domingo, 8 de setembro de 2024

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira* (A democracia desafiada)

“No centro dos capítulos que se seguirão está a questão da democracia. Trata-se de uma escolha sustentada pela convicção de que não teremos um futuro promissor sem arranjos democráticos sustentáveis. Podemos e devemos discutir de “qual democracia” estamos a falar, que peso deverão ter nela os princípios liberais e socialistas, de que modo será feita a participação dos cidadãos, se os partidos políticos devem ter maior relevo do que as redes sociais, qual o melhor regime para a tomada de decisões, e assim por diante. Mas não há como renunciar à democracia como valor estratégico. Sem isso estaremos sempre a um passo da escuridão autoritária.

Somos protagonistas de uma grande transição. Ela se estrutura sobre três eixos dominantes: (a) a vida nacional se globalizou; (b) o capitalismo industrial se converteu em capitalismo informacional; e (c) a modernidade se se radicalizou e se tornou hipermodernidade. Cada um desses eixos tem repercussões fortíssimas no dia a dia, na organização social, nas formas da política, no estado, na economia e na cultura, no corpo e na alma das pessoas.”

*Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp. “Democracia desafiada. Recompor a política para um futuro incerto”. Introdução, p. 11. Ateliê de Humanidades Editorial, Rio de Janeiro, 2023.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Orçamento de 2025 expõe limites do arcabouço fiscal

O Globo

Além do conhecido engessamento, projeto no Congresso superestima receitas e subestima despesas

A proposta orçamentária para 2025 encaminhada pelo governo ao Congresso revela não apenas os problemas conhecidos que atravancam o Estado brasileiro. Também inaugura uma lista de novos problemas, provocados pelo novo arcabouço fiscal e pelo ímpeto gastador do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

No campo das dificuldades que se repetem ano após ano, está o engessamento das despesas. No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), 93% têm destinação fixa. São gastos com funcionalismo, Previdência, programas sociais, subsídios e vinculações obrigatórias gravadas na lei. Quanto a isso, nada tem mudado. O que mudou, como resultado do arcabouço fiscal, foi a autorização para o governo abrir espaço a mais gastos. Na prática, o projeto superestima receitas e subestima despesas. Para ampliar receitas, prevê crescimento do PIB de 2,6%, muito além do consenso do mercado. No relatório Focus do Banco Central do final de agosto, a estimativa era de 1,85%. A surpresa positiva no PIB deste ano deverá aumentá-la, mesmo assim o otimismo do governo é exagerado.

Pedro Malan - Crescentes incertezas até outubro de 2026

O Estado de S. Paulo

À diferença do poeta de Fernando Pessoa, que chegava a fingir que era dor a dor que deveras sentia, Lula está convencido de que não são gastos certos gastos que deveras realiza

É sabido que a existência de governos capazes, confiáveis e efetivos operacionalmente é uma das mais importantes características das experiências bem-sucedidas de crescimento econômico sustentado no longo prazo. O papel das lideranças políticas responsáveis é o de contribuir para reduzir – e não aumentar – os graus de incerteza sobre o futuro. Não através de promessas e discursos contra inimigos do país e do povo, internos ou externos, mas através de exercícios consistentes em diálogos com base em moderação, serenidade, postura e compostura que possam inspirar um mínimo de confiança e cooperação na busca de compartilhados objetivos maiores.

À diferença do poeta de Fernando Pessoa, que chegava a fingir que era dor a dor que deveras sentia, o presidente Lula está convencido de que não são gastos certos gastos que deveras realiza. Não só está convencido, como pretende convencer o público em geral de que muitos dos seus gastos são, na verdade, investimentos no País e no seu futuro. Todos com alta taxa de retorno social, ou compromissos de campanha que devem ser honrados.

Rolf Kuntz - Confiança, boa notícia; gastança, rima infeliz

O Estado de S. Paulo

Dados de inflação e juros tornam especialmente valioso o otimismo captado pela FGV, mas também realçam o perigo da inclinação presidencial para gastar

Confiança em alta entre consumidores e empresários pode facilitar a vida do presidente Lula neste semestre, dispensando-o de antecipar o Natal para outubro, como fez o companheiro Nicolás Maduro, ditador da Venezuela. Nada o dispensa, no entanto, de realizar seu trabalho, cuidando bem do dinheiro público, evitando um novo rombo orçamentário e buscando, por meio de reformas, desengessar as finanças do governo. O País teve um primeiro semestre vigoroso, com produção 2,9% superior à de um ano antes, emprego em alta e maior rendimento para os trabalhadores. Os novos desafios incluem o risco de inflação maior e o desarranjo das contas públicas.

