quinta-feira, 14 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Sequestro de ônibus expõe dilemas da segurança pública

O Globo

Polícia fez trabalho exemplar, mas atirador deveria estar preso por não usar tornozeleira eletrônica

Graças à atuação exemplar da polícia, o sequestro de um ônibus na Rodoviária do Rio na terça-feira, apesar de ter deixado uma vítima em estado grave, não se tornou uma tragédia de proporções maiores. No veículo, com destino a Juiz de Fora, 16 passageiros — entre eles crianças e idosos — foram mantidos reféns durante três horas por um passageiro de 29 anos que, antes de embarcar, atirou noutro passageiro ao confundi-lo com um policial. O atirador é um criminoso condenado que, segundo a polícia, fugia do Comando Vermelho, principal facção do crime organizado no Rio. A vítima foi atingida no coração, no pulmão e no baço e, infelizmente, continuava internada nesta quarta-feira. Apenas mais um passageiro foi ferido por estilhaços.

Do início ao fim, a ação da polícia seguiu todos os protocolos recomendados. A rodoviária, por onde circulam 30 mil passageiros diariamente, foi desocupada após a chegada dos agentes, e o trânsito interrompido no entorno. Policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), a tropa de elite da PM, e de outros quartéis cercaram o terminal. Atiradores ficaram a postos em pontos estratégicos, mas não precisaram disparar.

Maria Hermínia Tavares* - Nem tudo é polarização

Folha de S. Paulo

Ideia de polarização serve antes para confundir do que para esclarecer

O trauma produzido pelo realinhamento político da centro-direita em torno da liderança extremista de Jair Bolsonaro hoje induz mais de um analista a encarar os resultados das sondagens, quaisquer que forem, pelas embaçadas lentes da polarização política.

Segundo esse enfoque, tanto a amplíssima coalizão que sustenta o governo Lula quanto a oposição bolsonarista, tidas como radicais em igual medida, aprisionaram os brasileiros em dois polos irredutíveis. A tese fraqueja diante de um governo moderado a ponto de ter José Mucio Monteiro Filho (PRD-PE) e André Fufuca (PP-MA) entre seus ministros e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) entre seus aliados.

Luiz Carlos Azedo - Mentes naufragadas no passado e no presente

Correio Braziliense

As forças liberais não são capazes de dar respostas imediatas às demandas da sociedade, e a tendência da esquerda é retroalimentar a polarização, sem oferecer soluções novas

O espírito reacionário difere muito do conservador. Segundo o cientista político norte-americano Mark Lilla, no livro A mente Naufragada (Record), trata-se de invocar o passado para nele viver sem transformações, o que é muito diferente da atitude do conservador, que tem o passado e suas tradições como referência para agir no presente e construir o futuro.

Foi o que aconteceu entre 1918-1939, em razão da enorme frustração gerada pela carnificina da Primeira Guerra Mundial e o fracasso da ordem democrática em bases iluministas (penso, logo existo) e aristocráticas. A ordem liberal tecida na virada do século estava em contradição com o sujeito moderno da sociedade industrial, sociológico, estruturado em classes bem definidas. A rica experiência da Social-Democracia Alemã, um partido operário de orientação marxista, sucumbiu ao nacionalismo. A emergência dos partidos comunistas, após a Revolução Russa de 1917, não foi capaz de barrar a ascensão do fascismo na Itália, na Alemanha e outros países europeus.

Três pensadores do século XX destacam-se nesse período como protagonistas do pensamento reacionário: Franz Rosenzweig, Eric Voegelin e Leo Strauss. Lilla conclui que olhavam para os destroços de um passado que lhes parece ameaçado, quando já ultrapassado, e lutavam para salvá-lo, por não conseguirem se adaptar às mudanças. Por uma ironia da História, é isso que hoje faz do reacionarismo um fenômeno “moderno” e resiliente no mundo, inclusive nas grandes democracias do Ocidente.

Vinicius Torres Freire - Loucura nacional em SP

Folha de S. Paulo

Pesquisas mostram como Lula, Bolsonaro e guerras culturais devem pesar no voto

É bem razoável especular que o resultado da eleição para prefeito de São Paulo venha a ser muito influenciado pelos padrinhos dos candidatos que ora lideram o Datafolha, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Para quem não se ocupa da política paulistana, diga-se que Boulos está no canto vermelho do ringue, apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo PT. Do lado amarelo, Nunes deve ter o apoio de Jair Bolsonaro —ou pelo menos assim o deseja.

