sábado, 5 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Taxação de multinacionais inspira cuidados

O Globo

É preciso integrar Brasil a acordo global, mas evitar que novo imposto seja pretexto para mais gastos

O governo federal acaba de impor a tributação mínima de 15% sobre o lucro de multinacionais que operam no Brasil, cumprindo acordo negociado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e assinado por 140 países. Trata-se de um passo na direção de um ordenamento tributário comum para evitar distorções na taxação dessas empresas, obrigando-as a recolher impostos nos países onde geram empregos e produzem, e não apenas onde mantêm suas sedes. A medida tem o mérito de adequar o Brasil a normas internacionais, mas também embute riscos. O principal é o governo tentar aproveitar para elevar a carga tributária sobre empresas globais, com o objetivo de financiar o aumento de despesas que ameaça o equilíbrio fiscal.

Prevista para entrar em vigor no ano que vem, a taxação, instituída por Medida Provisória (MP), valerá para empresas com faturamento anual superior a € 750 milhões. O imposto para corporações no Brasil é de 34% do lucro, mas a alíquota efetiva pode ficar abaixo de 15%, a depender de incentivos fiscais e do planejamento tributário de cada contribuinte. A Receita informou que, em 2022, 957 das 8.704 empresas que estariam no escopo da MP pagaram menos de 15%. Estas teriam de pagar a diferença, de modo que a alíquota ficasse exatamente em 15%.

Cristovam Buarque - Santa raiva

Veja

A tragédia educacional precisa ser vista como a da escravidão

O movimento abolicionista só cresceu quando, em vez da simpatia à liberdade dos escravos, passou a usar a raiva contra a perversidade da escravidão e a denunciar a estupidez desse sistema para o progresso do país. Há décadas, nossos educacionistas defendem o direito de todos a uma escola com qualidade, mas a educação continua entre as piores e mais desiguais do mundo; sabe-se que a deseducação é uma barreira para nosso progresso, mas o eleitor não vota por educação, sobretudo se o candidato lembrar que essa prioridade exige relegar outros gastos.

Apenas com discurso simpático, educação não estará entre as prioridades dos políticos. Ainda mais agora, quando os resultados eleitorais são motivados mais pela raiva aos políticos do que por simpatia a uma causa.

Leonardo Avritzer - Não está tudo dominado

CartaCapital

Enquanto a extrema-direita avança pelo Brasil, o eleitorado de três grandes capitais do Sudeste move-se para o centro

As eleições municipais deste ano estão revelando três fenômenos cuja relação entre si ainda não está completamente clara. O primeiro deles, apontado por nós há algumas semanas em CartaCapital e, em seguida, por diversos outros analistas, é que tudo indica nestas eleições uma certa hegemonia das forças políticas de direita, que já tinham sido vitoriosas nas eleições de 2016 e 2020. Existe a possibilidade de que nestas eleições a direita consolide a sua força em importantes capitais do ­País. No entanto, a dimensão da vitória da direita na eleição do próximo domingo não está clara e pode ser contida em alguns espaços porque há um segundo fenômeno, que está em tensão com o primeiro e sendo menos notado por analistas. Ele está ligado ao fato de que, apesar de a extrema-direita estar fortalecida na disputa por capitais neste ano, esses partidos da extrema-direita não têm, neste momento, a confiança do eleitorado das três grandes capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Bets e mercados financeiros

CartaCapital

Os homens de negócio jogam um jogo que é um misto de habilidade e de sorte, e cujos resultados médios são desconhecidos pelos jogadores

As bets, casas de apostas online, assumiram a liderança nos debates travados na Terra Brasilis. Antes de se entregarem ao vício das bets, os brasileiros experimentaram as incertezas do jogo do bicho, as angústias do jogo de cartas ou das roletas. Diga-se, os chamados “jogos de azar” sempre frequentaram os espaços da ambição que incomoda o espírito de homens e mulheres. Restringir aos brasileiros o hábito vicioso das apostas é uma impropriedade. Assim como é impróprio inquinar de viciosas apenas as apostas dos jogos de azar. Essa crítica moralizante esconde os impulsos que comandam as decisões nas economias monetário-financeiras capitalistas.

