domingo, 18 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Propor nova eleição na Venezuela não tem nexo

O Globo

Ideia foi aventada por Lula, Gustavo Petro e Celso Amorim. Mas já houve pleito em julho — e Maduro perdeu

Na segunda reunião ministerial deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse aos presentes que o venezuelano Nicolás Maduro deveria tomar a iniciativa de convocar uma nova eleição. Uma semana depois, falou publicamente sobre o assunto. “Se Maduro tiver bom senso, podia tentar fazer uma conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar novas eleições”, disse. Horas depois, o presidente colombiano, Gustavo Petro, defendeu a mesma ideia. Em seguida, o assessor para Assuntos Internacionais do Palácio do Planalto, Celso Amorim, negou ter formulado a alternativa, mas voltou a tratar o tema como uma possibilidade. A ideia é um absurdo sem nenhum nexo.

Já houve eleição na Venezuela. Ela ocorreu em 28 de julho — e Maduro perdeu, apesar de o Conselho Nacional Eleitoral, dominado por chavistas, tê-lo declarado vencedor quando a contagem de votos não terminara, e era impossível chegar a tal conclusão. Em desafio ao clamor dentro e fora do país, os boletins com resultado individual de cada urna — conhecidos como “atas” — nunca foram apresentados pelas autoridades. O embaraço do governo com a situação inusitada só não é maior que a fraude. Maduro queria uma eleição apenas para passar um verniz de legitimidade em seu regime ditatorial. Desta vez, o oposicionista Edmundo González ganhou por margem tão eloquente — confirmada por apurações independentes com base nas atas que vieram a público, pela Organização dos Estados Americanos e pelo insuspeito Carter Center — que ficou simplesmente impossível justificar o roubo.

Míriam Leitão - O insensato voo de Ícaro

O Globo

Flávio Dino usa a mitologia grega para mostrar que é risco à democracia o avanço do Congresso sobre poderes do executivo

A última tempestade que se abateu sobre os poderes da República não veio de repente. O excesso de poder do Congresso sobre a execução do Orçamento da União vem se agravando. Em junho, o ministro Flávio Dino avisou aos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, que era preciso corrigir o processo de liberação de emendas para cumprir a decisão do Supremo que, em dezembro de 2022, acabou com o orçamento secreto. Nada foi feito. O fato é que o Congresso contornou e desrespeitou a decisão do STF. Acabou com a emenda de relator e recriou a mesma forma nebulosa e pulverizada de distribuir dinheiro público nas emendas de comissão.

Bernardo Mello Franco – A batalha das emendas

O Globo

Chefão da Câmara arma retaliação para tentar manter farra das emendas

Arthur Lira voltou a Brasília pintado para a guerra. Na primeira semana após o recesso parlamentar, o deputado apontou a faca contra o Supremo Tribunal Federal. Ameaça retaliar a Corte pelo freio na farra das emendas.

O chefão da Câmara está invocado com decisões que restringiram o avanço dos parlamentares sobre o Orçamento da União. O ministro Flávio Dino suspendeu o pagamento das emendas impositivas e exigiu padrões de transparência e rastreabilidade para as chamadas emendas pix.

Lira insinua que Dino, nomeado no início do ano por Lula, teria agido a mando do governo. A tese esbarra no fato de que o Supremo confirmou as liminares por 11 votos a 0. Aí incluídos os dois ministros indicados por Jair Bolsonaro.

Fernando Abrucio e Rafael Viegas - Políticas públicas melhores e sob controle


O Globo

É preciso encontrar um equilíbrio mais saudável entre a autonomia da administração pública e a fiscalização

A redemocratização brasileira gerou grandes transformações institucionais, corporificadas na Constituição de 1988. O objetivo do novo pacto constitucional era construir um Estado mais republicano e voltado ao combate das enormes desigualdades sociais do país. Nesse processo, houve o fortalecimento do controle e a ampliação das políticas públicas para garantir os direitos de cidadania. Esses dois elementos se tornaram peça-chave do sistema político-administrativo, mas está em jogo hoje o relacionamento entre eles.