Mais do que "nacionalizada" em termos político-partidários, a disputa paulistana pode ser nacional também em termos de degradação do debate, do acirramento do que se chama de "guerra cultural" e da fofoca demencial ignara de redes sociais e de mensagens.

A pauta do Congresso deve aguçar o conflito e oferecer mais oportunidades para quem quer criar torrentes de lama e desinformação pelos "zaps", onde tem se definido muita eleição brasileira desde 2018.

Thiago Amparo - Senado na contramão civilizatória

Folha de S. Paulo

Democracias que se prezem adotam política oposta com relação às drogas

Se a intenção da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado era atestar, na letra da Constituição, o quão atrasado em matéria de política de drogas é o país, conseguiu. Nesta quarta (13), a comissão aprovou uma PEC que cristaliza o oposto do que todas as democracias que se prezem estão fazendo mundo afora: incute na Carta o crime de possuir ou carregar qualquer tipo de droga, mesmo que seja para consumo próprio.

Ao usar o cartucho de uma PEC para piorar a já ruim lei de drogas —principal responsável pelo inchaço de 257% das prisões brasileiras nas duas últimas décadas—, o Senado usa uma arma nuclear para explodir um ladrão de galinha. Para justificar a emenda que piora o soneto, o relator da proposta, Efraim Filho (União Brasil-PB), inventou um oximoro: "Tráfico em pequenas quantidades". A realidade, senador, é outra: a maioria dos presos por tráfico nem sequer tem relação com facções, conforme estudo do Ipea de 2023.

William Waack - O museu das ideias

O Estado de S. Paulo

As forças políticas no governo têm dificuldades em aprender com o passado

O Palácio do Planalto virou hoje o principal pavilhão de exposições do parque jurássico de ideias. São aquelas que foram testadas e derrotadas pelos fatos, e nas quais se insiste acreditando que o problema com as ideias (estatismo, por exemplo) não era de mérito, mas de dose (pouca).

Por esse motivo tem sido tão frequentemente aplicada aos inquilinos do Planalto a frase “Nada aprenderam e nada esqueceram”. Ela capta o fato de que, mesmo diante de grandes acontecimentos de resultados evidentes (como o desastre econômico ao fim da era petista), alguns indivíduos e regimes não conseguem aprender com erros passados.

O presidente Lula é a figura-símbolo hoje do que a Economist chamou recentemente de “ancien régime”: um conjunto de forças políticas e instituições lutando para se manter donas do poder. Esse “velho” sistema está se recuperando, resistindo e vencendo, assinala a revista.

Por isso não se pode atribuir apenas ao presidente os impulsos intervencionistas em relação a estatais ou empresas já privatizadas. É muito mais amplo do que o PT o conjunto de forças políticas empenhadas em transformar nacos da máquina do Estado e empresas estatais em ferramentas na defesa de seus interesses privados setoriais ou regionais. Sempre foi assim com a Petrobras.

Felipe Salto* - Ciro está errado sobre os precatórios

O Estado de S. Paulo

O STF decidiu corretamente ao brecar a descida da bola de neve pela montanha. O governo agiu acertadamente ao cumprir a decisão

Já votei em Ciro Gomes e nutro admiração pelo seu estilo aguerrido e combativo. O ex-governador e ex-ministro tem muita experiência e colaborou bastante para o debate público e a elaboração de políticas públicas no Ceará e no Brasil. Na questão dos precatórios, entretanto, discordo de Ciro em suas recentes avaliações.

Quando da promulgação das Emendas Constitucionais n.º 113 e n.º 114, derivadas da famigerada PEC dos Precatórios, avaliei que o limite estabelecido pelo artigo 107-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) teria efeitos deletérios sobre as contas públicas. Chamei aquilo de bola de neve, o que rendeu um desenho do saudoso Paulo Caruso na entrevista que concedi em dezembro de 2021 ao Roda Viva, na TV Cultura, com a frase pescada da minha resposta à jornalista Vera Magalhães, âncora do programa: “PEC é bola de neve rolando a montanha”.

