sábado, 2 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

PIB positivo não deve obscurecer desafios do governo

O Globo

Ano começou com otimismo, mas economia ainda depende do cenário externo e da agenda de reformas

O ano de 2024 começou com excelentes notícias no campo econômico. A inflação cumpriu a meta em 2023 e tem ficado abaixo da expectativa neste ano. O desemprego caiu ao menor nível na última década. A arrecadação do governo bateu recorde e contribuiu para as contas públicas fecharem janeiro com superávit. Até a meta fiscal de déficit zero, antes considerada inviável, entrou no radar dos analistas de mercado (embora dentro da margem de tolerância de meio ponto percentual do PIB). Para completar, o IBGE divulgou ontem o resultado oficial de crescimento da economia no ano passado: 2,9%. Há indiscutivelmente motivos para comemorar, e todas as projeções para este ano têm sido revisadas para melhor.

O clima positivo reflete o trabalho competente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele conquistou a confiança do mercado financeiro ao encarar com seriedade o desequilíbrio nas contas do Estado brasileiro. Este será o primeiro ano de teste do novo arcabouço fiscal, e Haddad conta com dois fatores favoráveis. O primeiro é a disciplina férrea com que o Banco Central tem conduzido o controle inflacionário, a despeito de todos os ataques que sofreu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A política monetária propiciou crescimento e queda no desemprego sem trazer risco para a inflação. O segundo é o cenário de desinflação global, com perspectiva de queda de juros nos Estados Unidos. Apesar de tudo isso, é preciso cautela na comemoração.

Cristovam Buarque* - Necessária sinfonia escolar

Revista Veja

Falta na educação a atenção que dedicamos ao Carnaval

Todo ano o Brasil se deslumbra com o desfile das escolas de samba. Além da emoção pela arte, o espectador se empolga com a engenharia e a gestão. É raro empreendimento mundial capaz de mobilizar milhares de figurantes em complexa coreografia, em tempo exato, movendo veículos, edifícios, esculturas, tudo em perfeita sincronia, graças a engenheiros, inventores, artistas e mecânicos trabalhando de forma organizada ao longo de meses. O observador se deslumbra com a arte e a técnica e se orgulha de ser compatriota do genial grupo. Contudo, quase ao mesmo tempo da celebração carnavalesca, deu-se o anúncio do Censo Escolar, retrato da má qualidade e desigualdade de outras escolas — as de nossas crianças.

Pablo Ortellado - Compromisso republicano

O Globo

Universidade precisa resgatar a confiança da parcela da população que é de direita

No último domingo, coordenei com meu colega Marcio Moretto uma pesquisa sobre os bolsonaristas mobilizados na Avenida Paulista. Medimos o tamanho da manifestação com fotos aéreas de drone, depois contamos os manifestantes com um software de inteligência artificial (IA). Com nossa equipe, realizamos 575 entrevistas investigando a demografia, a identidade política e a opinião dos manifestantes sobre uma série de questões políticas. Publicamos todos os resultados aqui no GLOBO. O trabalho deveria ser uma pesquisa acadêmica, distanciada, na medida do possível. Mas, como tratamos de temas políticos contemporâneos, fomos rapidamente tragados para o centro do debate político. Queria repartir aqui algumas reflexões sobre as dificuldades de fazer ciência social e divulgá-la num ambiente político carregado e polarizado.

Eduardo Affonso - O golpe do golpe

O Globo

O que nos salvou do ‘golpe cívico-militar’ não foi a resistência democrática, mas a incompetência atávica de jaíres, helenos, bragas...

Os “patriotas” que avançaram sobre a Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 não têm do que reclamar. Pediam um golpe — e o golpe veio. Não o que eles queriam dar, mas aquele em que acabaram por cair.

Foram vítimas do “conto do capitão”, não muito diferente das clássicas arapucas da crônica policial. Pensaram ter comprado um bilhete premiado: bastava acampar na porta de um quartel, cantar um hino, depredar alguns imóveis e depois resgatar o prêmio: uma ditadura para chamar de sua. Melhor que isso, só terreno na Lua.

