segunda-feira, 1 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Alta da dívida pública cria teto para o PIB

Folha de S. Paulo

Projeções apontam para juros elevados e expansão medíocre da economia; romper dinâmica exige controle do gasto público

A regra fiscal que substituiu o teto para os gastos do governo federal foi relativamente bem recebida, porque ao menos estabeleceu alguma previsibilidade para as contas públicas e afastou o risco de descontrole imediato.

Entretanto todos sabem que o arranjo em vigor é insuficiente para que o déficit orçamentário deixe de ser um obstáculo ao desenvolvimento. Assim o demonstram as projeções de analistas de mercado para a evolução da dívida pública, notadas pelo Banco Central em seu recente Relatório de Inflação.

No documento se observa que as estimativas mais consensuais são de aumento do peso da dívida pública ao longo de toda esta década. Em 2030, esse passivo chegaria a 86,1% do Produto Interno Bruto, ante 75% hoje. São cifras exorbitantes para um país emergente.

Entrevista | Manuel Castells: “É um momento sombrio"

O sociólogo espanhol, pioneiro em estudar os efeitos da internet, teme pelos estragos do mau uso da tecnologia

Luiz Paulo Souza / Veja

Lá na pré-história da internet, em 1996, o sociólogo espanhol Manuel Castells intuiu o ponto ao qual chegaríamos. Com o lançamento do livro A Sociedade em Rede, um clássico instantâneo, ele desenhou a disseminação da internet e boa parte dos problemas (e também os benefícios) que nasceriam de tanta prevalência. Autor de outros vinte trabalhos em torno do tema, ele é um dos mais celebrados especialistas do impacto das modernas tecnologias em tempo de comunicação acelerada e informações falsas. Professor da Universidade Aberta da Catalunha e da Universidade do Sul da Califórnia, Castells acaba de publicar Testimonio: Viviendo Historia, ainda não traduzido para o português, obra na qual revisita sua trajetória pessoal, ao acompanhar o mundo em transformação. Mergulha sobretudo nos dias de maio de 1968, quando a agitação estudantil reinventou a civilização ocidental, ao anunciar que era “proibido proibir” — Castells esteve no coração dos protestos e acabou sendo expulso da França. Na semana passada ele participou, em Brasília, do Seminário Internacional Democracia e Novas Tecnologias, em comemoração ao bicentenário do Senado. 

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele trata dos riscos, mas também das oportunidades, de um planeta conectado.

Fernando Gabeira - 1964, o passado já passou?

O Globo

A Guerra Fria acabou, mas os corações, principalmente os fígados, não abandonam o estado bélico

Acordei bem cedo para ir à Cinelândia, no Centro do Rio. Queria o silêncio e a luz da manhã para gravar sobre 1964. Confesso que, ao ligar a câmera, me veio à cabeça um poema de Mário Quintana: “Quando se vê, já são 6 horas! Quando se vê, já é sexta-feira!”. Quando se vê, passaram 60 anos.

Meus suspiros eram secundários diante do fato histórico e do próprio lugar. Escolhi a Cinelândia, porque estava lá no dia do golpe, mas também porque ouvi tiros vindos do Clube Naval, sabia que a rádio Mayrink Veiga resistia ali perto, e desse lugar partiram também os amigos que foram buscar as armas prometidas, e jamais entregues, pelo Almirante Aragão.

Mais tarde, da Cinelândia, se podia ver a multidão com rosários, marchando com Deus, pela família e propriedade. A sorte estava lançada.

Demétrio Magnoli - 1964, memórias corrompidas

O Globo

A motivação presidencial é péssima: não melindrar os quartéis

A esquerda ouviu, mortificada, o recado de Lula:

— O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre.

O governo não participou de atos de memória sobre os 60 anos do golpe de 1964 e, ao contrário do que planejava o ministro Silvio Almeida, não houve nem haverá um pedido estatal de desculpas pelas violações de direitos humanos da ditadura militar. A motivação presidencial é péssima: não melindrar os quartéis. Haveria, porém, razão melhor: a ausência de um consenso nacional mínimo sobre essa parte sombria de nosso passado recente.

Bruno Carazza – Lula não mexe com o passado e nem com o futuro

Valor Econômico

Decisão de não condenar 60 anos do golpe esconde falta de disposição de atacar violência militar ou déficit da previdência das Forças Armadas

Não haveria tanto problema na decisão de Lula em não querer condenar os 60 anos do golpe militar se houvesse um comprometimento de seu governo com o futuro da relação do Estado com as Forças Armadas.

Ao longo da história, a influência dos militares sobre a política gerou uma série de benefícios e proteções que levaram parte da cúpula do Exército, da Marinha e da Aeronáutica a fecharem com o governo Bolsonaro e, posteriormente, a se apegarem à possibilidade de uma nova virada de mesa autoritária antes da posse de Lula e, uma semana depois, na invasão dos prédios da Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro.

Se Lula não está disposto a remexer as feridas do passado, tampouco se mostra empenhado com medidas saneadoras para enquadrar os militares num verdadeiro regime republicano. Oportunidades de ações não faltam.

Sergio Lamucci - A força do mercado de trabalho e o consumo das famílias

Valor Econômico

O comportamento do emprego e da renda estimula a atividade, devendo ajudar a economia a crescer na casa de 2% neste ano

O mercado de trabalha segue forte em 2024, mostrando uma criação expressiva de empregos com carteira assinada e um aumento da renda bastante acima da inflação. Além disso, o número de demissões a pedido tem sido elevado, um outro sinal de aquecimento, indicando que os trabalhadores se sentem confortáveis para sair voluntariamente do emprego e buscar outras ocupações. Com o bom momento do mercado de trabalho e a retomada do crédito (ler mais em Crédito para consumo avança mais e pode alavancar PIB), o consumo das famílias deve mais uma vez puxar o PIB pelo lado da demanda. O Bradesco, que espera um crescimento de 2% neste ano, projeta um avanço de 2,8% para o consumo privado.

