quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Combate ao crime exige respeito à evidência empírica

O Globo

É lamentável desprezo às câmaras em fardas e louvável iniciativa que reverteu a proliferação de armas

No combate à violência, governos não deveriam abrir mão de políticas públicas de sucesso comprovado. É o caso das câmeras acopladas a uniformes de policiais, estratégia usada com bons resultados no exterior e em pelo menos oito estados brasileiros. Não só para reduzir as mortes causadas pela polícia, mas também para proteger os próprios agentes de acusações infundadas, dando mais transparência às ações contra o crime.

Infelizmente o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tem desprezado os avanços do programa implantado em gestões anteriores. Afirmou que não investirá em novas câmaras nas fardas, sob a alegação de que não oferecem segurança ao cidadão. Ora, os números mostram que, entre 2019 e 2022, seu uso contribuiu para reduzir em 76,2% os civis mortos em operações policiais (nos quartéis onde não eram usadas, a queda foi de 33,3%). Diversas pesquisas científicas corroboram a eficácia da política.

A incoerência fica maior quando se observam os números atuais. No ano passado, primeiro do governo Tarcísio, os civis mortos por PMs em serviço aumentaram 34%, para 333, de acordo com levantamento do portal g1 com base nos dados do Ministério Público. No ano anterior, haviam sido 248, patamar mais baixo já registrado.

Merval Pereira - Pós-Lula

O Globo

Vivemos o que parece ser o epílogo do presidencialismo de coalizão — tal como cunhado pelo cientista político Sergio Abranches—, que perdeu a eficácia e a funcionalidade

Se o Congresso levar adiante a ameaça de derrubar o veto do presidente Lula ao calendário de liberação de emendas parlamentares, estará dado o passo, talvez definitivo, para a ruptura institucional que se vislumbra há algum tempo no tenso relacionamento entre Executivo e Legislativo. As emendas, que serviram como instrumento do Executivo para controlar os acordos no Congresso, mormente no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, agora tornam-se a arma do Legislativo para retirar de seu antigo controlador o poder que lhe resta de ditar os rumos do governo, até administrativos.

Seria uma decisão claramente inconstitucional, que impediria o Executivo de gerenciar o Orçamento no que é possível ainda controlar, já que as emendas hoje são impositivas e o pagamento seria compulsório de acordo com os interesses dos parlamentares, e não os da administração pública. Se o impasse for rompido por uma negociação que mantenha o veto, mas garanta a liberação da verba ainda no primeiro semestre, como querem os parlamentares, teremos superado um obstáculo, mas nada indica que estará superada a crise de relacionamento, pois os parlamentares querem ter controle sobre o próprio orçamento, que não necessariamente corresponde ao projeto político do governo em exercício.

Míriam Leitão - O intenso debate do clima no Brasil

O Globo

Negociador-chefe do ambiente, embaixador André Corrêa do Lago, avalia que este ano o país deve fazer um grande debate nacional sobre os desafios que enfrentará na questão climática

O embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe de clima e meio ambiente do Brasil, acha que 2024 é fundamental para o debate interno brasileiro na área ambiental. Ele alerta que para a agricultura brasileira o “ponto de não retorno” da Amazônia será uma tragédia. Por outro lado, diz que a delegação brasileira que vai às COPs é sobretudo da sociedade civil, do setor privado, dos estados e municípios. “A mudança do clima no Brasil está realmente integrada no debate nacional e isso faz do Brasil um país contemporâneo.”

Eu o entrevistei ontem na GloboNews para falar das três COPs, a que acabou em Dubai, a deste ano no Azerbaijão, e a que ocorrerá em Belém, em 2025. Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, ele está de volta ao posto de negociador que exerceu por muito tempo e explica a maneira como o Brasil foi recebido no retorno às negociações do clima.

