sábado, 20 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Lula demonstra que PT não aprendeu com seus erros

O Globo

Aporte bilionário na Refinaria Abreu e Lima revela crença na fábula do investimento estatal salvador

Nenhum eleitor pode esperar que governantes sejam imunes ao erro. Mas pode — e deve — exigir que aprendam para não repeti-los. Por isso causou espanto o discurso em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou investimentos bilionários na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. O anúncio, além de um contrassenso, é prova de que o PT pouco aprendeu com seu passado.

A ideia da refinaria surgiu no primeiro governo Lula. O projeto contava com a participação da estatal venezuelana PDVSA, mas as promessas do caudilho Hugo Chávez nunca se materializaram. Anunciado em 2005, o orçamento inicial foi estimado em US$ 2,3 bilhões. Em 2014, quando apenas uma das duas unidades previstas entrou em operação, os gastos acumulavam quase US$ 20 bilhões. Como foi documentado por confissões, depoimentos e documentos recolhidos pela Operação Lava-Jato, parte considerável do dinheiro foi simplesmente roubada.

Cristovam Buarque* - Democracia civilizada

Revista Veja

É fundamental melhorar a educação de base para o crescimento do país

Não é civilizada a democracia que precisa consultar os quartéis para saber se generais nos gabinetes e militantes nos quintais concordam com o resultado das eleições que elegeram um novo presidente e se respeitam as instituições que coordenaram o processo eleitoral. Mas tampouco é civilizada a democracia que despende parte substancial do orçamento público para fazer funcionar estas instituições e para realizar as eleições. Onde os eleitos chegam a receber salários (além de outros benefícios) equivalentes a trinta vezes o salário mínimo que os seus eleitores recebem com trabalho, e sessenta vezes mais do que a Bolsa Família para seus eleitores pobres sem emprego. Em uma democracia que tolera a corrupção direta de roubo ou indireta no desvio de dinheiro público para prioridades sem compromisso social, para mordomias e obras ostentatórias ou para financiar seus partidos; deixando dezenas de milhões com escolas deficientes, sem água ou esgoto em suas casas, ou morando nas ruas.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Competição desleal

CartaCapital

A desigualdade social esgueirou-se silenciosa nos subterrâneos da economia globalizada, revelam incômodos relatórios

Nas primeiras semanas do Ano da Graça de 2024, os desassossegos do mundo foram agravados por choques desferidos por dois relatórios incômodos. Um deles, o mais perturbador, nasceu nas oficinas da Oxfam International com o propósito de ser apresentado na reunião anual do Fórum Econômico de Davos. O outro foi produzido nas casamatas conservadoras, mas atentas, do Fundo Monetário Internacional, o FMI.

O texto da Oxfam desdobra o tema desigualdade em suas múltiplas dimensões contemporâneas, sempre ancoradas nas formas sociais e econômicas que realizam a natureza do capitalismo. O trabalho dos economistas do FMI ostenta preocupações com o destino dos trabalhadores alvejados pelo avanço da Inteligência Artificial.

Alvaro Gribel - Vários prismas da desoneração

O Globo

Fazenda tem o seu ponto ao defender o fim da medida, mas empresas também têm razão ao apontar o risco de demissões

O Ministério da Fazenda tem um ponto quando diz que a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia contradiz as medidas de ajuste fiscal encaminhadas pela pasta até agora. As empresas, por outro lado, incluindo as de comunicação, também estão certas quando dizem que há risco de demissões e que o projeto foi debatido ao longo de todo o ano de 2023 e aprovado com amplo apoio do Congresso. Economistas como Samuel Pessoa, Marcos Mendes, Felipe Salto e Rogério Werneck entendem que a política é pouco eficaz. Mas o seu fim de forma abrupta, ou com as alterações feitas pela Medida Provisória, também terá consequências imediatas para os trabalhadores.

Carlos Alberto Sardenberg - O desastre é nosso

O Globo

Lula voltou para refazer exatamente o que deu errado na Petrobras. Colocará entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões na Abreu e Lima

Em entrevista ao Valor Econômico, publicada em 17 de setembro de 2009, o presidente Lula (segundo mandato) contou como levara a Petrobras a mergulhar num programa de investimento ambicioso. Ele ficara decepcionado com os planos da estatal propostos em 2008. O que fez?

— Convoquei o conselho da empresa.

