Folha de S. Paulo
Causa é a boa e velha pobreza, que afeta
brancos, pretos, indígenas e quem mais vier
A ministra da Igualdade Racial, Anielle
Franco, estava apenas repetindo lugares-comuns do discurso
progressista, mas acabou furando a bolha —como a fala de autoridades costuma
fazer— e gerou reação. Publicou a ministra, no dia 14, em sua conta no X:
"Estou acompanhando os efeitos da chuva de ontem nos municípios do Rio e o estado de alerta com as iminentes tragédias, fruto também dos efeitos do racismo ambiental e climático." Espera aí: então agora devemos acreditar que as enchentes no Rio são fruto do racismo? O ruído, é claro, acabou soando muito mais alto do que o problema social real.
Não faltaram defensores da fala. O
"racismo ambiental", nos asseveram, é termo usado na academia desde
os anos 80. Há milhares de acadêmicos e milhões de artigos com esse valioso
conceito. Como reles leigos brasileiros ousam questioná-lo?
Ocorre que o fato de milhares de acadêmicos
usarem um termo não significa que ele tenha algo a agregar numa discussão do
mundo real. A academia não é um oráculo que baixa suas verdades para nós. Pelo
contrário: hoje a academia —especialmente de humanas— é que precisa provar sua
relevância.
A ministra justificou sua fala com o fato de
que negros são a
maioria dos afetados nas enchentes. Eis aí o racismo ambiental. A
questão é: o que se ganha com esse recorte racial? Pois ele não é inócuo.
Embora o problema social continue o mesmo, nossa maneira de olhar para ele
mudou. Quando falamos em racismo, já apagamos quaisquer vítimas brancas.
Segundo dados que a própria ministra citou,
69% dos moradores de favelas no
Rio se declaram pretos ou pardos. Se a enchente é fruto do racismo, será que
aqueles 31% de brancos não foram igualmente atingidos? Se foram —e é óbvio que
foram— então a causa não é o racismo, e sim a boa e
velha pobreza, que afeta brancos, negros, pretos, indígenas e
quem mais vier.
Além disso, tratar o problema como um tipo de
racismo nos afasta das soluções. Em vez de discutir obras de infraestrutura
urbana, novas moradias —que nada têm a ver com cor de pele— vamos discutir o
racismo na sociedade, discussão cuja conclusão obrigatória, já sabemos, é que
ele é "estrutural" e portanto só será resolvido com o fim do
capitalismo. Era tão mais fácil melhorar o escoamento urbano...
Há áreas em que o recorte racial é relevante,
porque joga luz em mazelas de que a simples desigualdade social não dá conta.
Um negro pobre sofrerá mais assédio de seguranças de um shopping do
que um branco pobre. Mas será que as chuvas castigam mais um negro favelado do
que seu vizinho branco? Claro que não. A raça aí é incidental, não tem relação
direta com o problema, e tampouco é parte de sua solução. Ou será que,
resolvendo o problema do racismo, estariam também resolvidas as enchentes nas
periferias? Talvez até o aquecimento global?
O roteiro é tão preguiçoso que já está
batido: identifique um problema social qualquer que seja fruto da pobreza ou da
desigualdade. Constate que, como negros são em média mais pobres do que brancos
no Brasil, esse problema afeta desproporcionalmente mais pessoas negras.
Pronto, você descobriu um novo tipo de racismo. Negros têm em média menos
acesso à viagem de avião? Racismo aéreo. Negros têm mais dificuldade econômica
de comprar um smartphone?
Racismo telefônico. A solução dos problemas talvez fique mais distante, mas
você terá mais engajamento nas redes do que se discutisse saneamento básico e
distribuição de renda.
Um comentário:
Concordo com o colunista,não devemos dizer que tudo é racismo,embora ele exista de fato.
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