sábado, 26 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Violência no Rio expõe política de segurança deficiente

O Globo

Enquanto não houver coordenação de governos federal e estaduais, crime organizado continuará a vencer

Não há como ficar indiferente às cenas de horror registradas na manhã de quinta-feira durante operação da Polícia Militar no Complexo de Israel, conjunto de favelas na Zona Norte do Rio, para reprimir o roubo de veículos e de carga. Os bandidos que dominam as comunidades reagiram de forma violenta, impondo caos e medo. Em meio à chuva de tiros, três inocentes morreram baleados a caminho do trabalho. Outros três ficaram feridos. Principal via do município, a Avenida Brasil, por onde circulam 200 mil veículos diariamente, teve de ser interrompida por duas horas. Escolas, unidades de saúde, estações de trem e BRT também precisaram ser fechadas.

Causaram perplexidade não apenas as imagens dramáticas de cidadãos deitados no asfalto, escondidos sob ônibus ou agachados. Chocou também o recuo da polícia ante a resistência dos bandidos. A PM reconheceu não esperar reação tão forte dos traficantes. A decisão de recuar para evitar mais mortes foi acertada, mas é inevitável constatar que as organizações criminosas estão mais bem preparadas e são mais ousadas que as forças de segurança. No Rio, bandidos fazem o que querem. Em comunidades como a Muzema, andam armados à luz do dia.

Marco Aurélio Nogueira - Dilemas e desafios

O Estado de S. Paulo

A extrema direita não mostrou tanta força e se dividiu; a esquerda não conseguiu se projetar. Ambas não captaram a cabeça do eleitorado, que carrega novas pautas e hábitos

As eleições municipais de 2024 puseram em xeque uma polarização que já não corresponde à realidade nacional. Lula da Silva e Jair Bolsonaro não se confrontaram. Dobraram-se a uma clara inclinação eleitoral ao centro, que se derramou pelo País todo. Houve mais moderação do que radicalização. Mais cálculo. O eleitorado parece ter se “acomodado”, fez escolhas conservadoras e cautelosas, referendando a maior parte dos prefeitos que se lançaram à reeleição. O eleitor se manifestou com clareza, e é pueril tratá-lo como se fosse um alienado que ignora os perigos do reacionarismo ou uma vítima indefesa das redes.

Em São Paulo, esquerda e direita ficaram nos bastidores, esmagadas pela baixaria que dominou o primeiro turno e se estendeu ao segundo.

Pablo Ortellado - Polarização ou extremismo?

O Globo

Há uma perigosa evolução de intolerância mútua

Há um debate interessante em curso sobre se vivemos um período de polarização política ou de ascensão do extremismo de direita. Aqueles que defendem a ideia de polarização argumentam que há aumento do fanatismo e da intolerância em relação aos adversários, o que poderia, em última instância, levar à violência política.

Os que veem a ampliação do extremismo criticam a ideia de polarização, dizendo que ela pressupõe, pelo menos tacitamente, os dois polos se radicalizando, na mesma medida. Mas a tendência, dizem, não é simétrica, já que, enquanto a esquerda se torna mais moderada, a direita caminha para o extremismo antidemocrático.

Carlos Alberto Sardenberg - Para que servem as previsões?

O Globo

Pode-se fazer uma previsão bem aproximada do consumo de energia e, pois, dos preços do petróleo. Até que estoura uma guerra

O Fundo Monetário Internacional trouxe notícias sobre o Brasil nesta semana. A boa: pela nova projeção, que aparece no Panorama Econômico Mundial, a economia brasileira deverá crescer 3% neste ano. A ruim: a dívida pública continuará subindo neste e nos próximos dois anos, de acordo com o relatório Monitor Fiscal.

O governo, claro, gostou da primeira e rejeitou a segunda. Mas uma ampla opinião entre economistas brasileiros concorda com as duas informações. Na verdade, é o contrário. O FMI é que chegou agora às projeções já feitas por aqui. É normal.

Eduardo Affonso - Seu mundo você é quem faz

O Globo

Há os que são contra a eutanásia. Mas deixem ir em paz quem não compartilha a mesma crença e os mesmos temores

Quando Roberto Carlos quis se casar, em 1968, teve de sair do país: a noiva, Nice Rossi, era desquitada, e a legislação brasileira não permitia uma segunda chance no casamento. Graças ao empenho do senador Nélson Carneiro, o divórcio foi, finalmente, aprovado em 1977, e hoje ninguém mais precisa cruzar a fronteira para reconstruir a vida conjugal.