Cerca de 2 mil foram presos. Mais de cem já receberam penas de três a 17 anos de cadeia, pelos crimes de associação criminosa armada, dano qualificado, tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e deterioração de patrimônio tombado. Já o grande golpista... esse discursa (livre, leve e ainda solto) na Avenida Paulista —depois de mandar irem dando o golpe enquanto ele apreciava a demolição das instituições, com R$ 800 mil no bolso, num condomínio em Miami. Se desse certo, ele assumia. Desse errado, não era dele a culpa do vexame.

Carlos Alberto Sardenberg - Lula quer todas as empresas

O Globo

O Estado regula a atividade econômica como um todo, não esta ou aquela empresa. Concede licenças, fiscaliza, cobra impostos

Já aconteceu uma vez. Lula conseguiu derrubar um presidente da Vale, Roger Agnelli, porque ele cometera a ousadia de encomendar navios de grande porte na China. Isso foi em 2011, quando Dilma já estava no Planalto, mas Lula cultivava uma longa bronca com o executivo. Este tocava a Vale — imaginem! — como se fosse uma empresa privada.

Como hoje, Lula queria uma companhia que se alinhasse com os planos do governo. Que comprasse insumos no mercado nacional, mesmo que fossem piores e mais caros, e que partisse para a produção de aço, o que desviaria recursos e energia do negócio principal, a mineração.

Tem mais: o governo petista estava empenhado em mais uma tentativa de construir navios no Brasil e contava com a Vale como compradora fiel. E Agnelli adquiriu não um, mas três enormes navios em estaleiros chineses, de capacidade internacionalmente reconhecida.

Fareed Zakaria* - Biden precisa dizer certas verdades

O Estado de S. Paulo

Ele mostraria aos EUA e ao mundo que ainda tem energia, clareza moral e sabedoria para liderar

Não é possível destruir o Hamas porque ele é uma ideia; e para derrotar uma ideia é preciso outra melhor

Quando o Hamas lançou seu terrível ataque terrorista contra Israel, o presidente Joe Biden tomou uma decisão com base em convicção e cálculo. Ele anunciou sua total solidariedade ao país. Biden deve ter calculado que a única maneira de ter alguma influência sobre Israel seria abraçá-lo de perto, mostrar empatia real, enviar-lhe as armas de que precisava e ganhar sua confiança para moldar uma resposta. Foi uma estratégia bem pensada, mas fracassou quase completamente.

Desde o início, o governo americano pediu aos israelenses que considerassem a proporcionalidade em sua resposta ao Hamas. Israel ouviu e prosseguiu com uma das mais extensas campanhas de bombardeio deste século contra uma população de cerca de 2,2 milhões que, segundo as próprias estimativas israelenses, continha cerca de 30 mil terroristas do Hamas. Segundo uma estimativa de janeiro, mais da metade dos edifícios em Gaza foram danificados ou destruídos.

Sergio Fausto* - Confusa ideologia antiocidental

O Estado de S. Paulo

O ‘decolonialismo’ substitui a perspectiva crítica pertinente pela fúria moral condenatória incapaz de separar joio do trigo

Nos últimos anos, tornou-se moda atribuir ao Ocidente grande parte dos males que acometem o mundo. A moda tem adeptos sobretudo na esquerda, mas também na extrema direita nacionalista sob influência do Kremlin. Num caso e noutro, o ataque ao Ocidente parte de ângulos opostos, mas converge para um alvo comum.

Aqui me interessa o campo da esquerda. Mal ou bem, com muitas contradições, nele se situaram forças que, desde a Revolução Francesa, impulsionaram conquistas civilizatórias da humanidade. Nele está uma nova geração de ativistas, ainda em formação, com energia para levar adiante, atualizando, o legado de gerações anteriores. Por isso, preocupa ver que ela se encanta com uma confusa ideologia antiocidental, que bateu asas a partir de uma vertente respeitável das ciências humanas: o “decolonialismo”, termo incorporado no Brasil diretamente do inglês e do francês, sem o “s” que permitiria descolonizá-lo.

