domingo, 3 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O significado da disputa entre Kamala e Trump

O Globo

A eleição americana definirá o futuro não apenas da maior potência militar e econômica, mas de todo o planeta

Kamala Harris, vice-presidente dos Estados Unidos e candidata democrata à Presidência, fez o discurso culminante de sua campanha eleitoral na semana passada, no mesmo local em Washington de onde seu rival republicano, o ex-presidente Donald Trump, incitou a multidão que invadiu o Capitólio tentando reverter o resultado das eleições no fatídico 6 de janeiro de 2021. “Será provavelmente o voto mais importante que vocês jamais darão”, disse ela. “Esta eleição é mais que uma escolha entre dois partidos e dois candidatos diferentes. É uma escolha a respeito de o país ser enraizado na liberdade para todo americano ou governado pelo caos e pela divisão.”

É fato. Poucas eleições na História foram tão determinantes para o futuro dos Estados Unidos. Nesta, não está em jogo apenas a maior potência econômica e militar da Terra, mas o planeta todo. Kamala e Trump representam visões antagônicas em temas críticos como mudanças climáticas, criminalidade, direitos de minorias, aborto ou imigração. E as pesquisas não permitem arriscar quem vencerá. Em razão do convoluto sistema eleitoral, a decisão estará nas mãos de um punhado de eleitores de poucos distritos decisivos em seis ou sete estados. Para todos os efeitos, os dois têm chances equivalentes.

À deriva – Dorrit Harazim

O Globo

Difícil para Kamala tocar uma campanha convencional contra um adversário propositalmente desvairado

Onze horas da manhã em Nova York. Dias atrás, numa escola pública da Rua 56, entre a Segunda e Terceira avenidas de Manhattan, as aulas seguiam seu curso normal. Os alunos em aula nem sequer levantavam a cabeça para observar, através da porta envidraçada, as idas e vindas de estranhos em direção à quadra da esportes. Eram na maioria mulheres indo votar antecipadamente. Do portão de entrada até o local das urnas, dezenas de voluntários — novamente mulheres, na maioria — agradeciam o comparecimento de quem chegava e forneciam a absurda cédula em papel, trilíngue (inglês, espanhol, chinês), que mais parece um cardápio de vinho metido a chique. Tudo na maior calmaria, pontuado por discretos acenos de cabeça indicando esperança na sororidade pró-Kamala Harris.

Não longe dali, a livraria Barnes & Noble da Quinta Avenida expunha em espaço nobre um best-seller que fez barulho sete anos atrás: “On tyranny”, do historiador Timothy Snyder. Nele, o professor de Yale e Prêmio Hannah Arendt elenca 20 lições sobre tirania no século XX a ser aprendidas em tempos presentes. Escrito pouco depois da traumática vitória de Donald Trump à Presidência em 2016, a obra voltou a ganhar urgência e relevância. Ensinamento do primeiro capítulo desse chamamento à razão e guia de preservação de liberdades em tempos de incerteza: “Não obedeça antecipadamente”.

O pesadelo americano - Míriam Leitão

O Globo

O resultado das eleições americanas é incerto, assim como o futuro da democracia do país, caso Donald Trump vença

A democracia americana foi durante muito tempo um modelo de solidez. Não é mais. As regras da economia americana sempre foram vistas como símbolo liberal. Não são mais. O país sempre cultuou o “sonho americano”, um lugar onde um imigrante, um pobre, poderia construir, com seu trabalho, a prosperidade. Não é mais bem assim. Está às portas da Casa Branca um homem que não reconheceu a derrota eleitoral, mandou seus seguidores invadirem o Congresso, promete fechar a economia, se faz acompanhar de um empresário que distribui dinheiro a eleitores, ameaça cassar concessões de televisão e promete deportação em massa de imigrantes. Esse pesadelo pode se tornar realidade a partir de terça-feira.

Trump avisou - Bernardo Mello Franco

O Globo

Chamado de fascista por seu ex-chefe de gabinete, republicano ameaça usar o aparato de Estado para perseguir e esmagar adversários políticos

Donald Trump já avisou: se voltar à Casa Branca, vai usar o aparato do Estado para perseguir e esmagar adversários políticos. Na reta final da campanha, o republicano elevou o tom das ameaças. Disse que o “inimigo interno” ofereceria mais perigo aos Estados Unidos que a Rússia ou a China.

O ex-presidente fincou sua nova candidatura numa plataforma de vingança. Quer acertar contas com políticos, militares e servidores que se opuseram a seu projeto autocrático. Nas palavras do general John Kelly, seu ex-chefe de gabinete, Trump deseja retornar com poderes de ditador. “Sem dúvida, ele se enquadra na definição geral de um fascista”, resumiu o militar da reserva.