Quando, em 2024, o poeta e filósofo Antonio Cicero quis acabar com a angústia de ver o passado se esvair, não conseguir mais filosofar e sentir que lhe escapava a poesia, teve de fazer as malas e ir à Suíça para dar a sua vida um fim digno.

Não há no Brasil de hoje um Nélson Carneiro disposto a lutar contra o conservadorismo e os dogmas religiosos para devolver ao cidadão o direito inato e irrenunciável de dispor da própria existência como quiser, exercendo a liberdade de escolha em tudo que diga respeito a si mesmo e à própria felicidade.

Hélio Schwartsman - Como o eleitor racional deve agir?

Folha de S. Paulo

Num mundo hiper-racional, o mais vantajoso seria não sair de casa, mas não vivemos num mundo hiper-racional

Como o eleitor racional deve agir neste domingo (27)? Se o Brasil adotasse o voto facultativo, a resposta seria simples: não votar. Mas, como por aqui o comparecimento é em tese obrigatório, é necessário fazer uma conta antes de chegar a uma conclusão.

Se os seus custos com transporte mais o preço que você atribui a seu tempo excederem R$ 3,51 (valor da multa por turno perdido), fique em casa ou vá passear e depois regularize sua situação com a Justiça Eleitoral. Dá para fazer tudo pela internet, em tempo inferior ao que você levaria para votar.

Dora Kramer - Parece, mas ainda não é

Folha de S. Paulo

Congresso resiste a cumprir exigências, e impasse com STF sobre emendas persiste

Foi cedo em agosto —quando se anunciou um pacto— para se comemorar um acerto disciplinar no uso de emendas parlamentares. Agora ainda é cedo para se acreditar que o problema esteja resolvido com a promessa de votação de um projeto de lei com novas regras de transparência.

Há mais de dois meses se reuniram representantes dos três Poderes no Supremo Tribunal Federal e ali se estabeleceu que em dez dias o Congresso Nacional apresentaria suas credenciais no tema; daria as informações necessárias e diria como iria atender as exigências do Judiciário ao qual se aliava o Executivo.

Alvaro Costa e Silva - Saúde pública fatiada e arruinada

Folha de S. Paulo

Depois de receber mais de R$ 21 milhões, laboratório investigado tem aspecto de muquifo

Responsável por mais de 50 unidades de saúde —entre as quais o laboratório Saleme, investigado por erros em laudos que fizeram com que órgãos contaminados com o vírus HIV fossem transplantados em seis pacientes—, a Fundação Rio cresceu após um escândalo de corrupção. Uma corrupção sem fim que arruína a saúde pública no país, fatiada e privatizada, permitindo que grupos de criminosos metam a mão no dinheiro destinado a salvar vidas.

Criada em 2007 como alternativa para contratar profissionais e comprar insumos de forma rápida, a fundação ganhou status de supersecretaria a partir de 2020, durante a pandemia de Covid.

Demétrio Magnoli - Brics sem maquiagem

Folha de S. Paulo

Brasil tornou-se estranho no ninho, e grupo já não serve a interesses nacionais

Na superfície, o Brics é um bloco antiocidental, como Xi Jinping, e Putin mais ainda, pretendem apresentá-lo. De fato, são coisas diferentes para atores diversos. O Brasil, porém, tornou-se um estranho no ninho: o grupo já não serve aos interesses nacionais.

Lula vetou, por razões exclusivas de política doméstica (e por enquanto), o ingresso de Venezuela e Nicarágua. Porém, desde a entrada do Irã, na expansão de 2023, o Brics+ iniciou um giro anti-Ocidente. A cúpula de Kazan emitiu convites a 13 novos parceiros, inclusive Belarus, um protetorado informal russo, Cuba e Bolívia, que apoiam a invasão imperial da Ucrânia, além de Vietnã, Cazaquistão e Uzbequistão, situados nas esferas concorrentes de influência chinesa e russa.

