domingo, 1 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É imoral e custoso restaurar quinquênio pago aos juízes

O Globo

Depois de fracasso de PEC, tribunais tentam ressuscitar os aumentos automáticos por via administrativa

No momento em que o país precisa conter os gastos públicos para equilibrar suas finanças, ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) ressuscitaram, a pedido da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), o pagamento de reajustes automáticos de 5% aos magistrados a cada cinco anos, conhecido como quinquênio. Extinta em 2006, essa benesse não obedece a nenhum parâmetro de mérito e deixa de considerar a situação fiscal crítica do país. O salário dos magistrados — uma das categorias mais privilegiadas do funcionalismo público — sobe por inércia com o passar do tempo, mesmo que a Justiça seja conhecida por lentidão e burocracia.

A decisão deixa dúvida se será obedecido o teto salarial do setor público, estabelecido pela Constituição em R$ 44.088,52, remuneração de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A bolada que juízes receberão com os atrasados e o próprio quinquênio, oficialmente chamado de Adicional por Tempo de Serviço (ATS), é considerada “indenizatória” e não se submete ao limite constitucional. Por enquanto, apenas o TST determinou o pagamento dos atrasados. É difícil, porém, que o STJ resista a pressões e não siga a Justiça do Trabalho. E é evidente que o sucesso incentivará juízes e desembargadores dos demais tribunais a tentar obter o mesmo privilégio.

Falta de convicção - Merval Pereira

O Globo

Um governo que anuncia aumento de gastos junto com medidas que supostamente cortarão esses gastos para equilibrar as finanças não sabe o que faz

Nossa situação política é tão incerta que qualquer especulação ganha ares de verdade. Achar que a aparição do ministro da Fazenda Fernando Haddad em cadeia nacional, para anunciar corte de gastos, seria uma maneira de o governo lançá-lo como possível candidato em 2026 à presidência da República caso Lula não concorra, demonstra que a parte forte do pacote de corte de gastos foi mesmo o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, por paradoxal que seja.

Foi justamente por isso que o dólar bateu os R$ 6,00, mexendo com os nervos do mercado financeiro. Um governo que anuncia aumento de gastos junto com medidas que supostamente cortarão esses gastos para equilibrar as finanças não sabe o que faz. Além de reafirmar a tendência para um populismo que é a marca registrada do PT. Fernando Haddad não é um populista, e tentou evitar essa confusão de objetivos, mas foi vencido pelo presidente Lula e a ala mais populista do PT, temerosos de que o corte de gastos se transformasse em arma contra o governo. A falta de convicção foi sentida pelo mercado.

Os desafios de cada lado - Míriam Leitão

O Globo

A dificuldade do governo é vencer dúvidas sobre as contas públicas, a direita tem que explicar ataque à democracia

No país das muitas urgências, ocorreram na mesma semana a divulgação de um relatório de 880 páginas sobre a tentativa de golpe de Estado liderada pelo ex-presidente da República e o anúncio de medidas de corte de gastos. Formulado para aumentar a solidez das metas fiscais, o pacote detonou uma crise de pessimismo no mercado financeiro. Não está fácil para ninguém. O governo tem que restabelecer a confiança no comando da economia. Mas quem está de fato encurralado é Jair Bolsonaro e seus muitos cúmplices.

Na economia, o conjunto das medidas foi proposto para mostrar compromisso com o controle das contas públicas, foi visto pelo avesso. O câmbio disparou e visitou o nível de R$ 6 por dólar. As projeções dos economistas pioraram muito. Há bancos estimando juros a 15% e alta de até um ponto percentual na próxima reunião do Copom. Os dados e as falas do mercado financeiro descrevem um país na véspera de uma crise de insolvência. Está assim? Não.

Os golpes de 2022 e de 2023 - Elio Gaspari

O Globo

As mil páginas dos dois relatórios da Polícia Federal provaram à exaustão que Jair Bolsonaro e um punhado de oficiais palacianos armaram um golpe de Estado em 2022 para cancelar o resultado da eleição vencida por Lula.

Caberá à Justiça estabelecer as responsabilidades pela trama de dezembro de 2022 e dos possíveis atentados contra Lula, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes.

Outra questão será estabelecer a responsabilidade desses golpistas no 8 de Janeiro de 2023.

Os relatórios da Polícia Federal não cuidam dos acontecimentos desse dia. Mostram apenas como a turma do golpe tentou jogar o 8 de Janeiro no colo de Lula e do então ministro da Justiça, Flávio Dino. É pouco.

Àquela altura, Lula já estava no governo. Todas as armações de 2022 ficaram no condicional. Bolsonaro não instaurou o estado de defesa, a campana de Alexandre de Moraes foi abortada e os kids pretos ficaram no quartel.

