terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Joel Pinheiro da Fonseca - Não, as enchentes do Rio não são fruto de racismo ambiental

Folha de S. Paulo

Causa é a boa e velha pobreza, que afeta brancos, pretos, indígenas e quem mais vier

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, estava apenas repetindo lugares-comuns do discurso progressista, mas acabou furando a bolha —como a fala de autoridades costuma fazer— e gerou reação. Publicou a ministra, no dia 14, em sua conta no X:

"Estou acompanhando os efeitos da chuva de ontem nos municípios do Rio e o estado de alerta com as iminentes tragédias, fruto também dos efeitos do racismo ambiental e climático." Espera aí: então agora devemos acreditar que as enchentes no Rio são fruto do racismo? O ruído, é claro, acabou soando muito mais alto do que o problema social real.

Não faltaram defensores da fala. O "racismo ambiental", nos asseveram, é termo usado na academia desde os anos 80. Há milhares de acadêmicos e milhões de artigos com esse valioso conceito. Como reles leigos brasileiros ousam questioná-lo?

Ocorre que o fato de milhares de acadêmicos usarem um termo não significa que ele tenha algo a agregar numa discussão do mundo real. A academia não é um oráculo que baixa suas verdades para nós. Pelo contrário: hoje a academia —especialmente de humanas— é que precisa provar sua relevância.

A ministra justificou sua fala com o fato de que negros são a maioria dos afetados nas enchentes. Eis aí o racismo ambiental. A questão é: o que se ganha com esse recorte racial? Pois ele não é inócuo. Embora o problema social continue o mesmo, nossa maneira de olhar para ele mudou. Quando falamos em racismo, já apagamos quaisquer vítimas brancas.

Segundo dados que a própria ministra citou, 69% dos moradores de favelas no Rio se declaram pretos ou pardos. Se a enchente é fruto do racismo, será que aqueles 31% de brancos não foram igualmente atingidos? Se foram —e é óbvio que foram— então a causa não é o racismo, e sim a boa e velha pobreza, que afeta brancos, negros, pretos, indígenas e quem mais vier.

Além disso, tratar o problema como um tipo de racismo nos afasta das soluções. Em vez de discutir obras de infraestrutura urbana, novas moradias —que nada têm a ver com cor de pele— vamos discutir o racismo na sociedade, discussão cuja conclusão obrigatória, já sabemos, é que ele é "estrutural" e portanto só será resolvido com o fim do capitalismo. Era tão mais fácil melhorar o escoamento urbano...

Há áreas em que o recorte racial é relevante, porque joga luz em mazelas de que a simples desigualdade social não dá conta. Um negro pobre sofrerá mais assédio de seguranças de um shopping do que um branco pobre. Mas será que as chuvas castigam mais um negro favelado do que seu vizinho branco? Claro que não. A raça aí é incidental, não tem relação direta com o problema, e tampouco é parte de sua solução. Ou será que, resolvendo o problema do racismo, estariam também resolvidas as enchentes nas periferias? Talvez até o aquecimento global?

O roteiro é tão preguiçoso que já está batido: identifique um problema social qualquer que seja fruto da pobreza ou da desigualdade. Constate que, como negros são em média mais pobres do que brancos no Brasil, esse problema afeta desproporcionalmente mais pessoas negras. Pronto, você descobriu um novo tipo de racismo. Negros têm em média menos acesso à viagem de avião? Racismo aéreo. Negros têm mais dificuldade econômica de comprar um smartphone? Racismo telefônico. A solução dos problemas talvez fique mais distante, mas você terá mais engajamento nas redes do que se discutisse saneamento básico e distribuição de renda.

Um comentário:

  1. Concordo com o colunista,não devemos dizer que tudo é racismo,embora ele exista de fato.

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