Carlos Pereira - Decisões judiciais e a democracia

O Estado de S. Paulo

A percepção de que o Judiciário age politicamente motivado é mais forte entre os perdedores

Para a maioria dos brasileiros, o que ocorreu no dia 8 de janeiro não foi uma tentativa de golpe. De acordo com o DataFolha, cerca de 65% da população interpreta que se tratou de ato de puro vandalismo. Como era de se esperar, a maior parte desses eleitores, 77%, tinham votado em Bolsonaro e 52% em Lula nas eleições de 2022.

Apenas 30% da população acredita ter sido uma tentativa de golpe, sendo que 46% dos eleitores de Lula e apenas 16% dos eleitores de Bolsonaro.

É muito mais fácil para o cidadão identificar e condenar atos de vandalismo, especialmente diante de imagens chocantes que retrataram a destruição de prédios públicos da praça dos três poderes em Brasília, do que desaprovar a intenção ainda não tão facilmente tangível de uma tentativa frustrada de golpe.

Marcus André Melo* - Lima Barreto e o crime

Folha de S. Paulo

Penso que a fortuna dessa gente que está na Câmara, no Senado, nos ministérios, até na presidência da República se alicerça no crime

Em "O Único Assassinato de Cazuza" Lima Barreto, faz através de um de seus personagens uma afirmação de grande atualidade: "Penso, ao ler tais notícias, que a fortuna dessa gente que está na Câmara, no Senado, nos ministérios, até na presidência da República se alicerça no crime, no assassinato, que acha você?". Ao que seu interlocutor retruca:

- Já houve quem dissesse que, quem não mandou um mortal deste para o outro mundo, não faz carreira na política do Rio de Janeiro.

Camila Rocha* - Os legados da ditadura

Folha de S. Paulo

Passados 60 anos do golpe de 1964, Forças têm autonomia descabida para regime democrático

Passados 60 anos do golpe de 1964, o Brasil ainda convive com diversos legados nefastos da ditadura militar. Ainda que o autoritarismo brasileiro tenha antecedentes mais antigos, que remontam ao Estado Novo e ao regime escravocrata, a ditadura sedimentou ou institucionalizou diversas práticas e projetos regressivos. Até hoje, o Estado brasileiro não se desfez de heranças da ditadura, sobretudo aquelas relacionadas à atuação das forças de repressão militarizadas.

As Forças Armadas continuam a gozar de uma autonomia descabida para um regime democrático. Hoje o controle civil em relação à atuação de tais forças é pífio e não há qualquer esforço significativo sendo feito pelo Estado brasileiro para reverter tal estado de coisas.

Adilson Paes de Souza* - Por que tentar apagar o passado?

Folha de S. Paulo

Políticas atuais de segurança pública, orientadas por lógica de guerra contra parte da população e aposta na letalidade policial como medida de proteção social, atualizam os métodos empregados pelo regime militar. Autor sustenta que a situação demanda enfrentar as heranças da ditadura em vez de tratar o golpe de 1964 como parte da história que não deve ser remoída, como Lula faz.

Não tenho recordação da ditadura na minha infância, sensação que causa hoje em mim estranheza. Lembro, vagamente, as propagandas ufanistas sobre o país que deu certo, o milagre econômico, o progresso e o desenvolvimento de toda a nação.

Presidente, eu nasci em julho de 1964, três meses depois do golpe de Estado e da instauração da ditadura no Brasil. Diferente do senhor, que tinha 19 anos de idade, não lembro, obviamente, o que aconteceu.

Acho que o senhor se lembra, presidente, de um programa de TV chamado Amaral Netto, o Repórter, ocasião em que os supostos êxitos do governo militar eram apresentados e exibidos à exaustão: um Brasil que deu certo graças aos militares —aliás, fala constante de pessoas que fazem, hoje em dia, apologia do período ditatorial.

Não era sobre um Brasil onde pessoas eram torturadas e desapareciam. Não era sobre um Brasil onde a miséria e a hiperinflação reinavam. Está vendo como é importante falar de um passado que insiste em ser negado, presidente?

A vida seguiu adiante. Em 1985, se iniciou o processo de redemocratização do país. Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Federal, a nossa Constituição Cidadã, marco do retorno da democracia ao país. É o que dizem. Não foi bem isso, contudo, o que aconteceu.

Italo Nogueira – A linha vermelha dos Brazão

Folha de S. Paulo

Relatório da PF dedica 83 páginas à trajetória dos suspeitos no caso Marielle e deveria constranger quem lhes deu poder

Das 479 páginas do relatório da Polícia Federal sobre a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes, 83 se referem à trajetória da família Brazão.

O índice do documento é suficiente para entender a descrição. "Envolvimento em escândalos", "evolução patrimonial suspeita", "aparelhamento dos órgãos estatais", "grilagem de terras" são os capítulos que organizam o inventário.

O texto conta com reproduções de jornais que expõem o que a PF chama de "singular potencial incriminador dos irmãos". Algumas sequer têm link, por serem de uma época em que a internet engatinhava.

Em quase três décadas, os Brazão formaram currais eleitorais associando atividades suspeitas e abuso de poder econômico por meio do assistencialismo. A Justiça jamais foi capaz de coibir.