Miguel Reale Júnior* - Discurso revelador

O Estado de S. Paulo

No domingo passado, ‘pobres coitados’ foram instrumentalizados, como massa de manobra, para satisfação da ambição política de um mito de pés de barro

As palavras de Jair Bolsonaro no domingo passado, na Avenida Paulista, apresentam três aspectos merecedores de realce. A tática bolsonarista consiste em juntar pessoas não a favor de algum programa ou projeto, mas sim contra algo configurado como ameaça, unindo desconhecidos por meio do medo de desgraça iminente. Tal se verifica na charla de Bolsonaro na reunião ministerial de 5 de julho de 2022, quando, em tom agressivo, disse: “Eu peço todo dia: não deixe o povo experimentar o que é comunismo, p**ra! Meu Deus, não deixe o povo experimentar o comunismo”.

Alvaro Costa e Silva - Bolsonaro nas águas turvas do Congresso

Folha de S. Paulo

Movimento para minar o poder do STF é aliado do ex-presidente

O "passar a borracha em tudo" —lema do golpista cujo golpe de Estado fracassou, apesar da conspiração e das tentativas de execução— é menos um pedido de arrego que a certeza de que parte singular do Congresso navega nas mesmas águas turvas.

Em outubro do ano passado, o general Hamilton Mourão apresentou no Senado projeto de lei propondo anistia para acusados e condenados pela insurreição fascista que depredou as sedes dos Três Poderes. Mesmo afastado do círculo íntimo do ex-presidente, Mourão jamais escondeu suas simpatias autocráticas. O projeto está em consulta popular, e direita e esquerda digladiam-se nas redes para ter a maioria.

Dora Kramer - Dando sorte ao azar

Folha de S. Paulo

Lula precisa disponibilizar ouvidos e abrir os olhos à sua volta se quiser ser reeleito

Depois de se recusar a comentar ato bolsonarista de 25 de fevereiro e deixar que a plateia vaiasse a jornalista que o perguntou a respeito, o presidente Luiz Inácio da Silva reconheceu a magnitude da manifestação: "Foi grande, é só ver a imagem".

Ficasse por aí teria rendido, ainda que tardia, homenagem ao realismo. Mas não. Preferiu a via de um contraproducente combate a "essa gente" que, pontuou, estava lá para defender o golpe.

Conclusão imprecisa —não se pesquisou quantos ali eram golpistas— e imprudente para quem se elegeu por ínfima margem e precisa atrair ao menos parte de toda gente brasileira se quiser ser reeleito.

Demétrio Magnoli - Mutualismo na Paulista

Folha de S. Paulo

A manifestação promovida por Bolsonaro deve ser definida como um ato de chantagem

Mutualismo, em biologia, é a relação simbiótica entre diferentes espécies na qual cada uma delas extrai benefícios. Na Paulista, domingo passado, Bolsonaro e seus aliados –Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Ronaldo Caiado, potenciais candidatos presidenciais– exercitaram o mutualismo. Bolsonaro conseguiu exibir-se como líder da direita. Os aliados sem princípios marcaram pontos junto ao eleitorado do ex-presidente.

A manifestação deve ser definida como um ato de chantagem. A eficiente demonstração de força popular não teve nenhum outro objetivo político senão pressionar o Congresso e o Judiciário a aceitarem uma barganha indecente. Bolsonaro ofereceu "pacificação" e "conciliação" em troca da impunidade para ele e seu cortejo, acrescida pelo perdão aos soldadinhos idiotas do 8 de janeiro.

Vinicius Torres Freire - Na festa surpresa da economia, país não investiu nada no futuro

Folha de S. Paulo

Investimento produtivo foi dos mais baixos do século e é risco maior para 2024

Já fizemos bastante festinha para o resultado bom e muitíssimo inesperado do crescimento da economia em 2023. Discutimos muito o que se passou no curto prazo (ainda não entendemos direito) e o que pode ser de 2024. Olhando um pouco além da próxima esquina, aparece um aviso de congestionamento econômico: a taxa de investimento caiu no ano passado; é de apenas 16,5% do PIB.

Taxa de investimento: é o quanto da renda (do PIB) de determinado ano foi gasto em aumento da capacidade de produção de bens e serviços. Isto é, em novas casas, em instalações produtivas e outras obras de construção civil, em novas fábricas, em máquinas, equipamentos, "softwares".

Pois bem, repetindo: a taxa de investimento foi de 16,5% do PIB. É a menor do século, fora os anos do final da Grande Recessão e da economia ainda deprimida de 2017-2019.