É inegável que o Brasil melhorou muito nas últimas décadas graças ao controle e às políticas públicas. De um lado, o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público, os Tribunais de Contas e a Controladoria-Geral da União, cada qual de seu modo, foram fundamentais para combater a corrupção e aumentar a transparência da administração pública. De outro, a construção de um amplo Estado de Bem-Estar Social, com ramificação institucional nos três entes federativos, garantiu direitos que nunca tinham chegado à maioria dos brasileiros, como a universalização do ensino fundamental, a melhoria de vários indicadores básicos de saúde e a redução da pobreza.

Merval Pereira - Os ritos na sociedade

O Globo

É esquizofrênica a decisão do STF de acumular as funções de julgador, investigador e acusador na mesma pessoa

A questão dos ritos na vida humana é central. Agora que estamos discutindo as ações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes à frente de vários inquéritos, tanto no STF quanto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é bom rever o papel dos ritos. O ministro alega que “seria esquizofrênico” ele oficiar a si mesmo para tomar alguma decisão, justificando o fato de ter usado métodos informais para acessar sua equipe no TSE e obter informações para seus processos no STF.

Mas esquizofrênica, na verdade, é a decisão do STF de acumular as funções de julgador, investigador e acusador na mesma pessoa. Se houvesse dois ministros trocando informações, talvez um Alexandre avisasse ao outro Alexandre que o poder de polícia alegado do TSE é limitado por decisão de um outro ministro do STF, que foi do TSE. O ministro Edson Fachin disse em 2019 no AI 47738: “O poder de polícia eleitoral, previsto no art. 41, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.504/1997, está relacionado à propaganda eleitoral e compreende a prática de atos preventivos ou inibitórios de irregularidades. As medidas que busquem aplicar sanções ou se distanciem da finalidade preventiva devem ter caráter jurisdicional e obedecer ao devido processo legal”. Que, nos casos em pauta, inclui o Ministério Público, só comunicado depois da decisão.

Elio Gaspari - O STF decidiu ser vidraça

O Globo

Faz tempo, o juiz Sergio Moro ainda não era um campeão nacional com a Lava-Jato, que encarnaria as aspirações gerais, encarcerando empreiteiros larápios. Julgava-se um habeas corpus, e o ministro Gilmar Mendes disse o seguinte:

“O juiz é órgão de controle no processo criminal. Tem uma função específica. Ele não é sócio do Ministério Público e, muito menos, membro da Polícia Federal.”

Isso aconteceu em maio de 2013. Gilmar condenava o comportamento de Moro.

Num exercício de passadologia, imagine-se que Gilmar e dezenas de advogados que criticavam a conduta de Moro tivessem prevalecido.

Os excessos da Lava-Jato teriam sido contidos. O juiz de Curitiba ficaria no seu quadrado e não viria a ser ministro de Bolsonaro. O Ministério Público teria calçado as sandálias da humildade e tudo correria dentro da normalidade e dos ritos judiciais.

Celso Rocha de Barros – O WhatsApp de Alexandre de Moraes

Folha de S. Paulo

Nova temporada da Vaza Jato tem menos ação que a primeira

Fui o primeiro colunista de jornal grande a escrever sobre a Vaza Jato. Nas primeiras semanas, não éramos muitos. Fico feliz que, agora, uma nova série de reportagens de Glenn Greenwald, também sobre o Judiciário e também baseada em mensagens de celular, tenha sido imediatamente repercutida pela grande imprensa. Tenho certeza de que não foi porque desta vez os réus são de direita.

A Folha fez bem em publicar as matérias. O conteúdo do celular de Alexandre de Moraes nos meses do golpe de Bolsonaro tem claro interesse jornalístico. A questão é saber se as irregularidades mostradas nas gravações constituem crime ou se têm impacto substantivo para além do procedimental. A resposta, até agora, é não.