Hélio Schwartsman - Paradoxos eleitorais

Folha de S. Paulo

Nenhum sistema de votação é perfeito, mas alguns são melhores do que outros

Uma das coisas mais difíceis na democracia é contar os votos. Não me refiro obviamente ao delírio bolsonarista segundo o qual as urnas eletrônicas seriam manipuladas. O sistema eleitoral brasileiro só melhorou depois que elas foram adotadas. Tenho em mente aqui um problema que é a um só tempo mais sutil e mais profundo.

Ao menos desde de Condorcet, no século 18, e de Arrow, no 20, sabemos das dificuldades para transformar somas de preferências individuais em decisão coletiva sem gerar paradoxos.

Dora Kramer - O inesperado faz surpresas

Folha de S. Paulo

Eleição não se ganha de véspera, e por isso mesmo as urnas revelam tantas surpresas

Eleição não se ganha nem se perde de véspera, embora seja esta a ocasião em que mais se especula sobre quem vai comemorar vitórias ou amargar derrotas. Isso ficou mais forte desde que o advento das pesquisas de intenção de votos tomou conta da cena.

Antigamente, na pré-história dos anos 1980, quando o Brasil começou a retomar eleições diretas nos estados (1982), nas capitais (1985) e à Presidência da República (1989), a medição da vontade do eleitor era fruto do trabalho da imprensa, com repórteres à caça do "clima" país afora.

Alvaro Costa e Silva – Na reta final, Eduardo Paes pula do muro

Folha de S. Paulo

Com crescimento de Ramagem, eleição no Rio se 'nacionaliza' e esquenta na reta final

Cláudio Castro protagonizou um episódio de comédia ao fazer o papel do espião trapalhão em mais uma tentativa de ajudar Alexandre Ramagem —cuja campanha a prefeito baseia-se na segurança pública— e livrar a própria cara das críticas sobre a dificuldade do governo estadual em conter a violência.

Castro publicou um vídeo mostrando, em detalhes, as novas viaturas descaracterizadas que sua gestão vai entregar à PM, especificamente ao setor de inteligência. As imagens revelaram como são os carros que deveriam ser usados de maneira "disfarçada". Só faltou exibir os números das placas: "Nem parece viatura, né? A ideia é exatamente essa. São 38 carros sem caracterização alguma", disse o governador com pinta de Peter Sellers interpretando o inspetor Clouseau na série "A Pantera Cor-de-Rosa".

Bolívar Lamounier - Ousar ou perecer

O Estado de S. Paulo

Se as instituições e os eleitores acordarem para os riscos que inexoravelmente teremos de enfrentar no médio prazo, já será alguma coisa

Meus caros amigos e amigas leitores por certo se lembram do Brasil, um país que em certa época chegou a ter bons governos e progredir.

Pois é, aquele país parece estar desaparecendo. A continuar como está, o que se pode entrever é que cedo ou tarde ele se renderá à jogatina, à ferocidade de certas indústrias e ao banditismo propriamente dito.

Mesmo no nível municipal, guardamos na memória algumas boas campanhas e autoridades dignas dos cargos que vieram a ocupar. Neste ano da graça de 2024, se o voto não fosse obrigatório, com certeza teríamos uma baixa recorde no comparecimento.

A parte pensante de nossas elites, notadamente os economistas, tem feito incontáveis alertas sobre a gravidade da crise que se delineia no horizonte. Se tal tendência não for contida por líderes de maior calibre e de forma ousada, a situação de médio prazo não será para almas frágeis. Num rápido apanhado, creio ser necessário destacar dois pontos: a eleição presidencial de 2026 e a Constituição de 1988.

Miguel Reale Júnior - Revisão das leis dos crimes ambientais

O Estado de S. Paulo

Cumpre alterar a Lei 9.605/98, discernindo entre o que cria perigo à incolumidade humana, animal ou vegetal e o que é mera desobediência a ditames regulamentares

A crise climática, a irromper no futuro, já chegou. Para enfrentá-la, proclamam que se deve aumentar a pena dos crimes ambientais. A questão é mais complexa, pois cumpre alterar grande parte da Lei n.º 9.605/1998, discernindo entre o que cria perigo à incolumidade humana, animal ou vegetal e o que se resume a ser mera desobediência a ditames regulamentares.

Sem dúvida, cabe a intervenção do legislador, sancionando, como medida preventiva, situação propícia a aflorar perigo ao meio ambiente. Muitas dessas ações constituem infrações obstáculo, de cunho administrativo e não penal, precauções para impedir atividade prévia à ofensa ao meio ambiente.

