sábado, 6 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Vitória de Starmer aponta caminho a políticos de centro

O Globo

Em vez de ideologia ou guerras culturais, sua campanha voltou o foco para questões de ordem prática

A vitória avassaladora do Partido Trabalhista nas eleições britânicas traz lições não apenas para o Reino Unido, mas para Europa, Brasil e um mundo atônito com o avanço da direita de feições nacionalistas e populistas. O novo primeiro-ministro, Keir Starmer, um social-democrata clássico, comandará uma maioria com um controle do Parlamento comparável à avalanche Tony Blair em 1997.

A primeira lição é que, mesmo numa época em que vicejam figuras histriônicas como Donald Trump ou o britânico Boris Johnson, um político de perfil mais pragmático que carismático ainda tem chance de vencer — e de vencer bem. Nada mais distante do discurso histérico das redes sociais que a serenidade acanhada de Starmer.

Entrevista | Heather Grabbe: 'Argumento nacionalista atrai europeu insatisfeito com economia’

Marcos de Moura e Souza / Valor Econômico

Acadêmica europeu Bruegel, analisa o voto de britânicos e franceses

Em uma semana de eleições no Reino Unido e na França, a pesquisadora do think-tank Bruegel, baseado em Bruxelas, Heather Grabbe faz uma avaliação sobre as demandas e insatisfações dos eleitores em um momento em que o populismo de direita ganha apoio pela Europa.

Professora visitante da Universidade College London e autora de artigos publicados no “Financial Times” e no site “Politico”, Grabbe diz nesta entrevista ao Valor que as diferenças de linha econômica entre partidos tradicionais estão cada vez mais apagadas e que a direita populista prospera reforçando mensagens sobre identidade e nacionalismo. No Reino Unido, embora o jogo se dê entre as forças convencionais - Trabalhistas e Conservadores -, Grabbe destaca o nível de aprovação da legenda direitista anti-União Europeia Reform. Enquanto na França, o segundo turno das eleições parlamentares no domingo deverá mostrar um avanço marcante da extrema direita de Marine Le Pen. 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Pablo Ortellado - Direita populista mostra força

O Globo

Analistas se perguntam incrédulos por que os cidadãos se voltam para alternativas antidemocráticas, chauvinistas e racistas

O establishment está chocado com a força da direita populista nos Estados Unidos e na França. O Reunião Nacional, partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella, deverá emergir do segundo turno das eleições parlamentares da França, amanhã, como força política mais importante do país. Nos Estados Unidos, as fraquezas de Biden fazem de Donald Trump o favorito para vencer as eleições de novembro. Aos avanços políticos nos Estados Unidos e na França se somam a vitória, na Holanda, do Partido da Liberdade de Geert Wilders (que por pouco não se tornou primeiro-ministro), o consolidado governo de Giorgia Meloni na Itália e a ascensão de Javier Milei na Argentina. A onda global do populismo de direita parece um tsunami irrefreável.

Na França e nos Estados Unidos, analistas se perguntam incrédulos por que os cidadãos se voltam para alternativas antidemocráticas, chauvinistas e racistas. Centristas e progressistas se questionam, perplexos, como os franceses podem votar em massa no partido herdeiro da Frente Nacional e como os americanos podem votar em Trump depois de um primeiro governo desastroso e de terem testemunhado a invasão do Capitólio.

Carlos Alberto Sardenberg - O mercado acreditou no governo. Perdeu dinheiro

O Globo

Se a economia vai bem no presente e tem boas perspectivas para a frente, as empresas ganharão

Vale o arcabouço fiscal, declarou o ministro Fernando Haddad nesta semana, depois de algumas reuniões com Lula. Não foi fácil. Precisou o dólar bater em R$ 5,70 para o ministro impor ao governo uma espécie de renascimento de sua agenda.

Há várias interpretações para o episódio. O arcabouço fiscal, como lembrou Haddad, está fixado em lei complementar desde agosto do ano passado. Que fosse preciso reiterar isso, quase um ano depois, demonstra que o mercado tinha razão quando desconfiou que o governo Lula, a começar pelo presidente, pretendia driblar as regras do arcabouço para gastar sem limites.

Essa descrença é recente. Há algumas semanas, o Boletim Focus, editado pelo Banco Central, mas resumindo as opiniões dos analistas de fora do governo, previa um cenário positivo para este e para o próximo ano: inflação em queda, juros idem e o dólar, imaginem, estável em R$ 5 até 2026.