Apesar da melhora na economia, os níveis de confiança ainda ficaram em agosto, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), abaixo do nível neutro, correspondente a 100 pontos. Tendo subido pelo quarto mês consecutivo, o indicador empresarial atingiu 97,9 pontos. No caso dos consumidores, depois de três meses de avanço foi alcançado o patamar de 93,2 pontos. Endividamento e inadimplência ainda elevados limitam, de acordo com o relatório, o otimismo das famílias.

Vinicius Torres Freire - Lula pode cumprir meta fiscal de 2024

Folha de S. Paulo

PIB foi maior do que o previsto por 'o mercado'; déficit primário pode ser menor

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva pode cumprir sua meta fiscal para 2024, ainda que passe de ano raspando. A possibilidade já consta de relatórios dos economistas de instituições financeiras relevantes. Depois do crescimento imprevisto do PIB e, em parte até por causa disso, poderia haver surpresa fiscal.

A meta para este ano é de equilíbrio primário: nem déficit nem superávit. Isto é, despesa igual à receita (afora gasto com juros). A meta, na verdade, é uma banda, uma faixa: se o governo tiver déficit de até 0,25% do PIB, cumpre o objetivo. Algumas projeções na praça, de fato ainda poucas, são de déficit de quase 0,25%.

Esse resultado pode ser qualificado por um monte de senões, "poréns", críticas. Mas, mesmo com todas essas ressalvas, já se previu déficit bem maior (a Fazenda acertou mais que a mediana de "o mercado"). Por ora, as previsões de déficit entre departamentos de economia mais ponderados vão de 0,3% a 0,7% do PIB, diferença enorme (perto de R$ 50 bilhões).

Muniz Sodré - 'Enfim só' é voto secreto da sologamia

Folha de S. Paulo

E na mídia a fratura do sujeito singular multiplica-se a tal ponto que a pessoa digital não mais corresponde à original

casamento da espanhola Vanessa Garcia consigo mesma foi noticiado pela imprensa como pitoresco "fait divers", isto é, como evento insólito que se desvia das normas naturais ou culturais. Essa expressão francesa, corrente no jornalismo do século passado, caiu em certo desuso, mas não sua aplicação conceitual a fenômenos semelhantes.

A passagem do tempo revela uma diferença crucial. O fait divers clássico atraía pela confusão entre real e imaginário, que dava margem a um texto fabulativo, como na ficção popular, impregnada por enigmas, acaso e destino. Também em eventos quase anedóticos: "A velhinha afugentou os assaltantes a tiros".

Com fatos dessa ordem, o jornalismo explorava o modo como o cotidiano podia corresponder à invenção romanesca, seduzindo leitores. Mas hoje, no campo da realidade digital, o inverossímil que pretende se tornar verdade adquire outro estatuto.

Ruy Castro - Trevas a caminho

Folha de S. Paulo

Casos de racismo na Europa contrariam uma tradição de abraçar quem viesse de fora, não importava a cor da pele

Duke Ellington passava o ano se apresentando com sua orquestra em cidades dos EUA. Com ele, viajavam 18 músicos, alguns com suas mulheres, e a equipe de ajuda. Ao fim de cada show, tinham de procurar um hotel de beira de estrada que aceitasse hóspedes negros. O cantor Billy Eckstine, cujos olhos verdes fascinavam as mulheres brancas, não era aceito nos estados do Sul. E, em Las Vegas, Nat King Cole não podia frequentar e se hospedar nos cassinos e hotéis em que cantava para plateias de milhares. Duke, Billy e Nat eram negros. Eram também príncipes. Mas assim eram os EUA.

