domingo, 4 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Empresas elétricas têm de se adaptar a clima em mutação

O Globo

Com tempestades e falta de luz mais frequentes, governo e companhias devem se preparar para emergências

Concessionárias de energia e autoridades precisam se adaptar urgentemente aos eventos extremos impostos pelas mudanças climáticas. Não bastassem os danos provocados por inundações e deslizamentos cada vez mais devastadores e letais, os brasileiros têm sido obrigados a conviver com cortes de energia que duram horas, por vezes dias, depois dos temporais. Ainda que transtornos e prejuízos sejam inevitáveis em certas circunstâncias, o país precisa estar preparado. As empresas precisam dispor de planos de contingência e equipes treinadas para agir rapidamente e restabelecer os serviços. E os governos precisam cuidar da poda de árvores e da manutenção necessária para evitar danos à rede elétrica. Não dá para apenas pôr a culpa nas intempéries, por mais excepcionais que sejam.

Dorrit Harazim - 100 mil

O Globo

Cada número unitário conta — é a existência, a mais ou a menos, de uma criança, um avô, talvez um amigo, uma vizinha, uma mãe

Já se passaram mais de cinco décadas. Ainda assim, até hoje, ninguém sabe ao certo o número de manifestantes que, num célebre 26 de junho de 1968, inundaram o Centro do Rio para protestar contra a ditadura militar. O ato ficou conhecido como a Passeata dos 100 mil e assim permanece — até porque alguns milhares a menos ou a mais não haveriam de alterar seu peso para a História política do país. Quando se trata de mapear a devastação humana em curso na Faixa de Gaza, cada número unitário conta — é a existência, a mais ou a menos, de uma criança, um avô, talvez um amigo, uma vizinha, uma mãe. Na sexta-feira passada, 119º dia da guerra desencadeada por Israel em retaliação ao massacre terrorista sofrido em 7 de outubro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) cravou um número redondo, acachapante: 100 mil pessoas, ou mais, já teriam morrido (27 mil), sido feridas (66,1 mil) ou simplesmente tragadas no sumidouro de destroços da guerra.

Os dados se baseiam na coleta de informações do Ministério da Saúde do Hamas, parte diretamente envolvida no conflito. São, portanto, de difícil comprovação independente. Ainda assim, os órgãos internacionais trabalham com essa difícil aproximação da realidade. Segundo o correspondente em Genebra do portal UOL, Jamil Chade, também o Unicef divulgou um dado aterrador na semana passada: 17 mil crianças palestinas andam desamparadas pelo enclave, tão atordoadas “que levam dias até conseguir dizer seus próprios nomes”.

Elio Gaspari - Moro, o Savonarola brasileiro

O Globo

Girolamo Savonarola (1452-1498) foi um frade florentino que saltou da obscuridade para a fama em poucos anos. Começou a pregar contra a corrupção da Igreja e de Florença em 1490, quando Leonardo da Vinci conheceu seu namorado. Em 1495, quando um escultor de segunda quebrou o nariz de Michelangelo, o frade radicalizou seu discurso, ameaçando a autoridade do papa Alexandre VI (Rodrigo Borgia, feito cardeal aos 25 anos, foi pai de pelo menos quatro filhos).

Dois anos depois, Savonarola era dono da cidade de Maquiavel e Sandro Botticelli. Pregando contra o luxo, queimou baralhos, poesias, esculturas e quadros numa grande “fogueira das vaidades”.

Eram muitos seus inimigos. Savonarola foi excomungado em 1497 e desafiado em março de 1498. Preso e torturado, confessou-se doido. Foi enforcado e queimado na linda praça de Florença. Dele, restam sermões, alguns retratos, e sua cela no convento. Uma pequena placa no chão marca o lugar de sua execução. Do outro lado do mundo, o português Vasco da Gama conhecia a banana.

Bernardo Mello Franco – O jogo de Lira

O Globo

Presidente da Câmara boicota solenidades para elevar pressão sobre o governo; deputado quer a cabeça de Alexandre Padilha, articulador político de Lula

Os apelos pela pacificação nacional não sensibilizaram Arthur Lira. Na quinta-feira, chefes dos Três Poderes se juntaram para retirar as grades que bloqueavam o acesso ao Supremo. Faltou alguém na foto: o presidente da Câmara, que preferiu antecipar o fim de semana em Alagoas.

Desde o início do ano, Lira busca se fazer notar pela ausência. Em 8 de janeiro, foi a única autoridade graúda que não participou do ato para celebrar a vitória da democracia sobre a ameaça golpista. Desfalcou uma solenidade realizada no Salão Negro do Congresso, a poucos metros de seu gabinete.