Com base nesse cenário, os investidores fizeram suas apostas. Não são bem apostas, mas aplicações financeiras com base em dados e expectativas, com o objetivo de preservar o capital e obter lucros. Não são especulações no vazio. Têm ligação com a economia real. Se o país crescerá com inflação baixa e ganhos de renda, então o varejo venderá mais. Logo, comprem-se ações das companhias varejistas. De modo mais amplo, se a economia vai bem no presente e tem boas perspectivas para a frente, as empresas ganharão dinheiro. Logo, a Bolsa de Valores é um bom local para colocar seu dinheiro.

Eduardo Affonso -Vivemos a era do exagero

O Globo

Basta considerar esteticamente desagradável um corpo obeso para ser diagnosticado como gordofóbico

Nas novelas mexicanas de antigamente (ou nem tão antigamente assim), a vilã tinha cara de vilã, pinta de vilã, roupa de vilã — eventualmente, até tapa-olho de vilã. Bastava que entrasse em cena e sabia-se que boa bisca ela não era. Tudo — cabelo, tom de voz, adereços, maquiagem — conspirava para que não pairasse dúvida sobre sua abominável índole. Era um recurso dramatúrgico, impedindo que, ao coração do telespectador, ocorresse a ideia de balançar entre a mocinha (boa) e a vilã (péssima).

Pois mexicanizaram a política e a linguagem. Sim, apertem os cintos: a direita sumiu. A polarização agora entre é entre esquerda e extrema direita. De um lado do ringue — de calção vermelho, pés descalços e mãos nuas — temos a esquerda (progressista, democrática, de profundos valores humanistas, zelosa defensora dos pobres e oprimidos) e do outro — de armadura azul, portando o raio da morte — a extrema direita (fascista, desumana, de tapa-olho). Entre uma e outra, só o Centrão — pendendo para o lado vencedor, claro.

Hélio Schwartsman - Há luz no fim do túnel?

Folha de S. Paulo

Vitória trabalhista no Reino Unido contrasta com avanços eleitorais da ultradireita no Ocidente

Num mundo em que a ultradireita vem obtendo avanços eleitorais significativos, o Reino Unido, remando contra a corrente, acaba de proporcionar uma vitória maiúscula para o Partido Trabalhista, de centro-esquerda. O "maiúscula" não é licença poética. Com a apuração quase concluída, os trabalhistas obtiveram ao menos 412 das 650 cadeiras do Parlamento, um incremento de 214 assentos.

O interessante é que, em termos de proporção dos sufrágios, os trabalhistas não se saíram tão melhor. Cresceram só 1,7 ponto percentual em relação à votação anterior, de 2019. O que explica o resultado é o brutal declínio dos conservadores, que perderam 251 cadeiras e 20 pontos percentuais. Basicamente, os conservadores é que foram derrotados. Perder após 14 anos no poder é esperado; a magnitude da derrota é que chama a atenção.

Dora Kramer- Palanques à parte

Folha de S. Paulo

Governadores evitam atos federais para não colocar azeitona na empada de Lula

O chamamento à guerra foi feito pelo presidente Lula quando estabeleceu ligação direta entre as eleições de 2024 e 2026. As municipais serão um ensaio para as presidenciais, disse ele, contrariando a escrita dos inúmeros exemplos de que uma disputa não tem nada a ver com a outra.

A história mostra. Para citar apenas um, o PT foi um fiasco na disputa de 2020 e retomou a Presidência em 2022.

Desta vez, há de reconhecer, pode ser diferente. Não no cenário dos mais de 5.000 municípios, mas nas principais cidades e capitais.

Demétrio Magnoli - O real não subiu a rampa

Folha de S. Paulo

Gesto de Lula ajudaria a amainar a polarização nacional que ele jura lamentar

Há 30 anos, o Brasil tem moeda, graças ao Plano Real, que nos libertou da "cracolândia monetária" (apud Gustavo Franco). A Argentina tem um pedaço de papel pintado –e, por lá, despreza-se tanto a moeda que seu presidente ultraliberal almeja criar uma "concorrência entre moedas". Celebrou-se o 30º aniversário do real num evento na Fundação Fernando Henrique Cardoso. Por que Lula não convidou os pais, os patronos e os guardiões do real para subirem a rampa e celebrarem no Planalto?

Batizou-se "soberano" a primeira moeda de ouro cunhada na Inglaterra em 1489. "Só aquele que tem o poder de fazer lei pode regular a cunhagem", ensinou Jean Bodin, no século 16. Moeda é um dos pilares da soberania nacional. O real é um patrimônio do Brasil, como o Pão de Açúcar e o Pantanal (que arde em chamas...). Mas, por algum motivo, o governo ignorou seu aniversário.

