior líder popular dos Estados Unidos.

Eig conta com minúcias a ascensão de King, sua formação religiosa, sua capacidade de organização e sua percepção da oportunidade. Ele surgiu em 1955, liderando um boicote aos ônibus da cidade, onde os negros deviam se sentar no bancos de trás. (Rosa Parks, a mulher que foi presa porque não quis sair do lugar, hoje tem estátua na Rotunda do Capitólio, em Washington.)

A segregação racial tinha bases populares no Sul do país, mas estava apodrecendo. Um ano antes, a Corte Suprema havia declarado ilegal a exclusão de crianças negras em escolas públicas destinadas a brancos.

Dorrit Harazim - Lutar para respirar

O Globo

Contra incendiários de biomas, o único remédio ainda é o antigo: vontade política, aplicação rigorosa da lei e pressão da sociedade

Na tarde de sexta-feira, Greta Thunberg se plantou pela última vez em frente ao Parlamento sueco, em Estocolmo, empunhando o mesmo cartaz de seus últimos cinco anos de ativismo: Skolstrejk för Klimatet, ou “greve estudantil pelo clima”. Era seu derradeiro dia de escola, interrompera os estudos por mais de um ano para rodar o mundo em defesa do clima e agora, aos 20 anos de idade, passava o bastão da militância adolescente para novas gerações.

Thunberg não é mais a atrevida pirralha de tranças que, com pouco mais de 15 anos, passou a ser ouvida em constrangido silêncio pelos adultos do poder mundial. “Vocês não são maduros o suficiente para falar a verdade [sobre a extensão da crise climática]”, admoestou diplomatas e negociadores presentes à COP24 na Polônia, em 2018. No ano seguinte, em Davos, escoriou a nata dos que acorrem anualmente ao encontro para sentir-se importantes, com um: “Vocês precisam agir como se a casa estivesse pegando fogo, porque ela está”. Tinha razão a pirralha assumidamente autista que deu escala global e amplitude geracional ao movimento em defesa do clima. A casa está pegando fogo.

Eliane Cantanhêde - O ‘Grand Slam’ de Lula

O Estado de S. Paulo

Ministério da Saúde é o ‘Grand Slam’ de Lula, com Ipec em baixa e economia em alta

A terceira pesquisa Ipec do ano confirma o que todos nós já vínhamos vendo e discutindo: o governo não vai bem, ou, pelo menos, não ia bem. Lula perdeu quatro pontos de aprovação e ganhou quatro de desaprovação desde o início, com uma tendência de baixa que serve de sinal amarelo para o presidente, muito cheio de si, de recuo em recuo.

O campo da pesquisa, até 5 de junho, segunda-feira passada, significa que as entrevistas foram feitas antes do que o governo considera uma guinada e não captaram os efeitos de três programas de impacto popular lançados naquele dia, nem os ventos favoráveis na economia que começaram a soprar na mesma semana.

O início do terceiro mandato foi tomado pelo contra-ataque ao golpe de Estado e a recuperação de programas sociais atrelados a Lula e ao PT, massacrados pela gestão Bolsonaro e imprescindíveis no Brasil: Bolsa Família, Farmácia Popular, Merenda Escolar, Minha Casa, Minha Vida. Eles impactam o eleitorado que votou em massa em Lula, o de baixa renda.

Rolf Kuntz - A urgência de alfabetizar

O Estado de S. Paulo

Nenhuma política de reconstrução e modernização da economia irá muito longe se a educação continuar negligenciada

Alfabetização deve ser o projeto mais ambicioso do governo brasileiro, responsável pelo país mais industrializado da América Latina, mas também um dos menos educados e mais desiguais do mundo emergente. Cerca de seis em dez alunos (56,4%) eram analfabetos ou insuficientemente alfabetizados no fim do segundo ano fundamental, em 2021, segundo o Ministério da Educação. Ao comentar esse dado, no fim de maio, o ministro Camilo Santana prometeu um pacto nacional pela alfabetização, com ação conjunta das autoridades federais e estaduais. Não se reduzirão as enormes desigualdades sem uma distribuição muito mais ampla da educação básica, num esforço paralelo à universalização do saneamento. Sem um esforço muito sério nessas duas frentes, será ilusório falar da tão valorizada igualdade no ponto de partida.

O sucesso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva será mensurável, em grande parte, pelos canos de esgoto instalados e pelo bom uso de cartilhas durante seu mandato. Tem-se falado muito mais, no entanto, sobre crise industrial e sobre a necessidade, cada dia mais evidente, de uma política de reindustrialização – ou neoindustrialização, segundo o vocabulário oficial. A urgência dessa política é certamente mais perceptível do que as carências da instrução fundamental.