Na quinta-feira, o chefão da Câmara boicotou mais duas cerimônias que atraíram a elite do poder em Brasília: a abertura do ano judiciário e a posse do novo ministro da Justiça, no Planalto. Os eventos reuniram os presidentes da República, do Senado e do Supremo.

Congresso do Brasil tem fatia do Orçamento 9 vezes maior que nos EUA

Por Victoria AbelRenan Monteiro e Manoel Ventura / O Globo

Um quinto de todos os recursos livres do governo federal neste ano foi definido por deputados e senadores. Emendas individuais, de bancada e de comissão ultrapassam R$ 44 bi, mesmo com veto de Lula

O poder de deputados e senadores sobre os gastos públicos voltou a crescer. Parlamentares destinaram um quinto de todos os recursos livres do Orçamento da União para 2024 sancionado pelo presidente Lula, mesmo com o veto dele de R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares.

As verbas livres são aquelas sobre os quais o poder público pode livremente escolher sua destinação, voltadas principalmente para investimentos e custeio da máquina pública. O percentual sob poder do Congresso ganhou corpo a partir de 2020, mas vinha caindo desde então. Números do Orçamento mostram que voltou a subir neste ano, para 20%.

Considerando apenas os investimentos propriamente ditos (como obras), os parlamentares são responsáveis por escolher 27% dos valores disponibilizados para essa rubrica no Orçamento de 2024.

Embora as despesas totais do governo somem R$ 5,4 trilhões, boa parte disso é destinada ao manejo da elevada dívida pública brasileira. Os gastos federais somam, assim, R$ 2,1 trilhões, e só há poder de escolha para menos de um décimo disso.

A despesas discricionárias (que não são obrigatórias, como salários e Previdência), são R$ 222 bilhões. São verbas para investimentos, políticas públicas e custeio da máquina estatal. No entanto, parlamentares voltaram a avançar sobre elas no primeiro Orçamento proposto por Lula.

Luiz Carlos Azedo - Política de São Paulo não é para principiantes

Correio Braziliense

A ligação submarina entre Santos e Guarujá simboliza outra política, em que a disputa eleitoral e a cooperação administrativa entre Lula e Tarcísio convivem em razão bem comum

Peço licença ao nosso maestro Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o Tom Jobim, para intitular a coluna parafraseando uma de suas tiradas mais famosas: “O Brasil não é para principiantes”. O compositor de Águas de Março e Garota de Ipanema usava a expressão sempre que ocorria algo fora do senso comum ou para dizer que as coisas no Brasil são mais complexas, em todos os sentidos. Ou seja, não podem ser rotuladas de forma simplista, binária.

Eliane Cantanhêde - ‘Se bobear...’

O Estado de S. Paulo

Lula e Tarcísio e a volta de Marta Suplicy fecham uma página e tentam abrir outra para o PT

O presidente Lula parece ir melhor nas investidas internas de 2024 do que nas internacionais de 2023, usando a drástica polarização nacional para exercitar o decantado talento político e marcar uma inequívoca diferença com seu antagonista: enquanto Jair Bolsonaro é homem de radicalização e confronto, Lula é de conciliação e conversa e assumiu o terceiro mandato boquirroto e com ideias atrasadas, mas ainda mais craque na política.

O foco é São Paulo. Depois do mais audacioso e bem-sucedido lance de 2022, o ex-tucano Geraldo Alckmin no ninho petista, Lula botou o PT no seu devido lugar ao lançar Guilherme Boulos (PSOL) para a Prefeitura da capital, elogiou a candidata de centro, Tabata Amaral (PSB), e foi patrono da volta triunfal de Marta Suplicy ao PT. “Se bobear, o Lula traz até o Tarcísio para essa frente!”, brincou Boulos.

Lourival Sant’Anna - O risco do isolacionismo americano

O Estado de S. Paulo

A eleição de Trump deixaria a Europa sozinha na defesa da Ucrânia e na contenção da Rússia

A pior forma de gerir recursos escassos é aplicálos pela metade em um projeto. É melhor não fazer nada quando não se está disposto a ir até o fim. Essa é a trágica lição da ajuda ocidental à Ucrânia: a relutância em fornecer ao país atacado tudo o que ele precisava para derrotar a Rússia resultou em perdas humanas e materiais incalculáveis.

Enquanto os EUA estão submersos em um impasse político, nas incertezas da eleição deste ano e na brutal campanha de Israel contra os palestinos, a Europa se mobiliza para finalmente fazer frente à ameaça russa de forma mais consistente, na intensidade e no tempo requeridos.