Samuel Pessoa - Emenda impositiva é corpo estranho no nosso sistema político

Folha de S. Paulo

Uma década de presidentes fracos piorou nossas instituições

O ministro do STF Flávio Dino sustou a execução das emendas impositivas até que "os Poderes Legislativo e Executivo, em diálogo institucional, regulem os novos procedimentos conforme a presente decisão".

Os princípios da execução das emendas impositivas são, segundo o despacho do ministro:

Muniz Sodré - Kamala idêntica a Harris

Folha de S. Paulo

Identidade e homogeneidade foram, assim, conceitos-chave da filosofia política e da teoria social do nazismo

Ao questionar o que supõe ser "identidade racial" de Kamala Harris, Trump, besta inquestionável, suscita, entretanto, um objeto de controvérsia que embaraça ativistas políticos. Kamala, de origem indiana e jamaicana, tem pele escura como seus genitores e ancestrais. Em matéria de fenotipia, a Índia é um mosaico, a depender da região. Na Jamaica, Bob Marley seria o padrão.

Mas a pele clara também tem grandes variações: os escandinavos diferem dos gauleses, dos eslavos e assim por diante. O comum é a despigmentação. Branco e negro são categorias morfofenotípicas criadas pelo pensamento colonial a partir da falsa ideia de raça. Não identificam, tentam classificar.

Lourival Sant’Anna - O voo de Kamala Harris

O Estado de S. Paulo

O que pode salvar Kamala Harris é a rejeição do eleitor americano a Donald Trump

No dia 21 de julho, escrevi aqui que Joe Biden já havia desistido da corrida presidencial, que provavelmente apoiaria Kamala Harris, e a iniciativa da disputa estava com os democratas. Horas depois, Biden anunciou essas decisões. E Kamala tirou de Donald Trump o favoritismo.

Pela média das pesquisas nacionais, calculada pelo site FiveThirtyEight, Kamala tem 46,3% das intenções de voto, ante 43,7% de Trump. Bem mais significativo: ela está à frente 4 pontos porcentuais nos três Estados decisivos: Pensilvânia, Michigan e Wisconsin.

Celso Ming - Melhora a atividade econômica

O Estado de S. Paulo

Mais um indicador apontou para importante melhora na atividade econômica do Brasil. Trata-se do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) que mostrou em junho um avanço de 1,4% sobre o mês anterior e de 1,6% em 12 meses terminados em junho.

O avanço surpreendeu analistas e consultores. Os cálculos eram de que dificilmente o IBCBr ultrapassaria 0,5%.

Apenas para quem não está habituado com essas siglas e com os medidores oficiais da economia, o IBC-Br é uma ferramenta estatística que procura antecipar, com alguma aproximação, o ritmo da atividade. O PIB sai apenas a cada trimestre e, ainda assim, cerca de dois meses e pouco depois de terminado o trimestre.

Maílson da Nóbrega - A morte do Orçamento da União

O Estado de S. Paulo

Sem atacar a questão dos gastos mandatórios, o encontro com a crise será inevitável. Lula acelera esse desfecho, em vez de mobilizar a sociedade e a classe política em favor das reformas necessárias

Nenhum país minimamente relevante terá promovido a destruição do Orçamento como o Brasil. Para isso contribuiu uma maioria com poder de criar privilégios e tratamentos diferenciados. Além disso, o presidente Lula da Silva deseduca a sociedade com sua ideia equivocada, repetida continuadamente, de que gasto em educação e saúde não é gasto, mas investimento. Na verdade, qualquer despesa está sujeita ao princípio da restrição orçamentária, isto é, há limites para o seu crescimento.

O Orçamento é a lei econômica mais importante de uma nação. Suas origens remontam ao Egito antigo, à Babilônia e ao Império Romano. Credita-se ao rei Henrique I da Inglaterra, que governou de 1100 a 1135, o primeiro Orçamento moderno, mas sua relevância nasceu das três revoluções do Ocidente: a Revolução Gloriosa inglesa (1688), a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789).

