domingo, 23 de junho de 2024

Bernardo Mello Franco - O homem que assinou o real

O Globo

Em memórias, ex-ministro da Fazenda relembra a relação com Itamar, o escândalo da parabólica e a tensão antes do lançamento da moeda

Às vésperas do lançamento do real, o presidente Itamar Franco mandou chamar o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. Tinha uma notícia inesperada: contrariando o combinado, ia decretar um congelamento dos preços.

Surpreso, o embaixador usou a diplomacia para tentar desarmar a bomba. Com cuidado para não melindrar o chefe, lembrou que o tabelamento já havia levado à derrocada de outros planos econômicos, como o Cruzado.

“Minhas razões não bastaram. Ele não se sentia seguro”, lembra Ricupero, 30 anos depois. Ao fim da conversa, o presidente devolveu o problema: “Não estou convencido. A responsabilidade é do senhor”. O ministro manteve a palavra com sua equipe, salvando a nova moeda da morte prematura.

A primeira fase do plano já estava na rua, com a unidade real de valor (URV), quando Fernando Henrique Cardoso deixou o governo para disputar a eleição. Itamar ofereceu a Fazenda a Ricupero, que comandava o Ministério do Meio Ambiente.

“Não sou dessa área. Por que o senhor não escolhe alguém da equipe, como o Edmar Bacha ou o Pedro Malan?”, perguntou o diplomata. “Já examinamos todas as alternativas e o senhor é a única opção”, respondeu o presidente. O convite levaria Ricupero a assinar seu nome nas primeiras cédulas do real, que começaram a circular em 1º de julho de 1994.

No recém-lançado “Memórias”, o ex-ministro narra a tensão que antecedeu a vitória sobre a hiperinflação: “A rotina diária de estendia da manhã até tarde da noite, num desfile exaustivo de governadores, ministros, prefeitos, empresários, todos com pedidos impossíveis ou propostas inexequíveis”.

“Tive que aprender a dizer não de infinitas maneiras. Por sorte, quase não houve ocasiões em que tentaram me envolver em esquemas ilegais ou suspeitos”, anota. Foi o caso de um político que tentou se apossar da aduana em Guarulhos. O livro não dá nome ao “influente deputado”, que ficou sem o cargo. Era Valdemar Costa Neto, o eterno chefão do PL.

Ricupero narra bastidores saborosos da convivência com Itamar, a quem atribui “incontáveis tentativas de interferência na condução do plano econômico”. “Quase sempre inspiradas por ideias populistas, nunca mal-intencionadas”, ressalva.

O ex-ministro faz um relato franco do escândalo da parabólica, que levaria à sua queda. Em conversa informal com o jornalista Carlos Monforte, antes de uma entrevista à TV Globo, ele afirmou: “Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.

Sem que os dois soubessem, o diálogo era assistido por milhares de telespectadores. “Hoje não consigo entender o que me levou a dizer tanta coisa absurda e sem sentido”, penitencia-se Ricupero. Aos 87 anos, ele culpa o cansaço e a vaidade inflada pelo poder. “Gostaria de apagar de minha vida aqueles 19 minutos, mas nunca atribuí a ninguém a responsabilidade do que sucedeu, senão a mim mesmo”. Passada a crise, FH virou presidente, e o embaixador retomou a carreira em Roma.

A autobiografia não se resume à participação no real. Logo na abertura, Ricupero reconstitui a partida do avô italiano rumo ao Brasil, em 1895. Pietro Jovine trocou família e amigos pelo sonho de prosperar em São Paulo. Deu tudo errado. Empregado como carpinteiro, ele sofreu um acidente de trabalho e ficou inválido. “Não tem final feliz”, escreve o ex-ministro. “Seu destino foi igual ao da maioria dos imigrantes: pobre chegou e pobre morreu”.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu prefiro a sigla FHC à FH.