A pressão funcionou. O portfólio de investimentos da estatal escalou para nada menos que quatro refinarias, das grandes, construídas ao mesmo tempo. A economia mundial estava desacelerando, empresas globais reduziam investimentos temendo queda de demanda e de preços. Exatamente o que aconteceu com o petróleo. Mas Lula disse, naquela entrevista, que era preciso atacar, sair na frente e coisas assim. E lá se foi a Petrobras na direção do desastre.

Pablo Ortellado - A armadilha populista

O Globo

Bolsonaro deixou o recado para os manifestantes nas entrelinhas

O populismo de direita, em todo o mundo, tem atraído as instituições democráticas para uma armadilha. Quem mostrou como funciona a armadilha foi o jornalista Ezra Klein em seu podcast no jornal The New York Times.

Enquanto o líder populista ataca instituições como imprensa e Judiciário, acusando-as de ser parciais, adota um discurso ambíguo, que flerta com a ruptura institucional, sem jamais ser explícito. Quando as instituições reagem e adotam uma postura ativa contra essas movimentações antidemocráticas, o líder populista vê confirmadas, perante seu público, as acusações de que elas são parciais e o perseguem — afinal, ele nunca foi (explicitamente) antidemocrático.

Eduardo Affonso - O racismo ubíquo

O Globo

O único argumento em favor da tese do viés racial em fenômenos da natureza é que o conceito já é objeto de estudo há décadas

Quando começou a se espalhar, na década de 1980, o HIV foi particularmente devastador entre homossexuais. A ninguém com um nome a zelar ocorreu desenvolver teorias acerca da existência de um vírus homofóbico.

Na primeira quinzena de janeiro, foram registrados 153 acidentes nas rodovias federais da Bahia, com 60 mortos. Considerando que 80,8% da população baiana se declara preta ou parda, e mais de 50,5% esteja em situação de pobreza, pode-se inferir que a maioria dessas vítimas seja afrodescendente e, apesar das promessas do governo, ainda não possa andar de avião. Nem por isso se cogitou um racismo rodoviário.

Fareed Zakaria - A inquietude global com a eleição

O Estado de S. Paulo

Vitória do ex-presidente colocaria em risco a longa paz americana e a economia global aberta

Estrangeiros acompanham nervosamente e obsessivamente as prévias republicanas

As conversas nos ares gelados das montanhas de Davos, na Suíça, insistem em revolver um mesmo tema. “Em 2024, mais ou menos 50 eleições ocorrem ao redor do mundo. Mas todos nós falamos só de uma: a dos EUA”, me disse o ex-primeiro ministro sueco Carl Bildt.

Quando no exterior, americanos podem com frequência mostrar-se provincianamente atentos à sua própria política, aborrecendo interlocutores estrangeiros com longas digressões sobre política partidária no Senado ou prospectos para algum novo governador. Mas, desta vez, estou encontrando americanos cansados do drama político de seu país, enquanto os estrangeiros se apavoram com o que poderá ocorrer em novembro.

Luís Francisco Carvalho Filho* - A democracia fraqueja

Folha de S. Paulo

Bolsonarismo está vivo, e Tarcísio replica a política de eliminação que o ex-presidente sempre articulou

O não comparecimento do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e dos governadores de São PauloRio de Janeiro e Minas Gerais, entre outros, à cerimônia para relembrar a tentativa de golpe de 8 de janeiro, fomentada por Jair Bolsonaro (PL) e oficiais militares, é sinal evidente de que a ruptura institucional ainda faz parte do horizonte político.

Lira se mantém subserviente ao bolsonarismo que contamina as bancadas que representam o agronegócio, as igrejas e a indústria da segurança pública.

Apesar da perda dos direitos políticos, o ex-presidente circula livremente e dissemina o veneno golpista. Em vez de ser execrada, a figura autoritária, criminosa e bisonha de Jair Bolsonaro continua sendo cortejada por forças conservadoras. Seu laboratório de políticas destrutivas está em pleno funcionamento.

Demétrio Magnoli - Marta, flores do impeachment

Folha de S. Paulo

'Golpe' foi uma invenção tática de Lula

No sexto dia, Lula criou Marta e, no sétimo, Suplicy protestou. A exposição de um paradoxo aparente? Uma aposta no ilusionismo? Um lance arriscado de realismo político? O novo "dedazo" de Lula é tudo isso –e algo mais.