Elio Gaspari - A crise ambiental mudou de patamar

O Globo

Vistos como profetas da catástrofe, os ambientalistas se revelaram clarividentes

A crise climática está aí. O país vive a maior seca em mais de meio século, dois mil municípios estão em condições de risco e cidades são tomadas pela fumaça dos incêndios. No Dia da Amazônia, soube-se que, em agosto, a região teve 38 mil focos de queimadas, um número superior aos anos de Bolsonaro. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse no Senado que o bioma do Pantanal pode desaparecer até o fim deste século.

Os ambientalistas tinham razão. Vistos como profetas da catástrofe, revelaram-se clarividentes. E agora? O pior cenário seria a continuação do que acontece há décadas. Os defensores do meio ambiente reclamam, nada acontece (ou faz-se uma lei) e as coisas continuam na mesma. A orquestra toca a partitura errada e alguns instrumentos não tocam como deviam.

Antes da posse de Lula, circulou a proposta de se cuidar do meio ambiente por meio de uma política de transversalidade. Por trás dessa palavra que pode dizer muito, ou nada, o problema ambiental seria enfrentado por uma agência, fosse o que fosse, prevalecendo sobre as burocracias dos ministérios.

Merval Pereira - As voltas que o STF dá

O Globo

O ministro Alexandre de Moraes foi o grande homenageado no desfile oficial de 7 se setembro, e o grande vilão da manifestação da Avenida Paulista liderada por Bolsonaro

Muito antes de existir Bolsonaro como personagem política relevante, havia o mensalão e o petrolão, depois veio a Operação Lava-Jato, respaldada seguidamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que, durante cerca de cinco anos, recusou sistematicamente os recursos da defesa do ex-presidente Lula, tornando-se alvo dos petistas. Batendo continência para o juiz num aeroporto, Bolsonaro não foi reconhecido pelo magistrado, e houve quem comemorasse o aparente desprezo de Sérgio Moro. O encarceramento de Lula deu-se porque a prisão em segunda instância foi aprovada pelo Supremo, e a esquerda colocava o STF como seu inimigo.

De repente, não mais que de repente, o Supremo mudou de posição. Acabou com a prisão em segunda instância, e descobriu que a Operação Lava-Jato em Curitiba não tinha jurisdição para julgar os casos. Decidiu também, com base em provas ilegais, que o juiz Sergio Moro era suspeito. Ontem, depois das muitas voltas que o mundo dá, especialmente no Supremo, o ministro Alexandre de Moraes foi o grande homenageado no desfile oficial de 7 se setembro, e o grande vilão da manifestação da Avenida Paulista liderada por Bolsonaro.

Bernardo Mello Franco – o X da questão

O Globo

Ao forçar bloqueio do X, bilionário usa o Brasil em cruzada contra a democracia

O Brasil sobreviveu à primeira semana sem tuitar. Na contramão das previsões mais pessimistas, a suspensão do X não fez o país voltar à era do telégrafo. Quem sentiu falta da rede encontrou refúgio em concorrentes como Bluesky e Threads.

Os ministros da Primeira Turma do STF foram unânimes ao referendar a decisão de Alexandre de Moraes. Cármen Lúcia lembrou que o acesso à plataforma do bilionário Elon Musk só foi cortado após o descumprimento “agressivo e belicoso” de sucessivas ordens da Justiça.

Flávio Dino ressaltou que nenhuma empresa pode escolher quais determinações judiciais vai cumprir. “O poder econômico e o tamanho da conta bancária não fazem nascer uma esdrúxula imunidade de jurisdição”, resumiu.

Celso Rocha de Barros – A Economist e a suspensão do Twitter

Folha de S. Paulo

Em editorial, The Economist ignorou que a origem do conflito está na recusa da rede social em suspender contas que divulgaram desinformação durante a tentativa de golpe

Em sua última edição, a revista britânica The Economist publicou um editorial sobre redes sociais e liberdade de expressão, criticando a suspensão do Twitter no Brasil. O texto tem o mérito de ser uma oportunidade de ouro para uma errata de página inteira.

A revista britânica apoia a ofensiva das instituições francesas contra o Telegram, um aplicativo que se tornou lugar seguro para se traficar drogas, vender contrabando e distribuir pornografia infantil.

