quinta-feira, 16 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Troca de comando na Petrobras traz volta ao passado

O Globo

Ao escolher Chambriard, Lula insiste em retomar as políticas fracassadas dos tempos de Dilma

Seria enganoso acreditar que a troca de comando na Petrobras tenha sido consequência apenas de intrigas palacianas ou divergências a respeito da distribuição de dividendos. Foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quem decidiu substituir o ex-presidente Jean Paul Prates por Magda Chambriard, ex-funcionária de carreira da petroleira e diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) no governo Dilma Rousseff. O relevante e grave para o Brasil são as razões que motivaram a decisão. Ela é um sinal eloquente de intervenção do governo numa empresa aberta de capital misto, cuja motivação traduz o desejo de retomar as práticas dos tempos de Dilma, de tão traumáticas lembranças. Não há como evitar falar em retrocesso.

Paulo Celso Pereira – Todos estão surdos

O Globo

A polarização da sociedade brasileira se refletiu na tragédia do Rio Grande do Sul desde a busca por responsáveis pelos alagamentos

São exatos dois minutos de não diálogo que sintetizam nossa era. Em meio a uma tragédia de proporções bíblicas, um ministro entra em contato com o prefeito de uma cidade atingida e faz questão de filmar a ligação, colocada em viva-voz. Só que o gesto não é unilateral. Do outro lado da linha, o prefeito repete a mesma cena: ao receber a ligação de um ministro de Estado que poderia auxiliá-lo, coloca no viva-voz e filma toda a conversa.

Os dois não se escutam, e a solução da crise humanitária na cidade é apenas o pretexto para a ligação. O papel de ambos naquele teatro é proferir frases e reações lacradoras, gerando conteúdo para animar sua turba de apoiadores — e detratores — nas redes sociais.

O prefeito de Farroupilha é Fabiano Feltrin, empresário e cover de Elvis Presley que se filiou em março ao PL, num evento que contou com a presença de Jair Bolsonaro. O ministro, claro, é Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação do governo. Ontem Lula o escolheu para assumir o Ministério Extraordinário de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.

Míriam Leitão - A busca do tom certo na ajuda

O Globo

Governo acertou nas medidas de apoio ao Rio Grande do Sul, errou na politização e roubou seu show ao trocar a presidência da Petrobras na véspera

O governo tentou muito atrapalhar sua própria notícia boa. Era dia de o presidente Lula ir ao Rio Grande do Sul com seus ministros, comandantes militares, presidente do STF e vice-presidente do TCU anunciar medidas para socorrer a população, mas na maior parte dele, o que ocupou o noticiário foi a troca na presidência da Petrobras. Na cerimônia na Unisinos, em São Leopoldo, houve momentos em que ministros deixavam autoridades locais à deriva. Parecia intervenção e não ajuda. Coube ao ministro Luís Roberto Barroso lembrar que ali se estava elevando o “patamar civilizatório da não politização de uma crise humanitária”.

A implementação de toda esta ajuda terá que ser feita sem montar palanque para as próximas eleições. A escolha do ministro Paulo Pimenta, gaúcho, político e com ambições locais pode acabar gerando atritos e desconfiança. O governador Eduardo Leite lembrou, quando falou, que “não haverá diferenças políticas e ideológicas entre nós que nos impeça de trabalhar”. E mais adiante disse que “o governo federal passa recursos para o acolhimento humanitário e nós estamos somando esforços do governo do estado”.

Malu Gaspar - Já vimos este filme ruim

O Globo

Presidente da República parece decidido a repetir estratégia de usar a estatal para irrigar a economia a tempo de chegar em 2026 com mais chances de se reeleger

Ao deixar a PetrobrasJean Paul Prates contou aos colegas de diretoria que Luiz Inácio Lula da Silva foi lacônico ao demiti-lo do cargo na última terça-feira, em encontro rápido no Palácio do Planalto. Pelo relato dele, o presidente alegou duas razões principais para tirá-lo do posto.

A primeira: os dois não estavam “alinhados” em relação aos rumos da empresa. A segunda: Lula não perdoou o fato de Prates não obedecer sua ordem para votar pela retenção dos dividendos extraordinários que seriam distribuídos aos acionistas, entre os quais a própria União. Uma afronta, falou o presidente na conversa. Uma deslealdade, disse Lula aos aliados.

Nem é preciso ser bom entendedor para traduzir o gesto. Prates nem de longe era rebelde às ordens do presidente. Mas Lula está ansioso para voltar rapidamente ao tempo em que mandava na companhia sem grandes obstáculos, para que ela volte a despejar bilhões em megaprojetos como a refinaria Abreu e Lima ou o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).