Os generais e o Estado de Direito - Arthur Trindade*

O Globo

Não precisamos de militares legalistas. Precisamos de militares submetidos à força da lei, ao poder da toga

Há uma enorme diferença entre Estado de Direito (Rule of Law) e legalismo (rule by law). O Estado de Direito implica a ideia de que todos são iguais perante a lei e de que o poder público será limitado por ela. É o governo da lei, sendo a Constituição a lei fundamental. O legalismo refere-se à ideia de que os governos agem por meio de leis, decretos e portarias. O Estado de Direito diz respeito ao conteúdo das normas, e o legalismo está relacionado a sua forma.

Nem sempre as leis propostas pelos governantes estão de acordo com o Estado de Direito e a Constituição. Cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) avaliar os casos de conflito entre as leis propostas e a Carta.

Esses dois conceitos nos ajudam a entender a postura de alguns militares envolvidos na tentativa de golpe de Estado. A revelação das conversas dos conspiradores mostra que os generais Mário Fernandes, Estevam Theophilo e Freire Gomes tinham visões distintas sobre o tema.

Bernardo Mello Franco – O sonho de Erundina

O Globo

Aos 90 anos, deputada diz que Congresso nunca foi tão ruim e que esquerda precisa recuperar utopias: ‘A esperança é revolucionária

Aos 8 anos de idade, Luiza Erundina foi acomodada no lombo de um jegue para fugir da seca em Uiraúna, no interior da Paraíba. A menina teve vontade de chorar, mas segurou as lágrimas para não agravar o sofrimento dos pais. “Minha família era pobre e numerosa. Quando não vinha chuva, tinha que arribar para escapar da fome”, lembra.

A pequena retirante aprendeu cedo a se indignar com as injustiças. Batalhou para estudar, chegou à universidade, virou assistente social. Entrou para a juventude católica e se envolveu na luta pela reforma agrária. “Gostaria de ter feito política na minha terra, mas fui perseguida pela ditadura ”, conta. Tachada de subversiva, ela teve que mudar de ares. Por vias tortas, a repressão dava um impulso à sua trajetória.

Erundina migrou para São Paulo, onde passou a militar em movimentos por moradia. Com a redemocratização, ajudou a fundar o PT e se elegeu vereadora e deputada estadual. Em 1988, tornou-se a primeira mulher a conquistar a prefeitura da maior cidade do país.

“Minha vitória foi absolutamente inesperada. Nem meu partido acreditava”, recorda. “Enfrentei preconceito por ser mulher, por ser nordestina, por ser solteira. E por ousar disputar o poder com a burguesia paulistana. Mas nunca me intimidei”, orgulha-se.

Robin Hood e o pacote fiscal de Haddad - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A primeira especulação contra a proposta de reforma no imposto de renda é de que a medida é eleitoreira e tem por objetivo pavimentar a reeleição de Lula

Ao anunciar o pacote de ajuste fiscal simultaneamente a mudanças no imposto de renda, que isentam quem recebe até R$ 5 mil e sobretaxam os acima de renda de R$ 50 mil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva libertou o gênio que estava preso na garrafa e, agora, gera toda sorte de especulações sobre as eleições de 2026. Seu propósito era mitigar os desgastes provocados pelos cortes de gastos preparado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como uma espécie de Robin Hood, que tira dos ricos para dar aos mais pobres.

Pedido errado na hora errada – Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Militares defendem anistia para golpistas e alívio no corte de gastos, ou é só para inglês ver?

Apesar de generais, coronéis e capitães estarem no centro do inquérito do golpe de Estado, o atual comando legalista do Exército lidera dois movimentos das Forças Armadas junto ao presidente Lula. Um para defender o indefensável: anistia dos golpistas, para “zerar o jogo” e “desanuviar o ambiente político”. Outro para aliviar a cota militar no corte de gastos. Esses “pedidos” são para valer, ou só encenação para agradar às tropas?

O ministro da Defesa, José Múcio, e os três comandantes militares – general Tomás Paiva (Exército), almirante Marcos Olsen (Marinha) e brigadeiro Marcelo Damasceno (Aeronáutica) – se reuniram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste sábado, 30. Nenhum dos dois pedidos faz sentido, e não só porque as Forças Armadas não estão no seu melhor momento, após o apoio além do institucional ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a inclusão (até agora) de 25 militares, seis deles generais, entre os 37 indiciados por um golpe com detalhes sórdidos.

O preço político do pacote - Celso Ming

O Estado de S. Paulo       

Ao contrário do que o ministro Fernando Haddad vinha assegurando, não foram critérios técnicos que serviram de inspiração para o presidente Lula definir o pacote fiscal, que deveria dar sustentação às contas públicas. Foram critérios preponderantemente eleitorais.