Concordo inteiramente com a The Economist: quando alguém entra no Telegram e escreve "vendo pornografia infantil", deve ser suspenso, não pela frase que escreveu, mas pelo que fez ao escrevê-la: ofereceu fotos de crianças abusadas em troca de dinheiro. Não há qualquer opinião cuja liberdade precise ser defendida aqui, porque não é de opiniões que se trata.

Eliane Cantanhêde - Direitos Humanos X Igualdade

O Estado de S. Paulo

Crise atinge alma do governo e foca o direito da vítima de ser simplesmente vítima

Em 2024, as mulheres ainda lutam pelo direito de ser simplesmente vítimas, quando vítimas são, sem serem tratadas como suspeitas, acusadas, rés, jogadas contra a parede e à exposição pública para comprovar (com detalhes sórdidos) como foram abusadas, assediadas, agredidas, estupradas. Ou, pior: por que foram?

Uma pergunta que paira no ar até mesmo para mulheres assassinadas por monstros covardes. Basta!

A esfera policial e jurídica é uma, com seu tempo, as leis, regras, depoimentos, provas. A esfera política e pedagógica é outra, exigindo rapidez e contundência diante de evidências, contextos e relatos consistentes.

O ex-ministro Silvio Almeida passará pelo processo legal, com amplo direito de defesa, mas o presidente Lula não podia esperar.

Míriam Leitão - Desvios a evitar na crise do assédio

O Globo

Nada do que houve rasga bandeira alguma, a luta antirracista e a luta feminista continuam vigorosas, necessárias e promissoras

Doloroso e inevitável. O caso Silvio Almeida precisa ser encarado por mais difícil que seja. É preciso entender alguns pontos incontornáveis: primeiro, a vítima é a mulher que foi assediada — as mulheres— não há relativização possível. Segundo, é difícil falar. Qualquer mulher que, em algum momento, sofreu a mesma violência conhece o peso de levar a público detalhes da história que viveu. Terceiro, nada do que houve rasga bandeira alguma, a luta antirracista e a luta feminista continuam vigorosas, necessárias e promissoras. Por fim, a única reação do governo Lula era demitir o ministro dos Direitos Humanos, dado que recaía sobre ele suspeição de ter ferido direitos humanos.

Dorrit Harazim – Sem reparo

O Globo

As denúncias de assédio moral e sexual contra o ministro abalam vidas e carreiras

Primeiro de janeiro de 2023. A foto-pôster de Lula 3 com seu megaministério recém-empossado (37 pessoas) é histórica, não só pela diversidade racial, étnica e geracional que emana. Todos estão sorridentes, descontraídos, como se o futuro tivesse chegado ao país. A inédita profusão de mulheres daquele primeiro escalão original (11) apontava, para além de seu colorido, um esperançoso patamar de conquistas por vir. Silvio Almeida fora posicionado na primeira fila à direita do presidente, dele separado apenas pelas ministras Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e Cida Gonçalves (Mulheres). Anielle Franco também fora colocada na primeira fila, mais perto ainda do mandatário — tinha apenas o vice Geraldo Alckmin a separá-los. Quanta ironia, à luz da hecatombe da semana passada.

Luiz Carlos Azedo - Assédio na Esplanada expõe disputa de poder

Correio Braziliense

Na medida em que os bastidores do caso estão sendo revelados, vê-se que o governo se enredou numa estratégia para abafar o escândalo, revelado por denúncias anônimas

A demissão do ministro dos Direitos Humanos, Sílvio Almeida, acusado de assediar sexualmente a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não pôs um ponto final na crise envolvendo os principais atores do inédito escândalo na Esplanada. A ministra, por motivos óbvios, não revela os detalhes do que aconteceu, enquanto o ex-ministro se diz inocente e divulga diálogos entre ambos que deixam um ponto de interrogação, em razão do nível de intimidade pessoal e cumplicidade política que havia entre ambos.

Entretanto, pesam contra o ministro outros depoimentos de supostas vítimas de assédio sexual. O mais contundente é o de Isabel Rodrigues, ex-aluna de Silvio Almeida e candidata a vereadora da cidade de Santo André, na região metropolitana de São Paulo, pelo PSB. "Sentei do lado dele e não sei por qual motivo ele se achou no direito de invadir as minhas partes íntimas sem o meu consentimento", disse, em vídeo publicado no seu Instagram.