Luiz Carlos Azedo - Troca de comando da Petrobras sinaliza novo rumo econômico

Correio Braziliense

A mudança deve reacender o debate sobre a política econômica, sob comando de Fernando Haddad, cuja orientação é social-liberal

Bastou uma troca de comando para a Petrobras perder R$ 35 bilhões em valor de mercado num só dia. Pode ser uma reação natural dos investidores, que gostam de especular nestes momentos, ou uma tendência de mudança de rumo da economia. É cedo para avaliar qual será o desfecho da substituição do ex-senador petista Jean Paul Prates, que manteve atuação relativamente independente, pela engenheira Magda Chambriard, também petista, que já foi presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

A Petrobras encerrou o pregão desta quarta-feira com um valor de mercado de R$ 499 bilhões, contra R$ 548,5 bilhões de terça-feira, quando o presidente Lula convocou Prates para uma reunião. Na presença do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e do ministro da Casa Civil, Rui Costa, Lula comunicou sumariamente que precisava do cargo e que nomearia Magda para o comando da empresa. Magda Chambriard defende a expansão das áreas de refino e de produção de gás e também fala em incentivar a indústria naval, para aumentar a participação de empresas brasileiras no arranjo produtivo da companhia.

Maria Cristina Fernandes - Lula acelera o trator até esvaziar o tanque

Valor Econômico

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já estava devidamente instalado no trator quando o governador gaúcho escorregou na lama. Ao dizer que o excesso de doações impacta o comércio do Rio Grande do Sul, e se desculpar em seguida, Eduardo Leite mostrou o quão perdido está na catástrofe que se abate sobre seu Estado, redobrando a responsabilidade do Planalto.

Acelerado, o trator presidencial rompe as divisas gaúchas e expõe Lula a riscos precoces. Do Rio Grande do Sul à Petrobras. É verdade que a tragédia gaúcha permitiu ao Executivo retomar um governo que andou terceirizado para o STF. A investida contra as notícias falsas, por exemplo, poderia ter sido agregada ao inquérito do fim do mundo, mas achou-se por bem incumbir o discreto ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, que toca os processos na primeira instância da Justiça Federal em vários Estados, e deixar o ministro Alexandre de Moraes recuado.

Nelson Niero - Lula joga gasolina na fogueira da Petrobras

Valor Econômico

Parece mesmo ilimitada a capacidade de alguns políticos de testar os limites do que é moralmente aceitável

Apesar de ter se tornado quase corriqueira, a troca de comando na Petrobras não é e nem pode ser encarada como um assunto comezinho. Num momento de descrença com o cumprimento das metas fiscais, mexer com a maior companhia do país por faturamento e valor de mercado é como jogar gasolina no fogo.

As ações abriram ontem em queda de mais de 7% na B3, cerca de R$ 36 bilhões de valor de mercado, numa reação dos investidores não só à troca, mas principalmente à indicação de Magda Chambriard, um nome ligado à ex-presidente Dilma Rousseff. Mesmo com proverbial memória curta do brasileiro, no mercado financeiro ninguém se esquece de que a interferência de Dilma nos preços dos combustíveis deu muito mais prejuízo à empresa do que o sistema de corrupção descoberto pela Operação Lava-Jato.

Conrado Hübner Mendes - Os negacionistas estão matando

Folha de S. Paulo

No Rio Grande do Sul, o extremismo político encontrou o evento climático extremo

Negacionistas não somente rejeitam a verdade. Sequer participam de disputa sincera pela verdade. Não estão interessados. Todo negacionismo é, antes, negação da responsabilidade que a verdade imputa. Estratégia diversionista, esconde causalidades entre ações e consequências. E rejeita a norma jurídica ou moral que sanciona o comportamento danoso.

Não se equiparam aos sofistas ou aos céticos, nem aos ateus ou agnósticos. Estão mais próximos ao que Harry Frankfurt chamou de "bullshiters". Diferente do mentiroso e do hipócrita, que conhecem a verdade e sabem que mentem, o "bullshiter" tem indiferença à verdade e joga outro jogo. Sua empreitada não é intelectual, mas política e sectária.

Muitos negacionismos contaminam a conjuntura brasileira: negacionismo do golpe, da ditadura, do racismo, da homofobia, dos conflitos de interesses da magistocracia, da corrupção e do autoritarismo; dos efeitos da desigualdade e da boçalidade pública; da correlação entre liberação de armas e aumento de homicídios, parecido com o da causalidade entre cigarro e câncer; do dever constitucional de manter o meio ambiente equilibrado e do direito de gerações presentes e futuras.

Bruno Boghossian - Lula amarra governo à crise do RS

Folha de S. Paulo

Evento e criação de secretaria tiveram objetivo de reformular a mensagem sobre a participação na crise

Lula amarrou seu governo no longo processo de recuperação do Rio Grande do Sul após as chuvas. A terceira ida do presidente ao estado e a criação de uma autoridade para gerenciar a resposta federal à crise tiveram as cores de um lance político, com todas as suas oportunidades e todos os seus riscos.

O presidente havia cobrado de assessores a organização de uma viagem que não ficasse restrita a gabinetes para assinar acordos e repasses de dinheiro. Pediu para visitar um abrigo e comandou uma espécie de comício povoado pela claque de um prefeito aliado.