José Serra* - Desenvolvimento regional na reforma tributária

O Estado de S. Paulo

Se bem concebido e utilizado, fundo criado pela EC 132/23 poderá moderar o processo de mudança, protegendo partes das cadeias produtivas existentes e impedindo graves dramas sociais

A recente aprovação da Emenda Constitucional (EC) 132/2023 colocou em destaque um dos aspectos das políticas governamentais que foi, por 40 anos, a grande questão federativa brasileira: a guerra fiscal. Em paralelo, o tema do desenvolvimento regional ganhou um Fundo Nacional (Art. 159-A), como instrumento governamental para reduzir as desigualdades entre as regiões brasileiras.

Os dois temas têm ampla articulação e é crucial que ela seja compreendida para que os novos instrumentos sejam superiores aos usados no passado. Construir bases sólidas para a nova institucionalidade é fundamental para o futuro do País e da Federação.

Mas é necessária uma pequena visita aos anos 80 do século passado para entender os primórdios da questão que hoje se coloca. Na esteira da crise das contas públicas, a década de 1980 foi palco de uma reversão de todas as políticas de incentivo ao investimento amparadas em recursos tributários.

Maria Cristina Fernandes - A frase que Lula não quer mais repetir

Valor Econômico

Conflitos de interesse dentro do governo evitam que presidente seja informado sobre as decisões que toma

“Vocês estão querendo f... meu governo”. Foi assim que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a reunião da última segunda sobre a Petrobras. Queixou-se de que não tinha sido informado de que a retenção dos dividendos extraordinários levaria as ações da Petrobras a despencar no mercado como o fizeram na semana passada.

É a segunda vez, em dois meses, que isso acontece. No domingo, 21 de janeiro, Lula recebeu a agenda do dia seguinte e se deparou com o lançamento da nova política industrial. Não sabia do que se tratava. Ligou para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que também desconhecia o tema. No dia seguinte, Lula não disfarçou a irritação no lançamento, atrasado pela lavagem de roupa prévia ao ato: “Tivemos uma reunião ruim sobre coisas boas”.

Desta vez, Lula queixou-se de que a informação que tinha era de que os investimentos da empresa dependiam da retenção dos dividendos extraordinários. E que não fazia ideia do vendaval. A queixa de Lula foi definida por um ministro numa frase: “De todo despacho quadrado, sai uma decisão quadrada”.

Edward Luce* - Na normalização do trumpismo reside a morte da democracia

Valor Econômico

A candidatura de Trump é tão fora do comum que é quase paranormal. Esta é a essência do apelo político dele

Chame isso de banalidade do caos. Eis aqui uma lista das atividades recentes de Donald Trump. Ele prometeu, no primeiro dia de sua presidência, caso vença a eleição, tirar da cadeia os condenados pela invasão do Congresso dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021, fechar a fronteira dos EUA com o México e “mandar ver, meu bem” na exploração de gás e petróleo. Ele fez festa para Viktor Orbán em Mar-a-Lago, chamando-o de o melhor líder mundial, e assegurou ao líder húngaro que não dará “um centavo” para a Ucrânia. Ele usou um seguro-garantia de US$ 91,6 milhões para indenizar por difamação sua vítima de assédio sexual, Elizabeth Jean Carroll.

Ele fez um expurgo no Comitê Nacional Republicano, demitindo 60 funcionários — o movimento inicial de sua nora Lara Trump, que ele escolheu a dedo como presidente-adjunta do comitê. Ele voltou atrás em relação ao TikTok, dizendo agora que sua controladora chinesa deveria manter a posse. Ele imitou a gagueira de Joe Biden, insistiu que a verdadeira taxa de inflação nos EUA foi de 50% e atacou Jimmy Kimmel, classificando-o de o pior apresentador do Oscar de todos os tempos. Parece quase trivial acrescentar que surgiram novos detalhes sobre a aparente queda de Trump por Adolf Hitler.

Jorge Arbache* - Como mitigar frustração com agenda do clima

Valor Econômico

Crescente politização e mercantilização da agenda verde em países desenvolvidos desorganiza mercados, interfere na alocação de recursos, fomenta ineficiências e eleva preços e dívida pública

Temos presenciado crescente incômodo com a agenda do clima em países desenvolvidos. As frustrações têm motivações variadas, mas vale destacar as relacionadas com o aumento percebido no custo de vida, o ônus percebido com o financiamento da transição para fontes de energia renovável, as taxas sobre carbono e emissões, os impostos para financiar gastos públicos, e a percepção de que o tema do meio ambiente comprime taxas de retorno de investimentos.