Simon Johnson e Daron Acemoglu* - Offshore sujo ameaça a democracia

Valor Econômico

Restrição a paraísos fiscais e cobrança mais por transparência nos fluxos financeiros transnacionais deve ser uma prioridade política do G7 em 2024

As democracias em todo o mundo enfrentam duas grandes ameaças: uma crise de legitimidade e regimes autoritários cada vez mais agressivos. O que liga ambos e os tornam muito mais perigosos é o pernicioso efeito das transferências de dinheiro sujo, especialmente aquelas que circulam por meio de paraísos fiscais offshore e jurisdições com excessivo sigilo financeiro. Restringir estes paraísos fiscais e exigir mais transparência nos fluxos financeiros transfronteiriços deveria ser uma grande prioridade política para todos os países do G7 em 2024.

A ameaça interna à democracia é uma erosão da legitimidade. Nas economias industriais, como EUA e Europa, as novas tecnologias, o aumento dos fluxos de capitais transfronteiriços e a redução das barreiras ao comércio aumentaram a produtividade média e criaram o crescimento econômico ao longo do último meio século, mas os benefícios desse crescimento não foram amplamente compartilhados. A desigualdade nesses países aumentou drasticamente desde meados da década de 1970, com milhões de pessoas sentindo-se agora deixadas para trás.

O apoio à democracia está sendo minado pela crença de que o jogo econômico é “manipulado”, com as pessoas que já são poderosas e privilegiadas ganhando mais - por vezes às custas do resto. Embora essa crença possa ser exagerada, está de acordo com a realidade da evasão fiscal.

Assis Moreira* - Um Brasil mais leve para a concorrência global

Valor Econômico

Brasil precisa ficar mais ágil na corrida com os outros países nesse universo da neoindustrialização e incertezas geopolíticas

Após deixar em março a presidência do Novo Banco do Desenvolvimento (NDB), o Banco do Brics, para dar lugar à Dilma Rousseff, Marcos Troyjo passou a lecionar na Universidade de Oxford, na cátedra antes ocupada por Iván Duque, ex-presidente da Colômbia, e também no Insead (França). Nesse período, ele visitou 18 países em contatos com autoridades, investidores e acadêmicos, e os questionamentos sobre o Brasil foram inevitáveis.

Para Troyjo, a convergência de crises atualizou a noção de policrise, com a pandemia mais grave que o mundo experimentou desde a gripe espanhola, depois a situação geopolítica mais delicada na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, e uma economia mundial que ainda não se recuperou na esteira de frouxidão fiscal e monetária que levou o centro macroeconômico mundial a fortes turbulências inflacionárias.

Maria Clara R. M. do Prado - O valor agregado nas exportações

Valor Econômico

Defesa de maior participação de produtos industrializados na pauta de exportações volta a ganhar espaço, mas Brasil parece fadado a ser especializado no setor primário

De acordo com as últimas estimativas do governo, a balança comercial brasileira fechou o ano passado com saldo positivo de US$ 95,96 bilhões, um recorde que ultrapassou todos os prognósticos. O resultado, que se deveu à queda da ordem de 11,3% nas importações (devido a preço), representou incremento de 59,1% sobre o superávit comercial de US$ 61,525 bilhões em 2022 e reforça a zona de conforto nas contas externas do país.

Ao contrário do que se dizia, a redução da taxa de crescimento da China não tem afetado negativamente o comportamento da balança comercial brasileira. Ainda é cedo para se prever o futuro tendo em vista as incertezas a respeito do rumo que tomará o comércio internacional, se será mais ou menos intervencionista ou se tenderá para os acordos bilaterais ao invés dos regionais. Nem mesmo se sabe se será possível salvar a Organização Mundial do Comércio (OMC) da estagnação na qual mergulhou nos últimos anos.

William Waack - Em busca de contrapeso

O Estado de S. Paulo

Na queda de braço com o Congresso o governo espera ajuda do Judiciário

A decisão política de Lula de enfrentar o Congresso via vetos revela um componente abrangente. Parece que ele não entendeu que preside um governo de minoria.

A falta de uma maioria no Legislativo – algo que o presidente reconhece em público – não explica, sozinha, a questão. Nesse sentido, aliás, o Brasil apenas repete a experiência recente de vários países na América do Sul, não importa o campo ideológico do chefe do Executivo.