Miguel Reale Júnior - Enfrentar a armadilha

O Estado de S. Paulo

Para nos livrar da direita bolsonarista, o governo deve convocar a Nação para cerrar fileira em torno de um projeto de crescimento com equilíbrio fiscal

Imensa pobreza de espírito domina o ambiente nacional. Questões irrelevantes apresentam-se como preocupações centrais da cena política. Não surge para discussão um projeto de país, com a indicação de pontos cardiais a serem enfrentados e das medidas necessárias.

A ausência de líderes condutores das agremiações políticas torna ainda mais angustiante o sistema de governo presidencialista, caracterizado pela entrega de benesses para obtenção de maioria congressual.

Desde Fernando Collor o País vive crises, que redundaram em impeachments ou na instauração de processos criminais, relativos às práticas de corrupção adotadas para assegurar governabilidade, como retratam os episódios do mensalão e do petrolão.

Carlos Andreazza - Múmia fiscal

O Estado de S. Paulo

O natimorto ‘será preservado a todo custo’. É caro embalsamar?

Fernando Haddad diz que Lula mandou preservar o arcabouço fiscal. Mandou preservar um corpo morto. Natimorto. A ver qual a melhor modalidade de manutenção para o presunto; também para anular o cheiro podre de matéria em decomposição faz tempo. Mumificação? Qualquer uma que ajude o projeto de empurrar a fatura para 2027.

O natimorto “será preservado a todo custo”. É caro embalsamar? Talvez entre na categoria lulofiscalista do gasto “necessário”. O presidente reafirmou o seu empenho pelo equilíbrio das contas públicas nestes termos: “A gente aplica o dinheiro que é necessário. Gasta com educação e saúde o que é necessário. Mas a gente não joga dinheiro fora. Responsabilidade fiscal não é palavra. É compromisso desse governo desde 2003 e a gente manterá à risca”.

Aldo FornazierI - A crise climática piora

CartaCapital

As metas do Acordo de Paris foram para o vinagre. As previsões quanto ao aquecimento global são catastróficas

Não é mais novidade o fato de o mundo estar mergulhado numa sucessão de catástrofes climáticas variadas e praticamente diárias. Tempestades e chuvas violentas, furacões devastadores, secas desertificantes, incêndios dantescos, elevação do nível dos mares, desaparecimento de espécies, poluição assustadora dos oceanos, desaparecimento de rios e nascentes e temperaturas insuportáveis são algumas das múltiplas tragédias que qualquer cidadão pode tomar conhecimento pelo noticiário. Para alguns cientistas, as mudanças climáticas já produzem milhões de mortes.

O que mais assusta e angustia é a omissão criminosa dos governos e a indiferença das sociedades. À exceção de cientistas e ONGs, a crise climática é tratada de forma secundária. O Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, passou quase em branco no Brasil. Nenhuma grande mobilização, ínfima ou nenhuma importância por parte da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais.

Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back - O museu de grandes novidades

CartaCapital

No mercado do dólar, o futuro repete o passado

Todo santo dia, gestores, ­heads de tesourarias e economistas-chefes encontram-se na hora do almoço no restaurante Margem de Garantia, na confraria Milton Friedman, afinal não tem almoço grátis! Ao fundo toca O Tempo Não Para, de Cazuza. Numa dessas mesas, o garçom traz o menu, o prato do dia é onde vamos ganhar dinheiro hoje? Supervariado, cobre, soja, petróleo, ouro, minério de ferro, dólar, juros, ações…. e aí a sobremesa incluída, um terminal online para comprar e vender, na linguagem deles “treidar”!

Prato principal do dia: dólar futuro. Um estagiário levado à confraria indagou: desculpe, o que vem nesse prato?

O garçom, com sua certificação de consultor de investimento, respondeu:

— Cinco contratos de dólar futuro, o mínimo exigido pela B3, cada um tem valor de 50 mil dólares.

Marcus Pestana - Cinco obstáculos ao desenvolvimento

Muitos advertem para as limitações e problemas existentes nas comparações internacionais. É claro que cada país tem sua história, características e circunstâncias. Mas, gostemos ou não, é um termômetro válido. O Brasil, em 1980, tinha um Produto Interno Bruto per capita maior do que o da Coréia do Sul. Hoje (2022) o PIB por habitante deles equivale a US$ 32.422,57 e o brasileiro a US$ 8.917,67, 3,6 vezes maior. Desde a Segunda Guerra Mundial (1945), doze países superaram a armadilha da renda média e entraram no clube dos países desenvolvidos (Coréia do Sul, Hong Kong, Israel, Singapura, Taiwan, Espanha, Grécia, Irlanda, Portugal, Noruega, Austrália e Nova Zelândia). O Brasil continua prisioneiro da armadilha. Onde foi que perdemos o fio da meada do crescimento sustentado? Quais são os obstáculos ao desenvolvimento nacional?