Pedro S. Malan - O ‘negócio’ do futuro e os conselhos de Kissinger

O Estado de S. Paulo

Lula e seu ‘núcleo duro’ deveriam estar impiedosamente avaliando a situação em que se encontram – e olhando à frente, com foco na governabilidade

“It is the business of the future to be dangerous” (é o negócio do futuro ser perigoso) escreveu o grande matemático e filósofo Alfred Whitehead em 1926. Tempos atrás, cometi a ousadia de parafrasear o autor na forma “o futuro tem por ofício ser incerto”, porque penso que incerteza engloba não só perigos, como também imprevisibilidades, sonhos, expectativas e oportunidades que o futuro sempre encerra. Este artigo explora certas imprevisibilidades – e possibilidades – do futuro neste sexto e problemático mês do governo Lula 3.

Começo com o conselho de um grande investidor americano, Howard Marks: “Você pode não conhecer o futuro, mas é bom que tenha uma boa ideia sobre onde você se encontra” (you may not know the future, but you would better have a good idea of where you are). Sempre achei que esse conselho se aplica não apenas a pessoas, mas também a empresas, a países e ao mundo.

Celso Rocha de Barros* - Haddad está funcionando

Folha de S. Paulo

É preciso reconhecer que o plano do ministro da Fazenda está sendo implementado

Fernando Haddad teve uma semana boa.

Na segunda-feira, o Ministério da Fazenda anunciou o Desenrola, programa de renegociação de dívidas de brasileiros pobres. O programa beneficiará famílias com renda de até dois salários mínimos e dívidas de até R$ 5.000 contraídas até o fim do ano passado.

Na terça, o grupo de trabalho do Congresso sobre reforma tributária entregou seu relatório. Saiu bem parecido com o a proposta do governo Lula.

Como já argumentamos aqui, a reforma visa implementar no Brasil um sistema tributário parecido com o dos países desenvolvidos, baseado em um imposto sobre valor adicionado.

As projeções indicam que a reforma aumentaria a eficiência do capitalismo brasileiro, não elevaria a carga tributária total e reduziria um pouco a regressividade do sistema.

Temia-se que a reforma saísse do grupo de trabalho já desfigurada por pressões políticas, a ponto de frustrar essas projeções. Não aconteceu. Foi uma vitória do governo Lula.

Vinicius Torres Freire - Como fica Lula 3 depois de levar um sufoco do centrão-direitão

Folha de S. Paulo

Ministros falam de mudanças e que governo aprovou maioria de suas prioridades

O centrão-direitão do Congresso colocou uma faca no pescoço do governo durante a votação da medida provisória que reorganizava ministérios e alta administração pública, como se sabe. Lula 3 correu algum risco regredir ao formato do governo das trevas (2019-2022).

O "recado" foi entendido, negocia-se o embarque mais organizado de parte do centrão-direitão no governo e ministros estão sendo chamados a mudar seu relacionamento com parlamentares. Mas o balanço desse quase primeiro semestre de Lula 3 é melhor do que parece, na visão de ministros e responsáveis pela articulação política.

Esse pessoal do Planalto diz que quase todas as medidas prioritárias do governo estão sendo aprovadas. Seguem exemplos mais adiante neste texto.

O que muda? O União Brasil quer renomear pelo menos um dos ministérios que, nominalmente, seriam do partido (mas não são: o governo havia feito um acordo com a cúpula do União Brasil).

Bruno Boghossian - Como o centrão sobreviveu e ganhou força após Junho de 2013

Folha de S. Paulo

Grupo usou terremoto para ampliar poder de barganha e foi poupado pela turma da antipolítica que queria impeachment

Meses antes do terremoto de Junho de 2013, havia gente na rua gritando "fora, Renan". O senador era símbolo da política fisiológica. Manifestantes de direita viam Calheiros como ícone da corrupção e amigo do governo de esquerda, enquanto a esquerda acreditava que ele puxava o governo Dilma Rousseff para a direita.

Renan Calheiros e seu PMDB faziam parte do centrão da época. Protagonizavam os arranjos de Brasília que seriam alvo do sentimento antipolítica que se tornou dominante nos megaprotestos de junho e se fortaleceu nos anos seguintes.

O papel de Calheiros e o tamanho do PMDB mudaram, mas o centrão continuou fazendo sua política às claras. Apesar de acomodações internas, o grupo não apenas sobreviveu a 2013 como se tornou, nas palavras de Celso Rocha de Barros, "o grande vencedor desses dez anos de contestação sistêmica".