É gritantemente óbvio que a falta de votos no Congresso, somada ao inédito avanço do poder do Legislativo sobre o Executivo, cria imensas complicações políticas. Agravadas pelo fato de que o governo não dispõe de decisivo apoio político e/ou social quando Lula fala de raposas tomando conta do galinheiro.

Felipe Salto* - A privatização do Orçamento público

O Estado de S. Paulo

A falta de planejamento, que já se pode classificar como um problema antigo do País, combina-se agora com o uso descarado dos espaços fiscais pelo Legislativo

Sob uma ótica relativamente moderna, o processo orçamentário deve orientar-se por resultados, e não pela disputa por recursos e carimbos. Contudo, a ausência de planejamento tem levado à privatização do Orçamento público, guiada por interesses cada vez menos associados ao desenvolvimento econômico integrado da Nação. Nem os programas orçamentários são avaliados e melhorados nem o espaço discricionário é usado adequadamente.

Uma análise da proposta orçamentária da União para 2024 pode ser útil. A Lei Orçamentária Anual ainda não havia sido sancionada até o envio desta coluna para os editores. Por isso, trabalho com as informações do relatório exarado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso.

Roberto Macedo* - Problema das emendas parlamentares se agravou

O Estado de S. Paulo

Valor de emendas tem aumentado muito, equivalendo no Orçamento de 2024 aos recursos destinados ao PAC

Mas por que constituem um problema e qual a natureza desse agravamento? O principal problema é de natureza política. Já fui candidato a deputado federal e aprendi que o voto de opinião sobre um candidato é prejudicado pela existência de muitos deles. Quando isso ocorre é difícil escolher, e em economia houve quem ponderou e chamou essa situação de “quando mais é menos”. A pessoa faz a escolha e fica insegura quanto à conveniência dela. O ideal seria o voto distrital, em que em cada distrito haveria, se tanto, meia dúzia de candidatos viáveis nas eleições para o Legislativo, e não centenas deles, como ocorre hoje. O debate entre eles contribuiria para esclarecer suas qualidades.

Aprendi também que os prefeitos e vereadores municipais têm grande influência nos resultados das eleições estaduais e federais, dada a sua relação com os eleitores locais, em torno dos quais passam a atuar como cabos eleitorais. Certa vez, conversando sobre minha candidatura com o ex-governador de São Paulo Mário Covas, ele disse que “iria me arranjar uns prefeitos”, mas faleceu logo depois.

Celso Ming - 2024 e o que está por vir

O Estado de S. Paulo

No último domingo, esta Coluna observou como as projeções econômicas feitas no início de 2023 para todo o ano deram errado. As apostas de analistas e consultores ficaram longe do alvo. Como a dinâmica dos fatos nem sempre coincide com as previsões dos entendidos, é melhor não se apegar a números frios, mas tentar avaliar as tendências. Então, vamos lá.

Na área externa, a balança comercial tem tudo para continuar a dar show, especialmente pelo forte superávit da balança comercial (exportações menos importações) continuará alavancada pelo aumento das exportações de petróleo e de grãos, a despeito dos estragos de safras agrícolas que poderão ser provocadas pelo fenômeno El Niño.

Vinicius Torres Freire - Milei quer revolução por decreto

Folha de S. Paulo

Presidente quer aprovação integral de pacote porque recebeu mandato das urnas

Por alguns meses, discutiu-se qual seria o plano econômico de Javier Milei para a Argentina. No limite, um grande problema de seu programa seriam enormidades tais como acabar com o Banco Central e a dolarização.

Milei ainda diz que esses dois objetivos são o ponto final de sua administração. Mas isso que pareciam duas reviravoltas terminais parecem mais abstrações perdidas na névoa do futuro. A revolução de Milei é agora.

Não há ainda ou propriamente um plano econômico, nem mesmo um projeto de dar cabo do déficit do governo, um objetivo central.

Existe é um plano de virar o país do avesso de tal modo que essa Argentina refeita quase por decreto terá estabilidade de preços, ganhos de produtividade e crescimento duradouro.

