terça-feira, 26 de março de 2024

Maria Cristina Fernandes - Método bolsonarista embaralha cartas para confundir investigadores

Valor Econômico

Percepção entre magistrados é de que vídeos na Embaixada da Hungria são usados pelo bolsonarismo com propósito de forçar prisão

A prisão preventiva hoje interessa mais a Jair Bolsonaro do que à investigação. Se o ex-presidente ainda tem algum poder de mobilização, daqui a um ano ou dois, com as decisões do relator, ministro Alexandre de Moraes, respaldadas em plenário e a provável derrota de seus recursos, a mobilização arrisca esmorecer.

A conveniência da prisão divide os tribunais superiores de Brasília, mas não a percepção de que o vídeo divulgado pelo jornal americano “The New York Times” com a ida do ex-presidente à Embaixada da Hungria na noite da segunda-feira de Carnaval está sendo usado pelo bolsonarismo com o propósito de forçar uma prisão.

Ninguém tem dúvida de que buscou asilo, mas, uma vez lá, pode ter desistido da ideia face à confirmação da ida do governador Tarcísio de Freitas à manifestação na avenida Paulista no dia 25 de fevereiro. A confirmação veio em 14 de fevereiro, mesmo dia em que Bolsonaro deixou a embaixada. Naquele dia também, ficou evidente que o governo perdia a guerra de narrativas sobre a fuga no presídio de Mossoró, ocorrido na véspera. Além de querer ir ao palanque reforçado da Paulista, pode ter calculado que sua prisão, em meio à incompetência para manter chefes do Comando Vermelho presos, daria ao bolsonarismo uma plataforma para deitar e rolar.

A marcha ré no intento não significa que agora, o ex-presidente possa estar forçando uma prisão preventiva. A nota dos advogados de Bolsonaro reforçou esta percepção. Nesta nota, Paulo Amador Cunha Bueno, Daniel Tesser e Fabio Wajngarten dizem que o propósito de Bolsonaro era o de “manter contatos com autoridades de país amigo”.

O texto ainda provoca Alexandre de Moraes ao concluir que, qualquer outra interpretação que extrapole o conteúdo da nota constitui “evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos e são, na prática, mais um rol de ‘fake news’”.

A amizade procede. Dias antes de ir à Embaixada da Hungria, o primeiro-ministro do país, Viktor Orbán, ícone da extrema-direita mundial, publicou numa rede social uma foto com o ex-presidente com a seguinte legenda em inglês: “Um patriota honesto. Siga lutando, Sr. presidente @jairbolsonaro”. Eles estiveram juntos na posse de Javier Milei, na Argentina, em dezembro.

O que não procede é que o cultivo desta amizade tenha sido o propósito de uma visita no meio da noite, na única companhia de um segurança, com cenas que, nitidamente, mostram a hospedagem improvisada com funcionários carregando lençóis, travesseiro, água e café pelo corredor onde passara Bolsonaro.

Na interpretação de um togado, no limite, até o “desabafo” do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, serviu ao mesmo propósito, o de embaçar as investigações, confundir os delatores e precipitar ações do relator.

A percepção de que a prisão preventiva hoje só interessa a Bolsonaro parte do pressuposto de que o ex-presidente só consegue mobilizar ante um tropeço do seu sucessor, como foi o caso da comparação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre Gaza e Holocausto, que atraiu evangélicos e a comunidade judaica, além de atiçar saudosistas a comparecer à manifestação na avenida Paulista em 25 de fevereiro.

A ida à embaixada foi precipitada pela prisão de quatro de seus assessores e a operação de busca e apreensão em sua casa, em Angra dos Reis, e na de ex-colaboradores de seu governo suscitada pelas evidências de participação na trama para evitar a posse de Lula e na apreensão de seu passaporte. Quatro dias depois, em plena segunda-feira de carnaval, Bolsonaro buscou refúgio na Embaixada húngara, cujo titular, Miklós Halmai, chegou ao Brasil em setembro, mas serviu em Portugal anteriormente e domina a língua pátria.

Sem ordem de prisão, Bolsonaro deixou a Embaixada e voltou para o Rio. Um mês mais tarde, lançou a pré-candidatura do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) à prefeitura da capital fluminense. O evento, na quadra da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, tinha Bolsonaro como a grande atração e ocupou apenas um terço de sua capacidade.

A quadra é vizinha da Vila Militar, tradicional zona eleitoral do bolsonarismo, o que reforça a hipótese de que o poder de mobilização do bolsonarismo é cadente. A grande aposta do bolsonarismo é alavancar seus eleitores nesta disputa municipal para preservar a força de suas bases locais entre evangélicos, forças de segurança e territórios dominados por milícias e ruralistas, além de franjas da sociedade insatisfeitas com o governo Lula.

A reação do bolsonarismo demonstra que seus métodos se confundem com aqueles do ex-chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa. Depois do “desabafo” de Mauro Cid, Fabio Wajngarten disse ter sido surpreendido e que o ato não foi “oportuno”. Um “plano tabajara”, resumiu.

Depois da operação que prendeu os irmãos Brazão, escreveu nas redes sociais: “Se minimamente trabalhada a eleição da cidade do Rio acabou hoje. Mãos à obra”. Além de aliado do bolsonarismo, o deputado federal Chiquinho Brazão (RJ) foi secretário do atual prefeito do Rio, Eduardo Paes. A executiva do União Brasil, partido a qual era filiado, decidiu no domingo, por unanimidade, pela sua expulsão.

A trilogia se completou ontem com a nota sobre a “visita de cortesia” à Embaixada da Hungria. Se Rivaldo Barbosa fingiu amizade com a família de Marielle para monitorar a reação a um crime que tentou encobrir, o método bolsonarista finge submissão ao inquérito enquanto embaralha as cartas para confundir os investigadores. Parece remota a chance de sucesso.

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