Luiz Carlos Azedo - Com Silvio Santos candidato, a história seria outra

Correio Braziliense

O apresentador recusara todos os convites para ingressar na política, mas a eleição direta para a Presidência, com apoio de Sarney, era muito tentadora

A história poderia ter sido outra na primeira eleição direta para presidente da República após a redemocratização, que elegeu Fernando Collor de Mello, numa disputa de segundo turno com outro candidato que surpreendeu os políticos da época, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem poderia ter mudado esse curso? O apresentador e empresário Silvio Santos, fundador e dono SBT, que faleceu na madrugada deste sábado, em São Paulo, aos 93 anos. Seu nome de batismo era Senor Abravanel.

O “dono do Baú da Felicidade” era considerado um aventureiro diante de figuras como Ulysses Guimarães (PMDB), Mario Covas (PSDB0, Leonel Brizola (PDT), Paulo Maluf (PDS) e Aureliano Chaves (PFL). Ma non troppo. Tinha um padrinho poderoso, o ex-presidente José Sarney, que havia virado vidraça na campanha eleitoral, porque ninguém o defendia. Outros candidatos também confrontavam Sarney: Afonso Camargo (PTB), Afif Domingos (PL), Celso Brant (PMN), Fernando Gabeira (PV), Roberto Freire (PCB) e Ronaldo Caiado (PSD). E o histriônico Eneas (PRONA), que se destacou entre os desconhecidos.

Eliane Cantanhêde - Silvio Santos não veio aí!

O Estado de S. Paulo

O ‘Berlusconi do Brasil’ não passou de um voo de galinha nas eleições de 1989 e de 2002

Primeira eleição direta após a ditadura militar, a elite apavorada com o “risco” de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva ou de Leonel Brizola e a surpresa Fernando Collor de Melo disparando. Era 1989 e um passarinho me alertou para uma reunião sigilosa que aconteceria num resort às margens do Lago Paranoá em Brasília, no dia seguinte. Foi nessa reunião que Silvio Santos disse sim à aventura de concorrer à Presidência da República.

A Academia de Tênis Resort tinha bangalôs, com os quartos em cima e garagens individuais em baixo. Pedi um copo d´água ao motorista e fui ficando por ali, o suficiente para ouvir fragmentos da conversa que ocorria logo acima. Corri para a redação do Estadão e escrevi o que imaginei ser a manchete do dia seguinte: Silvio Santos candidato! Mas o jornal achou tão absurdo que só publicou discretamente uns poucos parágrafos.

Ricardo José de Azevedo Marinho - Propósito Educacional

Os debates sobre os problemas e dificuldades mais imediatas da educação geralmente adiam a discussão substantiva sobre o seu propósito nas atuais circunstâncias históricas. No entanto, ambos os planos estão intimamente relacionados entre si.

As principais questões preocupantes em relação à educação hoje no Brasil – como controlar a violência escolar, melhorar o desempenho acadêmico, alcançar maior equidade e garantir uma melhor coexistência – estão efetivamente ligadas ao propósito educativo das sociedades contemporâneas. Qual é esse propósito? Em suma: qualificar as pessoas com as competências e conhecimentos necessários para uma vida produtiva, integrá-las no mundo das normas e valores típicos da coexistência em sociedades diversas e em mudança, e dotá-las de capacidades para agir de forma responsável. Historicamente, a educação aparece – juntamente com a lei, entre outras expressões da civilização – como um meio poderoso para debelar a agressividade social e socializar os indivíduos nos valores comunitários. Ensina, portanto, como conviver, como autorregular os impulsos destrutivos e como reconhecer a diversidade. Implica aprender que qualquer ordem baseada na liberdade das pessoas significa também submeter-se às regras, às disciplinas e às disposições das autoridades democraticamente legítimas em todas as dimensões da vida individual e coletiva.