Entre Trump e Maduro, Lula marcha para o centro - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Passada as eleições municipais, a força do governo para realizar sua agenda está diretamente relacionada à expectativa de poder em 2026.

Placas tectônicas são pedaços da crosta terrestre, a litosfera, que flutuam sobre o magma; acima delas, estão os continentes e oceanos; eventualmente, se movimentam e se encaixam como peças de um quebra-cabeça. No jargão da política, essa analogia geológica serve para sinalizar aproximações ou afastamentos entre seus protagonistas, como estão acontecendo na geopolítica política internacional e no ambiente político interno.

Esses movimentos podem ser convergentes, quando se movem uma contra a outra, ou divergente, quando se afastam, ou transformadores, quando se movem vertical ou paralelamente. As consequências são os vulcões, terremotos e tsunamis; ou a formação dos continentes, mares e cadeias de montanhas.

União pela segurança - Merval Pereira

O Globo

Os governadores que são contra a proposta de emenda constitucional (PEC) têm medo de uma ingerência do governo federal nas polícias. É uma visão conspiratória

A PEC da Segurança é uma iniciativa importante do governo. Gostei da posição do presidente Lula, que assumiu pela primeira vez enfaticamente o papel do governo central de coordenar as ações nacionais de segurança pública. O sistema de informação Integrada no Brasil inteiro é fundamental para combater o crime organizado, que está cada vez mais nacionalizado. O Rio, por exemplo, virou lugar de proteção de bandidos procurados de outros estados. E nós temos que ter também uma relação nacional de segurança e informação, ou vamos perder cada vez mais territórios para o crime organizado.

Os governadores que são contra a proposta de emenda constitucional (PEC) têm medo de uma ingerência do governo federal nas polícias. É uma visão conspiratória de que Lula está fazendo isso para ter controle das polícias e do país. Não creio que seja isso, acho que afinal caiu a ficha de que a situação é muito ruim. E é possível regulamentar a questão da ingerência, colocando limites; o que não pode é cada estado ficar se defendendo, ou não se defendendo, por conta própria , de um esquema que já é até internacional.

O governo tem condições de montar um esquema de informação em que os estados transfiram e troquem informações com o centro de operações, para um combate mais efetivo. O sistema único de segurança pública, criado quando Raul Jungman era ministro da Segurança Pública no governo Temer, foi muito bem pensado e planejado, para fazer combate ao crime de maneira mais firme e mais ampla. Agora precisamos dar um passo adiante, regulamentando essa PEC. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, colocou novamente o tema em debate, quando ressaltou que o modelo de segurança previsto pela Constituição se alterou diante das novas dinâmicas do crime, e não é mais possível manter a compartimentalização de atribuições entre os diferentes níveis da Federação.

Lula faz uma reunião inútil - Elio Gaspari

O Globo

Presidente organizou encontro com governadores para encaminhar seu projeto de reforma da política nacional de segurança pública

Lula organizou na quinta-feira uma reunião com governadores para encaminhar seu projeto de reforma da política nacional de segurança pública. Para seu gosto, foi um êxito, pois adora reuniões, e todos os presidentes que gostam de eventos, sonham com pactos. Foi uma solene inutilidade.

A proposta do ministro Lewandowski tem um lado positivo em tese, e outro discutível na prática. Em tese, a unificação dos sistemas de informação é uma boa ideia. Vale lembrar que outra boa ideia, a do cartão nacional de saúde do SUS, com os dados pessoais e médicos das pessoas, veio do século passado e só agora ficou de pé. No caminho, aconteceu de tudo em outros governos, inclusive a compra de equipamentos que não saíram das caixas.

Hora da decisão - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Eleitores mulheres, negros e latinos podem fazer falta a Kamala na eleição deste ano

Pesquisas não indicam favoritismo na eleição dos EUA. A rejeição a Donald Trump é maior do que a de Kamala Harris, que tem arrecadado mais doações. Indicadores menos visíveis favorecem Trump: o registro de eleitores e a distribuição dos votos antecipados, além da impopularidade de Joe Biden.

As doações são um termômetro do humor do eleitorado e um impulso para comerciais de TV. Kamala arrecadou US$ 1,2 bilhão e Trump, US$ 700 milhões. Os Estados realizaram uma checagem de integridade nas listas de eleitores registrados, para eliminar inconsistências, que resultou na redução de 121 para 118 milhões de habilitados a votar. Os democratas perderam 3,5 milhões de eleitores registrados; os republicanos ganharam 141 mil.