Hélio Schwartsman - Ganhando tempo

Folha de S. Paulo

Livro discute diferentes concepções de tempo e diz que precisamos agir para preservar o futuro

Uma ideia com a qual a maioria das pessoas que viveram o isolamento dos primeiros meses da epidemia de Covid-19 concordará é que o tempo ficou esquisito. Enfurnados em nossas casas, com os contatos com gente do mundo exterior mais ou menos restritos aos aplicativos de comunicação, os dias se sucediam num ritmo bem diferente do ordinário, muito mais indistintos, o que mudava radicalmente nossa percepção subjetiva do tempo.

"Saving Time" (ganhando tempo), de Jenny Odell, é o primeiro livro que leio que arrisca reflexões sobre esse tempo pandêmico. E sobre vários outros tempos, incluindo o da física, da geologia, da ecologia, da economia, da linha de montagem, de povos indígenas e vários outros. Há espaço também para os estados emocionais e filosóficos que percepções do tempo podem provocar em nós, que vão do niilismo ao fatalismo.

Muniz Sodré* - Tirando as máscaras

Folha de S. Paulo

A comunicação eletrônica é revolucionária quanto à locução, mas com mediocridade reveladora do pior no humano

Numa fábula de Esopo, o cão é atraído por uma máscara caída no caminho. Depois de conferir, afasta-se, refletindo: "É bonita, mas não tem miolos". Noutra, atravessando o rio com um pedaço de carne na boca, o cão vê no fundo a sombra maior do petisco. Abandona então a presa em busca da miragem, perdendo tanto a carne quanto a sombra.

Atualizadas, as historinhas ensejam ponderação sobre a realidade artificial (agora "computação espacial") formadora de cidadania e até sobre a corrosão do caráter que, entre nós, vem caracterizando a esfera pública. São funcionais as máscaras sociais construídas pelo tecnomercado, mas o preço é a neutralização dos "miolos", isto é, da autonomia de pensar e de discernir moralmente. Trocam-se fatos pelo mascaramento deslumbrante da tecnologia, em que verdade e mentira se equivalem automaticamente.

Cristovam Buarque* - Os esquecidos das cotas

Blog do Noblat / Metrópoles

Felizmente, o Brasil adotou as cotas para o ensino superior, mas esqueceu dos nossos compatriotas analfabetos

No mesmo dia em que um jornal noticia os 10 anos da lei das cotas raciais para ingresso no ensino superior é publicada também a notícia de que o Brasil tem dez milhões de analfabetos adultos, esquecidos das cotas. Há razões para comemorar o sucesso da Lei de Cotas, que em parte mudou a cor da cara da elite universitária, mas não devemos ignorar a falta de um esforço para eliminar a tragédia e vergonha nacional do imenso contingente de brasileiros incapazes de ler. As cotas ajudam a ingressar no ensino superior alunos que concluíram o ensino médio com dificuldades. Mas em nada ajuda a diminuir o número dos que são deixados para trás, sem conclusão da educação se base: ficam analfabetos plenos, não terminam ensino fundamental e ficam analfabetos funcionais, ou terminam um ensino médio tão sem qualidade que sabem ler mas estão são analfabetos para a contemporaneidade: não adquirem o mapa para caminhar no mundo em busca da própria felicidade e sabendo como participar para fazer o mundo melhor e mais belo.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Junho de 2013 polarizou o Brasil

O Globo

Até hoje país não soube encarar o legado da onda de protestos que abriu caminho para o extremismo

Dez anos depois dos protestos que sacudiram o Brasil em junho de 2013, é possível fazer um balanço sereno da mobilização popular que começou como revolta contra o aumento nas tarifas de ônibus e metrô, evoluiu para abarcar todo tipo de reivindicação e deixou marcas profundas na sociedade brasileira. Está na rebelião dos 20 centavos a raiz das duas principais transformações políticas da última década: a crise institucional e a polarização ideológica, associadas às redes sociais.

Na organização, os protestos de 2013 reproduziram o mecanismo que engendrou outros movimentos mundo afora, como Primavera Árabe, Indignados espanhóis ou Occupy Wall Street. As redes sociais assumiram um protagonismo na comunicação política que persiste até hoje. Decorre da lógica das redes, movida por algoritmos que privilegiam o engajamento imediato e as emoções em detrimento da reflexão racional e do equilíbrio, a crise de confiança que acometeu as instituições estabelecidas, como academia, imprensa ou Poderes constituídos.

Não é coincidência que, ao longo da década, a principal consequência do rearranjo político que sucedeu aos protestos tenha sido o esvaziamento do centro, organizado em partidos tradicionais como MDB ou PSDB, e o fortalecimento dos extremos, em particular a extrema direita que chegou ao poder com Jair Bolsonaro. Todo o arranjo institucional erguido desde a redemocratização, consolidado na Nova República, foi posto em xeque. A nova classe média a quem os governos petistas haviam prometido o paraíso foi às ruas deixar claro que ainda vivia no inferno dos ônibus lotados, dos hospitais insalubres e das escolas degradadas.