Orlando Thomé Cordeiro - 2026 é logo ali

Correio Braziliense

O PSD de Gilberto Kassab sai muito fortalecido dessa disputa, trazendo consigo a vitória em primeiro turno de Eduardo Paes no Rio de Janeiro e a chance de conquistar até seis novas prefeituras no próximo domingo, inclusive Belo Horizonte e Curitiba

Neste domingo, teremos a disputa de segundo turno em 51 municípios, entre eles, 15 capitais, mas o resultado do primeiro turno trouxe algumas confirmações e a indicação de algumas tendências. Mesmo nos 103 locais com possibilidade de segundo turno, por terem mais de 200 mil eleitores, em pouco mais da metade (52), a parada foi resolvida dia 6 de outubro.

Como apontamos na coluna publicada dia 26 de janeiro deste ano, na imensa maioria dos 5.569 municípios, a polarização nacional não teve peso no voto do eleitor, tendo sido preponderante a discussão de temas locais, bem como a imagem de candidatos e candidatas. Com raras exceções, quem tentou nacionalizar o debate nessas cidades não obteve êxito, até porque, na eleição municipal, a nacionalização interfere, mas não decide.

Amanda Calazans - Os munícipes que não reclamam

O Estado de S. Paulo

Como uma obra literária inacabada, Graciliano Ramos não terminou o mandato em Palmeira dos Índios, mas seus relatórios deixam reflexões sobre o papel do prefeito

Na gestão em que se dedicaria a equilibrar as contas do município, enfrentar o desperdício e a ineficiência na administração, extinguir favores a compadres, pôr fim às extorsões que afligiam os mais pobres e, o mais inconveniente, relatar de forma clara e honesta o que fez e o que não conseguiu fazer durante o mandato, o prefeito de Palmeira dos Índios escreve, após o primeiro ano de trabalho: “Há descontentamento. Se a minha estada na prefeitura (...) dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos”.

O prefeito impopular, bem como o dono da autoavaliação seca, irônica e sobretudo literária, era Graciliano Ramos. O futuro romancista administrou Palmeira dos Índios, próxima a sua cidade natal, Quebrangulo, de janeiro de 1928 a abril de 1930, e no começo de cada ano escreveu relatórios de prestação de contas ao Conselho Municipal e ao governo de Alagoas. Desde aquela época os balanços da prefeitura chamaram a atenção da imprensa pela qualidade literária, e agora estão reunidos no livro O Prefeito Escritor: Dois Retratos de uma Administração (Record, 2024).

Carlos Andreazza - O fim e o fim do governo Cláudio Castro no Rio

O Estado de S. Paulo

O governo Claudio Castro, do Rio de Janeiro, acabou. Acabou sem ter começado, mantido enganando enquanto havia dinheiros da concessão da Cedae e, sobretudo, por influente (e cara) campanha de, digamos, comunicação.

A casa cai de vez quando se descobre que o Estado entregou a um laboratório safado – empresa de parente do ex-secretário de Saúde, padrinho da atual secretária – o contrato para testar a saúde de órgãos a serem transplantados. Transplantados, afinal, órgãos infectados com HIV.

Marcus Pestana - Governabilidade e transformação

A democracia política emerge como expressão das mudanças necessárias para dar vazão ao desenvolvimento do sistema capitalista. A monarquia absoluta, funcional para a centralização de recursos e esforços na expansão do capitalismo comercial em escala global através das grandes navegações, tornou-se um obstáculo ao desenvolvimento capitalista, quando a dinâmica da acumulação de capitais migrou da circulação para a produção. Era preciso um sistema político permeável à ação descentralizada de inúmeros empreendedores privados. A democracia moderna, filha das Revoluções Industrial, Francesa e Americana, nasce como expressão política de uma sociedade que se organizava tendo como pilar a liberdade individual e econômica.

Luiz Gonzaga Belluzzo - O Prêmio Nobel de 2024

O poder da finança cairia bem nas incursões dos vencedores pelos labirintos do poder e do progresso

Prêmio Nobel concedido a ­Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson consagrou o trabalho dos três economistas na identificação dos processos socioeconômicos que impulsionam o progresso das nações.

No livro Poder e Progresso: Nossa Luta de Mil Anos por Tecnologia e Prosperidade, Acemoglu e Johnson enfrentam as complexidades das relações entre progresso tecnológico e democracia.

“…As primeiras esperanças de democratização digital foram frustradas porque o mundo da tecnologia colocou seu esforço onde estão o dinheiro e o poder – com a censura do governo. É, portanto, um caminho específico – um caminho sorrateiro – escolhido pela comunidade de tecnologia que intensifica a coleta e a vigilância de dados.