Na Pensilvânia, que detém o maior número de cadeiras no colégio eleitoral entre os Estados-chave, 19, desde a última eleição presidencial o número de democratas registrados caiu 320 mil, enquanto o de republicanos diminuiu apenas 1.400.

Bolsonaro que se cuide! - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

De olho em 2026, governadores de direita viram as costas até para debate de segurança

Na mesma semana, ou melhor, no mesmo dia, os dois assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes foram condenados por júri popular, no Rio, e o presidente Lula e representantes do Judiciário e do Legislativo se reuniram com governadores, em Brasília, para discutir um pacote antiviolência, tão fundamental para um País com legislação ultrapassada e mergulhado numa séria crise de segurança pública.

Apenas quatro dias das eleições municipais, porém, a polarização nacional voltou com tudo. Nada justifica que governadores de oposição a Lula tenham se negado a participar de um debate que não é partidário e ideológico, mas de interesse do Brasil, dos Estados e da população pela qual eles são responsáveis. O crime organizado é nacional, até transnacional.

Governança Democrática e Sustentabilidade Municipal - George Gurgel de Oliveira

Passadas as eleições, prefeitos e vereadores eleitos, agora é hora de governar. O que seria, atualmente, uma Governança Democrática Municipal no Brasil?

O conceito de Governança Democrática aqui se relaciona com a política e a gestão pública na perspectiva da sustentabilidade municipal e regional. Uma análise da política e da gestão pública dos municípios brasileiros em geral deve considerar a realidade econômica, social e ambiental desses territórios.

Atualmente, o Brasil possui 5.570 municípios distribuídos, de acordo com o IBGE, pelos 26 estados da Federação: são 1.793 no Nordeste, 1.668 no Sudeste, 1.191 no Sul e 467 no Centro-Oeste. As regiões Sul e Sudeste, as menores do País, têm juntas mais de 51% dos municípios. Minas Gerais concentra o maior número deles (853), seguida de São Paulo (645). No outro extremo, os estados localizados na região norte são os que possuem o menor número deles, apesar da grande extensão territorial: Amazonas (62), Rondônia (52), Acre (22), Amapá (16) e Roraima (15). O mais populoso é São Paulo com mais de 11 milhões de pessoas e o de menor população é Serra da Saudade, em Minas Gerais, com apenas 831 habitantes.

A maioria dos municípios brasileiros enfrentam problemas de custeio e contam apenas com as cotas constitucionais, insuficientes para sua existência. As administrações municipais não conseguem atender às expectativas de suas populações, excluídas dos seus direitos constitucionais básicos, a saber: moradia, educação, saúde, saneamento, segurança, mobilidade, trabalho e renda.

O que dizem (e não dizem) as eleições municipais? - Elimar Nascimento*

Revista Será? 

A ideia de que as eleições municipais indicam o caminho das eleições nacionais é falsa, pelo menos parcialmente. O MDB e o PFL controlaram por muitos anos, principalmente o primeiro, as prefeituras do país sem jamais alçarem-se à presidência. O segundo partido chegou à presidência como resultado do acidente com o presidente eleito Tancredo Neves, em 1985. O primeiro chegou à Presidência graças ao impeachment que sofreu a presidente eleita, Dilma Rousseff, em 2016. Por isso, PSD e MDB, que foram os grandes vencedores eleitorais, se não tiverem uma liderança nacional relevante (e aparentemente não têm), ocuparão lugar de destaque, mas na segunda fila.

A lógica que rege a motivação eleitoral no nível local é muito distinta daquela que caracteriza as eleições estaduais ou nacionais. E, por vezes, o poder ou engajamento dos prefeitos nessas eleições pesa muito pouco.

A vitória da direita e do centro-direita, formada por PSD, MDB, União Brasil, Republicanos, entre outros, é insofismável. A extrema-direita, composta pelo PL, Novo e PP (que se afasta devagarinho de Bolsonaro), cresceu, mas menos do que se esperava. O partido que mais cresceu foi, de longe, o PL, mas ocupa o quinto lugar em municípios e o terceiro em eleitores.

Vida brutal de Trump ou império de Kamala – Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Republicano estimularia fragmentação e conflito global; democrata é mais do mesmo

Democratas do mundo inteiro torcem em desespero pela vitória de Kamala Harris. Se eleita, a candidata do Partido Democrata não vai reverter esta onda longa de degradação social e política, fora do controle até do poder de um império mais benevolente. Mas manteria no poder o establishment imperial mais comedido e racional, de resto com 10% de desconto social, o Partido Democrata e seus aliados na finança, na universidade ou na ciência em geral e em boa parte das "big" ("techs", "pharma" e outros gigantes tecno). De certo modo, é coalizão que vem desde Bill Clinton (1992-2001), em especial desde Barack Obama (2009-2017), com qualificações.