Vinicius Torres Freire - Lula, gaúchos Petrobras e BC

Folha de S. Paulo

Em poucos dias, se vê como escolhas de governo mexem na economia e no socorro do RS

Em uma semana, decisões e preferências do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mexeram com a medula da finança do país, com a empresa brasileira mais importante e criaram ruído no mínimo inconveniente no até agora razoável conjunto de ações federais para atenuar a desgraça no Rio Grande do Sul. Em vez de dizer que são "decisões políticas", como se houvesse decisões ideais dos anjos tecnocráticos, são decisões e preferências que vão do contraproducente ao ruim.

Na semana passada, a direção do Banco Central decidiu por cinco votos a quatro diminuir o ritmo de corte da Selic de 0,5 ponto para 0,25 ponto percentual. Em termos materiais, a diferença é quase esotérica. Os diretores nomeados por Lula preferiam corte maior, mas os lados divergentes tinham argumentos razoáveis para justificar a decisão.

William Waack – O maestro da orquestra

O Estado de S. Paulo

Lula quer enfrentar situações inéditas com velhas ideias

Lula não quer saber de experimentar. Suas decisões são baseadas sempre nas velhas convicções – ou cacoetes, como se preferir –, o que vale tanto para uma Petrobras como para o enfrentamento da catástrofe que destruiu boa parte do Rio Grande do Sul.

A resposta ao que é uma inédita crise múltipla dentro de uma grande crise exigiria um notável esforço político para criar algum tipo de instância central de coordenação e controle. A maior dificuldade está no pacto federativo e a autoridade por ele conferida ao governador do Estado, que não manda em todas as instâncias (federais, por exemplo) das quais precisa.

O que Lula “criou” para lidar com o desastre no Sul foi um ministro extraordinário sem poderes plenipotenciários, que é declarado rival das forças políticas no comando do Estado e candidato a substituí-las nas próximas eleições para governador. Mas é uma oportunidade relevante para que Lula assuma seu lugar favorito, o de salvador da Pátria.

Celso Ming – A demissão de Prates

O Estado de S. Paulo

Depois da fervura no caldeirão, às vezes mais e às vezes menos borbulhante, veio a demissão sumária do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. Entre as justificativas está a de que ele demorou demais para colocar em prática na empresa as determinações do governo.

Na sua primeira comunicação à imprensa depois de sua degola, Prates deu um jeito de chutar a porta. Avisou que o desfecho aconteceu “para regozijo” dos ministros Alexandre Silveira, de Minas e Energia, e Rui Costa, da Casa Civil, seus inimigos figadais dentro do governo.

A questão aí não é de volume de bílis, mas do uso político de uma grande empresa de economia mista para fins que se podem considerar contrários aos objetivos do interesse público.

Eugênio Bucci - A liberdade ‘fake’ e o Marquês de Sade

O Estado de S. Paulo

Com a cidadania submersa, a perversão do fanatismo antidemocrático jorra pelos bueiros

“Mercadores do caos”. É assim que o primeiro editorial do Estado de ontem qualificou aqueles que difundem mentiras sobre as enchentes no Rio Grande do Sul. O texto vai no ponto: “Bolsonaristas andam espalhando desinformação porque, inimigos da democracia que são, a eles interessa minar a capacidade dos cidadãos de confiar uns nos outros.” Palavras precisas. Justas.

O quadro é alarmante, não só pelas águas que dizimam cidades inteiras, mas também pela propagação industrializada e intencional de desorientação. Com a cidadania submersa, a perversão do fanatismo antidemocrático jorra pelos bueiros. Há mensagens inconcebíveis circulando massivamente. Umas afirmam que não adianta fazer doações porque o governo federal está barrando caminhões que rumam para o Rio Grande do Sul. Falso. Outras sustentam que Exército e os bombeiros negam ajuda aos desabrigados. Invenção dolosa. Os exemplos de má-fé são caudalosos, tóxicos, e, embora sejam desmascarados a toda hora, deixam rastros de devastação moral e cívica.

Roberto Macedo - A decisão do Copom por 5 a 4 e o quadro fiscal

O Estado de S. Paulo

Não há iniciativa nem sustentação política do governo e do Congresso para um efetivo ajuste fiscal

Essa decisão veio na quarta-feira da semana passada, a de reduzir a Selic em 0,25% em lugar de 0,5%, como nas últimas decisões a respeito. Embora esperada, a nova taxa causou impacto porque a diferença foi de apenas um voto em seu apoio. Mais ainda, todos os cinco diretores indicados pelo governo anterior votaram pela redução de 0,25%, enquanto os quatro nomeados pelo governo atual queriam 0,50%.

O mercado reagiu mal no dia seguinte. A Bolsa caiu 1% e o dólar subiu 1,02%. Uma reação justificável pois a votação levanta a suspeita de que a substituição de Roberto Campos Neto por um novo presidente do Banco Central indicado por Lula, em 2025, poderia significar um afrouxamento da política monetária mais pautado por razões políticas. Virão novas discussões que talvez possam esclarecer melhor o que esteve por trás da divergência e a sua substância. Se isso não reduzir a relevância dessa hipótese, ela continuará no ar, o que será um fator de desconfiança na política monetária mais à frente e já com implicações para o presente.