Sem investimento, é difícil que a economia cresça sem estresse mais adiante, se crescer. Estresse: mais inflação ou também mais déficit externo. Déficit externo: mais comprar do que vender bens e serviços ao exterior. O déficit pode crescer, mas até um limite.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Da Paulista ao Paraíso

CartaCapital

“O grande perigo para os homens”, dizia Nietzsche, “são os indivíduos doentios, não os maus, não os predadores” 

A estação Paraíso do metrô de São Paulo registrou um episódio que deveria incitar a curiosidade dos sociólogos, psicanalistas e outros estudiosos da sociedade. A massa travestida de verde-amarelo aguardava o comboio. O trem chegou à plataforma com os vagões ocupados pela turma da Gaviões da Fiel. Os verde-amarelistas agitaram as pernas para entrar. Postados às portas dos vagões, os corintianos repetiram: “Não vão entrar, não vão entrar”.

Não entraram, nem sequer tentaram.

Ao observar os trejeitos e maus jeitos da tropa abrigada na Avenida Paulista, os esgares de seus símiles europeus e norte-americanos, é legítimo perguntar se o Brasil e o mundo não estariam prestes a reproduzir os processos sociais magistralmente analisados por Hanna ­Arendt no clássico As Origens do Totalitarismo. Arendt ocupa-se, sobretudo, da emergência do nazismo e do stalinismo como fenômenos do igualitarismo totalitário que vocifera: “Se você não é igual a mim, não tem direito a existir”.

Alfredo Maciel da Silveira - “É a economia idiota”

It's the economy, stupid" (É a economia, idiota) é uma pequena variação da frase "The economy, stupid" (A economia, idiota), cunhada em 1992 por James Carville então estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton contra George H. W. Bush presidente dos Estados Unidos na época.

Eu ando "surtando" com a pasmaceira do Gov. Federal! Já tendo passado um ano, naturalmente esgotou-se o “crédito” que eu e toda a “torcida do Flamengo” lhe déramos. E como me considero membro do “EIR – Exército Intelectual de Reserva”, já estou na idade de poder soltar por aqui minha norma “culto-chula”.

Meu “problema” é o “jeito Lula” de fazer política.

Tenho sempre repetido. Ele tinha o José Alencar, pra fazer articulação com a indústria e setores produtivos. Teria também o apoio de FHC para apoiar reformas pontuais no Congresso.

Mas preferiu comprar o Centrão com o Mensalão. E agora com o troca-troca das emendas parlamentares.

É o que ele sabe fazer.

Ele não sabe usar a capacidade de pressão do empresariado, inclusive o multinacional, claro, para direcionar os Liras, Alcolumbres, etc, num jogo de “ganha-ganha.” Hoje é: "Farinha pouca, meu PIB primeiro".

Agora tem Tebet (que sumiu) e Alckmin. Mas não conta com eles na questão estratégica principal. Fazer o país crescer sustentadamente a 5% aa ou mais, o que seria bom pra todo mundo!

Lula hoje não tem nenhum INSTRUMENTO para acelerar a taxa de crescimento.

A única decisão autônoma (portanto instrumental) de gasto é o investimento público. Vá lá: Habitação, Saneamento, financiados por dinheiro público não orçamentário (Cx Econômica). Mais os investimentos de uma ou outra empresa pública, (caso óbvio da Petrobras).

Mas é muito pouco.

Marcus Pestana* - Os municípios, a democracia e o bem-estar da população

Faltam apenas sete meses para as eleições municipais. Pelo impacto na qualidade de vida da população, pelo tipo de organização federativa no Brasil e pela maior proximidade com o dia a dia da comunidade, o poder local é um espaço essencial na execução das políticas públicas e um elo central no funcionamento de nossa democracia.

Escolher bem prefeitos e vereadores é garantir um alicerce sólido para a entrega de qualidade e eficiência à população, nos diversos campos de intervenção do setor público. Em um país continental como o Brasil, a descentralização das políticas públicas é essencial para seu sucesso. Foi esse o caminho consagrado pela Constituição Federal de 1988 e pioneiramente adotado com sucesso pelo SUS, que tem no município seu centro de gravidade. Posteriormente, a assistência social e a segurança pública, perseguiram a mesma estratégia de descentralização das ações e integração federativa.