Lula crê que Marta, crème de la crème da elite paulista, alarga o apelo da chapa às periferias pobres de São Paulo –o que implica admitir que Boulos, o indômito líder dos sem-teto, só entusiasma a classe média descolada. Talvez tenha razão: o paradoxo é só aparente, mais uma ilusão da política simbólica.

Operação Alckmin 2.0? Alckmin foi jogada de gênio, não por seu peso eleitoral específico, mas por persuadir eleitores avessos ao PT de que Lula 3 seria diferente de Dilma 1. Marta acredita que desempenha o mesmo papel –e, por isso, divulgou seu "manifesto por uma frente ampla". Boulos tentou, gentilmente, corrigir o erro conceitual, falando em frente democrática. Nem um, nem outro.

Dora Kramer - Hora da caça

Folha de S. Paulo

Ao dar prioridade ao país em ano eleitoral, Lula pode ser visto como interesseiro

O Brasil, no dizer do presidente da República, precisa de "ânimo e motivação". Por isso, justifica, ele dará seus "pulinhos" pelo país na companhia da mulher durante este ano em que pretende se ocupar mais das questões locais, um tanto negligenciadas num 2023 dedicado quase integralmente a marcar presença na cena internacional.

Providência necessária, embora o sucesso não tenha sido completo. Houve a reinserção da figura presidencial, houve a participação ativa na presidência temporária do Conselho de Segurança da ONU e na repatriação dos brasileiros de Gaza, mas houve o fracasso da tentativa de se estabelecer como liderança maior ao Sul e os constrangimentos decorrentes de palavras e atos mal formulados sobre guerras, ditaduras e ditadores.

Rodrigo Zeidan* - Ilhas de excelência

Folha de S. Paulo

O que fazer para acertar uma nação? Fatiar os problemas em pedaços manejáveis ou terapia de choque são opções

Convidado para uma palestra com executivos e políticos do Zimbábue, o pedido da plateia foi direto: qual o primeiro passo para acertar o país? Mas nada de diagnósticos e planos grandiosos. Ninguém ali era inocente a ponto de achar que platitudes como "acabar com a corrupção, diminuir o déficit público e melhorar a coleta de impostos" eram soluções para nada.

A inflação na época estava em 600% ao ano e ninguém aguentava mais discutir diagnósticos. Queriam soluções práticas. Minha sugestão, que passamos a discutir com profundidade, foi a de criação de ilhas de excelência no setor público, para fatiar os problemas em pedaços manejáveis.

Hélio Schwartsman - Prebendas, sinecuras e veniagas

Folha de S. Paulo

Reação de parlamentares a mudança de entendimento da Receita Federal ilumina problema fiscal brasileiro

bancada da Bíblia está revoltada porque a Receita Federal voltou a entender que clérigos devem pagar contribuições previdenciárias como outros profissionais. Não duvido de que haverá revide contra o governo Lula. Não estou certo, porém, de que a mudança no entendimento da Receita tenha sido uma decisão política da administração. Lula costuma apostar na tática do apaziguamento, como se vê com os militares. Penso que a Receita fez o que fez por princípios republicanos mesmo. A decisão do governo Bolsonaro, de 2022, às vésperas da campanha eleitoral, que ampliou as isenções para a turma das igrejas é que era exorbitante e indevida.

Alvaro Costa e Silva - Com dinheiro público, Câmara do Rio é luxo só

Folha de S. Paulo

Não há data para que vereadores ocupem e adaptem o Edifício Serrador, comprado há mais de um ano por R$ 150 milhões

Com nome inspirado na canção de Cole Porter, o Night and Day foi uma das maiores casas de shows do Rio nos anos 1940 e 1950, funcionando full time na Cinelândia. Como conta Ruy Castro no seu livro "A Noite do Meu Bem", era bar, almoço, chá dançante com o pianista Waldir Calmon, jantar e, madrugada adentro, o espetáculo de paetês, pernas e artistas internacionais que atraía fazendeiros, industriais, comerciantes em visita à capital e sobretudo a fauna política do Senado, alojado no vizinho Palácio Monroe, da Câmara dos Deputados, dos principais ministérios e do Palácio do Catete, os quais não ficavam longe.

Pois hoje, como se fosse uma falsa volta aos anos dourados, vereadores cariocas decidiram que querem trabalhar no mesmo lugar onde as coristas do Night and Day hipnotizavam a plateia.