Assis Moreira - China acelera exportações para o Brasil

Valor Econômico

As turbulências vão continuar na cena comercial internacional, em meio a tensões geopolíticas, incertezas políticas, erosão das regras internacionais e crescente ‘armamentização’ do comércio

A China sempre importou muito do Brasil. Agora, Pequim registra aumento veloz também de suas vendas para o mercado brasileiro, em meio ao excesso de produção das fábricas chinesas. O Brasil foi o parceiro com o qual a China mais aumentou a corrente de comércio no mundo no acumulado de janeiro-fevereiro, com alta de 33,3% comparado ao mesmo período do ano passado, pelos dados da aduana chinesa.

No geral, as exportações chinesas surpreenderam todo mundo no começo do ano. “As exportações da China estão aumentando. Prepare-se para a reação global”, publicou o jornal “The New York Times”, esta semana, considerando que o avanço mais rápido dos embarques chineses coloca em risco empregos em todo o mundo e desencadeia uma reação que está ganhando força.

Míriam Leitão - O exercício da liberdade

O Globo

Quem quer censurar ‘O avesso da pele’ não se incomoda com o que é realmente escandaloso neste país: a queda da educação no IDH e o racismo que fere os negros com uma divisão inaceitável

Qual foi a intenção do escritor Jeferson Tenório ao escrever o “O avesso da pele”? Foi o que eu perguntei a ele. A obra está no meio de um turbilhão após ter sido atacada pelo obscurantismo e pela censura por supostamente não ser apropriada para jovens do ensino médio. “Eu tinha a intenção de fazer uma grande declaração de amor ao conhecimento, aos livros, às bibliotecas, às referências literárias.” Na história, Henrique, o professor de literatura, consegue atrair seus alunos para “Crime e castigo”, de Dostoiévski. Ele se entusiasma com a vitória e planeja levá-los para Kafka, Cervantes, Virgínia Woolf, Toni Morrison. Ele pensava nisso tão intensamente, andando na rua, que não ouve as sirenes. Ele sonhava com literatura, quando a polícia chegou. Ele era negro.

Merval Pereira - Dissonância cognitiva

O Globo

Cresce a cada momento o número de países que permitem o uso recreativo da maconha, retirando a pressão social dessa guerra que só faz reforçar o poder das facções criminosas

A decisão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado de endurecer o combate às drogas — na direção oposta do que é analisado no Supremo Tribunal Federal (STF) e em dissonância completa como o mundo ocidental civilizado trata dessa questão fundamental da contemporaneidade —é o embate entre o retrocesso da visão anacrônica que prevalece entre os parlamentares e a ambição de “empurrar a História” da maioria progressista do Supremo.

Progressistas esses que já deram cinco votos nesse caso específico, o que não significa que sejam “progressistas” noutras questões. Muitos são “garantistas” quando lhes convém, como no combate à corrupção, que vem sendo destruído por interesses retrógrados que unem alguns dos “progressistas” do Supremo aos anacrônicos do Congresso.

Malu Gaspar – A Petrobras e a espuma

O Globo

Quando se soube que o próprio presidente Lula arbitrou a disputa em torno dos dividendos extraordinários da Petrobras e mandou que seis conselheiros votassem contra o pagamento, o presidente da companhia, Jean Paul Prates, correu para negar:

— Não houve ordem do presidente Lula — afirmou ele, dizendo que as informações a respeito e o abalo na Bolsa em torno do tema eram “espuma”.

Horas depois, o próprio Lula desmentiu Prates. Numa entrevista ao SBT, admitiu que teve “uma conversa séria com a administração da Petrobras”, “porque é preciso a gente pensar no povo brasileiro”. O presidente foi direto:

— Se eu for atender apenas à choradeira do mercado, não faço nada — disse Lula. — O mercado é um rinoceronte, um dinossauro voraz, quer tudo para ele e nada para o povo. Será que o mercado não tem pena das pessoas que passam fome?

Poesia | Graziela Melo – Rio, amor e bala perdida

São beijos
que boiam
na água

abraços
flutuam
no ar,

desejos
se escondem
nas folhas,
nas flores,

nos frutos
do pomar...

É
a vida
que corre
com pressa

é alguém
virando
a esquina

e a morte
tentando
pegar.

É a bala

que mata
a menina

é a bala
perdida
zunindo
no ar!

É a bala
certeira
que vem
pra matar!!!