As consequências de Donald Trump são incertas, até se ele perder. Haveria guerra jurídica e tumulto na rua? Vitorioso, vai implementar seu programa? Plutocratas menos lunáticos do entorno de Trump dizem que não; pode haver revolta política; talvez o Congresso barre o pior.

O Mauro Cid de Trump sabe o que o chefe quer – Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Plano de expurgo e concentração de poder é peça-chave para republicano governar como um autocrata

John McEntee chegou à Casa Branca em 2017 como o sujeito que carregava a pasta de Donald Trump. Tinha a confiança do presidente e uma mesa na antessala do Salão Oval. Era uma versão civil e turbinada de Mauro Cid, o notório ajudante de Jair Bolsonaro. Guardava segredos e seguia as ordens do chefe.

O auxiliar foi ganhando influência. Segundo a revista The Atlantic, McEntee fazia reuniões com advogados que trabalhavam para melar as eleições de 2020, coisa que alguns assessores se recusavam a fazer. Às vésperas da invasão do Capitólio, ele enviou ao gabinete do vice-presidente um documento que o incentivava a declarar a vitória de Trump —um tipo de minuta do golpe.

O tamanho do buraco identitário - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

A racialização é um engano histórico, científico e cultural

Paris, fins do século 19, num conto de Guy de Maupassant, um lixeiro de origem camponesa se apaixona pela servente africana de um bistrô. Propõe-lhe casamento, que depende de aprovação dos pais, por isso ambos viajam ao campo. A mãe do noivo fica encantada com a futura nora, bonita além de prendada nas artes domésticas. Para apresentá-la à aldeia, passeiam de mãos dadas. Mas os vizinhos se assustam, as janelas se fecham. A matriarca nega ao filho o consentimento. Sempre apaixonado, ele se lamenta tempos depois, perguntando à mãe se o obstáculo tinha sido a cor da jovem. Responde a camponesa: "Não porque ela fosse negra, meu filho, mas era negra demais".

Autocracia S.A. - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro sustenta que dirigentes autoritários de diferentes países colaboram uns com os outros como se fossem um aglomerado empresarial

Não é que exista uma sala do mal, onde tiranos inspirados em vilões de filmes de James Bond se reúnem para conspirar contra o mundo livre, mas líderes autocratas estão se organizando e colaborando uns com os outros num modelo próximo do de aglomerados empresariais. Essa é a tese de "Autocracia S.A.", de Anne Applebaum.

Sobe e desce, desce e sobe – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Alguns filmes e diretores melhoraram com o tempo; outros pioraram. É possível isso?

Uma olhada de relance pelas reportagens que anunciam mostras e retrospectivas de cinema, e constato o que sempre suspeitei: certos filmes e diretores "melhoram" com o tempo e se tornam xodós; outros "pioram" e vão perdendo prestígio e se evaporam até de museus e cinematecas. Acredito que isso não tenha a ver com a genialidade dos diretores ou com a qualidade de seus filmes. Eles continuam a ser o que sempre foram —quem muda somos nós, melhoramos ou pioramos.

'Vote para acabar com a era Trump', diz The New York Times em novo editorial

Folha de S. Paulo

Jornal americano volta a se manifestar sobre eleição nos EUA, após Washington Post anunciar que não endossaria nomes

O tradicional jornal americano The New York Times publicou neste sábado (2) mais um editorial em que defende o voto contra o ex-presidente Donald Trump na corrida pela Casa Branca.

Em um curto texto intitulado "Vote para acabar com a era Trump", o conselho editorial do jornal afirma que Trump não é adequado para liderar o país e é uma ameaça à democracia.

O texto está repleto de links que direcionam para outros artigos de opinião do mesmo jornal que criticam o ex-presidente. Um trecho, por exemplo, chama os eleitores a "ouvir aqueles que melhor conhecem ele [Trump]" e contém uma ligação que leva a um artigo que lista os ex-assessores do republicano que já fizeram declarações públicas contra ele.

"A corrupção e a ilegalidade de Trump vão além das eleições: é todo o seu éthos. Ele mente sem limites. Se for reeleito, o Partido Republicano não o conterá. Trump usará o governo para atacar opositores. Ele perseguirá uma política cruel de deportações em massa. Ele causará estragos nos pobres, na classe média e nos empregadores. Outro mandato de Trump prejudicará o clima, destruirá alianças e fortalecerá autocratas. Os americanos devem exigir mais. Vote", diz o texto do Times.