Carlos Andreazza - Moody’s e o voo de galinha

O Estado de S. Paulo

A Moody’s que dá é a mesma que tirará. Já vimos essa fita. Serve-nos aqui o clichê da comparação entre fotografia e filme. A agência aumentou o grau de confiança no Brasil observando o impulso da galinha ao disparar seu voo. Boa foto.

A galinha alçou-se tirando mais as patas do chão do que se projetava. Salto que surpreende; surpresa cujo encanto faz negligenciar o fato de ser uma galinha quem se lança. Galinha manjada. Que já deu seus pulos no passado.

A Moody’s deu pouca importância ao fato de ser uma galinha quem se alavanca, donde talvez a pouca relevância ao exercício de memória sobre como fora a aterrissagem do bicho quando da armação artificial de voo anterior. Não foi bem uma aterrissagem. Pagamos por ela até hoje. Catamos as penas até hoje.

Eduardo Affonso - Que voto útil é esse?

O Globo

Integrantes da elite pensante, outrora conhecida como ‘intelligentsia’, supõem deter a reserva de mercado da democracia

Os 13 anos de bipartidarismo forçado, durante a ditadura militar, parecem ter deitado raízes mais profundas em nosso sistema político (ou na nossa psique) que os 45 de pluralidade partidária que vieram depois. Tomamos gosto pelo clima de “cara ou coroa”, “par ou ímpar”, “ou isso ou aquilo”, como se cada eleição majoritária fosse um plebiscito.

Nem a introdução dos dois turnos arrefeceu esse ânimo. A ideia de ter de dialogar com potenciais aliados, repactuar propostas, negociar (no melhor sentido!) e buscar convergências para alcançar maioria numa segunda rodada soa perda de tempo. Por que não resolver a parada logo de cara, deixando aos (muitos) perdedores as batatas? É tentador ganhar no arrastão, sem ter de aprofundar o debate e acolher maior diversidade de ideias.

Pablo Ortellado - Mão pesada contra as crianças

O Globo

Precisamos fazer o balanço crítico de excessos na resposta do Estado brasileiro a ataques a escolas

Uma reportagem publicada na semana passada pelo jornal The New York Times mostrou que, depois de um atentado numa escola no estado americano da Georgia, mais de 700 crianças foram presas por fazer ameaças —inclusive ameaças não críveis, como trotes.

No dia 4 de setembro, um adolescente de 14 anos invadiu uma escola na área metropolitana de Atlanta e atirou em mais de 11 pessoas . Dois estudantes e dois professores foram mortos. O crime chocou os Estados Unidos. Como costuma acontecer nesses casos, o atentado foi seguido de uma explosão de novas ameaças. Devido ao “efeito contágio” — o estímulo a novos ataques gerado por um atentado bem-sucedido —, as autoridades foram obrigadas a levar cada ameaça a sério e a investigá-las.

A reportagem do New York Times mostrou que, nesse esforço investigativo e repressivo, muitos excessos foram cometidos contra crianças que aparentemente apenas passavam trotes. Um menino no estado de Ohio, de apenas 10 anos, enviou uma mensagem pelo Snapchat dizendo que haveria tiroteios em escolas próximas. Foi preso enquanto estava na escola por provocar pânico e ficou num centro de detenção juvenil por dez dias, sem entender o que estava acontecendo. Não foi a única criança presa por passar um trote. As operações policiais nos Estados Unidos levaram à prisão de 700 — 10% delas com menos de 12 anos.

Carlos Alberto Sardenberg - Questão de confiança. Ou de desconfiança

O Globo

A despesa obrigatória consumirá cada vez mais o Orçamento, sobrando menos para investimentos e custeio

Não é propriamente uma questão de fé. Há muitos números envolvidos neste caso. Mas é, certamente, uma questão de confiança. A seguinte: você acha que o governo executará as regras do arcabouço fiscal e alcançará as metas de equilíbrio das contas públicas? Para complicar, não é um caso de sim ou não. Qualquer resposta vem com uma adversativa, para o sim, e um complemento, para o não.

O debate esquentou nesta semana quando a agência de classificação de risco Moody’s, uma das três mais importantes, elevou a nota de crédito do Brasil. E surpreendeu a maioria dos economistas brasileiros.

Nota de crédito mede a capacidade de um país pagar sua dívida pública. Não zerar, é claro, pois nenhum governo consegue fazer isso. Mas é preciso ter capacidade de honrar a dívida regularmente, o que significa pagar em dia as prestações e os juros.