Não há plano de implementação progressiva, articulado com a sociedade, metas, mudanças institucionais que fundamentem o próximo passo, nada disso. A ideia é explodir esta Argentina de fato decrépita e esperar que, quando os seus pedaços voltarem ao chão, todos se encaixem, de modo novo e funcional.

Conrado Hübner Mendes* - Tarcísio quer ver pobre morrer mais

Folha de S. Paulo

Câmeras corporais aumentam segurança e atrapalham corrupção institucional

"Qual a efetividade da câmera corporal na segurança do cidadão? Nenhuma."

Tarcísio de Freitas não é burro, nem cínico, nem charlatão. É apenas mais um governador paulista, com dinheiro no banco, em tom tecnocrático, resumindo a política de segurança pública brasileira: matar pobres, preferencialmente pretos. E crianças por bala "perdida", código para irresponsabilização do Estado gravado com sangue na cartilha retórica da polícia.

Enquanto outros governadores falavam "quem não reagiu está vivo" e "a polícia vai atirar para matar", Tarcísio adota o idioma da efetividade. Só faltou revelar para qual fim. Câmeras corporais instaladas em uniformes policiais dificultam o projeto histórico de "efetividade" da letalidade.

Bruno Boghossian - O primeiro teste da segurança

Folha de S. Paulo

Balanço com possível redução no número de mortes ajudaria a desmontar mitos, mas números ainda devem dizer pouco

Pouco antes de mudar de emprego, Flávio Dino fez uma promessa. Na sabatina para a vaga no STF, ainda em dezembro, o ministro se referiu a dados preliminares e anunciou que o país terminaria 2023 com uma queda nas mortes violentas intencionais. "Com a graça de Deus, neste ano nós vamos ter redução", disse.

Animado com os números coletados nos últimos meses, o governo resolveu mergulhar de cabeça no debate da segurança pública. O tema, antes tratado com uma dose cavalar de hesitação no entorno de Lula, virou prioridade no Ministério da Justiça e foi o foco do primeiro vídeo de propaganda divulgado pelo Palácio do Planalto em 2024.

Maria Hermínia Tavares* - Onde mora o perigo

Folha de S. Paulo

A polarização é obra de lideranças e sua sobrevida e intensidade dependerão muito do incerto futuro de Bolsonaro e da disposição da direita de buscar rotas mais civilizadas

polarização política inquieta todos quantos aspiram a uma democracia sólida e estável para o país. A lembrança da invasão da Praça do Três Poderes pelas hordas bolsonaristas, a completar um ano na segunda-feira que vem, serve de alerta para os riscos de novas sortidas da direita radical. Contorná-los requer clareza sobre os perigos da divisão dos brasileiros entre "nós" e "eles".

Recomendo, por oportuno antes de tudo, o último episódio de 2023 do podcast "Fora da política não há salvação", no qual o cientista político Claudio Couto (FGV-SP) entrevista seu colega Antonio Lavareda (Ipesp), reconhecido estudioso da opinião pública. Retomo aqui algo daquela proveitosa conversa.

Ruy Castro - O pior dos três mundos


Folha de S. Paulo

O Brasil teve Jânio, Collor e Bolsonaro, um de cada vez. Com Milei, a Argentina pode ter os três de uma vez

Por acaso em Buenos Aires na semana das eleições na Argentina, tive vários déjà-vus diante da vitória de Javier Milei. Por mais que seu adversário Sergio Massa fosse um desastre, era óbvio que, ao votar em Milei, os argentinos não sabiam o que estavam fazendo. Nós sabemos. Do seu tipo de político, já tivemos no Brasil três devastadoras amostras: Jânio Quadros (1961), Fernando Collor (1990) e Jair Bolsonaro (2019).

Assim como estes, Milei se promove como um antipolítico, caído do céu para fazer uma faxina. Cada qual com seu gimmick: Jânio tinha uma vassoura como símbolo, Collor disparava contra os "marajás" e Bolsonaro se fazia de vestal. Milei se exibe com uma motosserra. E cada qual tinha um estilo da comunicação: Janio falava pelos "bilhetinhos", Collor, pela televisão, e Bolsonaro, pelas redes sociais. Talvez Milei use seu falecido cachorro como boneco de ventríloquo.