Celso Rocha de Barros – A Nova Indústria Brasil

Folha de S. Paulo

Incentivar inovação deve ser prioridade do governo, mas pontos da NIB ainda não são claros

No último dia 22, o governo anunciou o programa Nova Indústria Brasil (NIB), que busca retomar a industrialização brasileira, interrompida nos anos 80 do século passado.

NIB foi recebida com desconfiança por quem lembra do fracasso de políticas intervencionistas de governos anteriores, como a tentativa de criar "campeões nacionais" ou as isenções fiscais do governo Dilma. Essas coisas foram caras, não reverteram a tendência de declínio do setor industrial brasileiro e falharam como tentativa de "pacto entre capital e trabalho": terminaram com os patos da Fiesp na rua. Um desastre.

Os críticos da NIB têm, portanto, lá suas razões. Mas não é o caso de descartar a NIB por princípio. Muitos países fazem política industrial com sucesso.

Em entrevista à Folha, o diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES, Nelson Barbosa, disse que os erros do passado não serão repetidos: a taxa dos empréstimos para o setor privado será a de mercado, ao contrário do que ocorreu no governo Dilma. Os empréstimos com taxa direcionada seriam voltados para setores que podem produzir externalidades positivas, como a conversão ecológica da economia ou a inovação tecnológica.

Bruno Boghossian - Nísia engoliu um nome de Lira

Folha de S. Paulo

Ministra demitiu indicado de Lira de cargo em Alagoas no início do governo e cancelou decisão 4 dias depois

Nísia Trindade resistiu à gula do centrão no primeiro ano de governo. Há poucas semanas, a ministra da Saúde renovou seus votos: defendeu o critério de distribuição de verba da pasta, alvo de fúria do bloco, e fez uma exibição de autoridade ao dizer que nunca recebeu "nenhuma pressão para nomeação de cargos".

O cargo mais cobiçado pelo centrão é justamente o de Nísia. Com o apoio de Lula, ela evitou que a Saúde fosse entregue aos partidos do grupo. Mas o bloco furou uma barreira para ficar com um posto estratégico na pasta, num episódio que o ministério preferiu abafar.

Vinicius Torres Freire - A esquerda e a farra na finança

Folha de S. Paulo

Lula 3 toma medidas para tributar finanças, mas ainda tem vício desenvolvimentista neurótico

O governo acabou com uma bandalheira que barateava o custo do dinheiro para muita empresa e banco, à custa do público em geral, entre outras distorções e iniquidades. Limitou o uso de captação de dinheiro por meio de Letras de Crédito Imobiliário ou do Agronegócio (LCIs e LCAs) e de Certificados de Recebíveis Imobiliário ou do Agronegócio (CRIs e CRAs).

É um exemplo de situação em que um governo de esquerda pode fazer diferença benéfica. Foi assim também no caso da tributação de fundos de um rico só ("exclusivos") e offshores.

No governo das trevas (2019-22), por exemplo, a ideia de mudar impostos sobre fundos imobiliários e agroindustriais foi trucidada em pouco tempo pelo lobby financeiro e seus amigos no poder.

Muniz Sodré* - A voz da pós-informação

Folha de S. Paulo

Já é banal desconstruir a coerência factual pela fragmentação dos acontecimentos

Agora que boato, rumor e fake news, cartas viciadas do jogo político, ganharam status oficial de ameaça às eleições, vale reexaminar o estatuto do falso. Ponto de partida é a suspeita de jornalistas americanos de que a investigação aprofundada sobre fake news possa contribuir para fortalecê-las, na medida em que a busca da refutação não vá além da própria internet, seu berço. Resumo da suspeita: como pode a mentira desmentir-se?

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Tiroteio anti-industrialista

CartaCapital

Os detratores desconsideram que a indústria é a consagração do “método de inventar” e que agora incumbe aos homens reinventar a vida social

Nova Indústria Brasil desencadeou um maremoto de manifestações negativas dos economistas liberais e de seus súditos na mídia. As inquietações dos “especialistas” aprestaram-se em desqualificar a iniciativa do governo Lula como “coisa do passado.”

Os sabichões falam de passado como se soubessem o que estão dizendo. A ignorância histórica dos bacanas é evidente, contundente e, ademais, lamentável. A história do capitalismo está marcada por sucessivas e persistentes iniciativas dos Estados conhecidas como políticas industriais.

Poderíamos começar com a criação do Banco da Inglaterra, em 1694, e suas políticas de financiamento à manufatura na era da passagem do Mercantilismo para a Revolução Industrial. O surgimento da indústria na Pérfida Albion “completou” a estrutura da economia mercantil-monetário-financeira capitalista.