Tanto foram eleitorais que o presidente fez questão de enxertar no meio de um galho de decisões destinadas a cortar gastos um broto que nada tem a ver com o cumprimento do arcabouço fiscal. Trata-se da proposta de isenção do Imposto de Renda para contribuintes que ganham até R$ 5 mil mensais.

A ideia aí foi conquistar a classe média, hoje arredia às causas das esquerdas, de maneira a garantir votos para as eleições de 2026. A contrapartida para essa renúncia tributária, que deve ultrapassar os R$ 40 bilhões por ano, foi a de taxar quem ganha acima de R$ 50 mil por mês, incluídos aí os retornos em dividendos e aplicações financeiras.

O Congresso contra isenção do IR - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Pacheco, do Senado, e Lira, da Câmara, fizeram papel de bombeiros improváveis da crise

Os líderes do Congresso, quem diria, jogaram pelo menos um balde d´água no incêndio do dólar e das taxas de juros. O fogo forte ao menos parava de se alastrar, na tarde da sexta.

Gente do ministério da Fazenda, do Planejamento e do Banco Central esperava essa mãozona: tirar o elefante brabo da isenção do IR da sala da discussão do pacote fiscal. Era o que autoridades econômicas diziam na manhã de sexta, nas internas, quando o dólar ia ao exagero de R$ 6,11.

isenção do Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5.000 mensais subiu no telhado. Foi o que disseram Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, e Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.

Sem tal ajuda e sem reforço dos planos de Fernando Haddad, o serviço de conter o estrago da desvalorização do real e da degradação feia das expectativas econômicas ficaria apenas a cargo do Banco Central. Isto é, Selic em alta acelerada, para não se sabe onde. Na manhã de pânico desta sexta, as taxas de mercado sugeriam Selic indo a 15%. Crise.

Programa de Haddad vai na direção certa - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Torço para que o Congresso só o mude se for para melhor

Lula surpreendeu o mercado anunciando o pacote fiscal e a reforma do Imposto de Renda no mesmo dia. Do ponto de vista econômico, criou ruído em um momento em que o quadro internacional é instável. Do ponto de vista político, faz sentido.

O pacote fiscal trouxe medidas que sacrificam o eleitorado pobre que venceu as últimas eleições presidenciais com Lula e, ao fazê-lo, livrou o Brasil do autoritarismo.

Pelas novas regras, o salário mínimo vai continuar tendo crescimento acima da inflação (só no governo Bolsonaro não teve), mas crescerá mais lentamente. O abono salarial, atualmente disponível para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos, será pago apenas para os que, após um período de transição, ganharem 1,5 salário mínimo.

A costura a inferno aberto do golpe - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Conspiração às claras é estranho fruto de uma realidade paralela

Quando do atentado do Riocentro, 40 e tantos anos atrás, dirigíamos a TV-E, ao lado de um colega universitário. Recebemos então visitas, uma delas do coronel-ministro. Ele recomendou cautela no noticiário, pois "agimos abertamente, enquanto a direita age embuçada". A conversa, jogo de cena para encobrir censura, valeu uma resposta sorrateira: "Será mesmo, ministro, é difícil validar essa hipótese..." E ele "como assim, então não acham que seja coisa da direita?" Retrucamos: "se estão embuçados, como saber o que são?"

Camilo Santana: ‘Partido precisa se preparar e construir novas lideranças’

Paula Ferreira, Caio Spechoto / O Estado de S. Paulo

Em papel de destaque no PT após as eleições municipais deste ano, ministro da Educação, diz que sigla precisa pensar no pós-Lula

Considerado um vitorioso das eleições municipais, o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), evita se colocar como um candidato a sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Camilo indica que o PT não está preparado para a aposentadoria do seu principal líder e alerta que o partido precisa se preparar para formar novos quadros.

Nas eleições deste ano, Camilo foi o cabo eleitoral da principal vitória petista: Evandro Leitão foi eleito em Fortaleza (CE), o único prefeito do partido entre as capitais. Para aliados, a vitória empoderou o ministro, cujo trabalho é considerado positivo por Lula. Em entrevista ao Estadão, na última quarta-feira, Camilo afirmou que sua missão é no Ministério da Educação, mas deu recados ao partido.

Trump monta um gabinete de guerra - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Republicano explora valores divisivos não apenas para chegar ao poder, mas para mantê-lo

Donald Trump montou um gabinete de guerra para o próximo mandato. Alguns dos políticos, doadores de campanha e aliados fiéis escolhidos para sua equipe terão como prioridades os conflitos culturais tradicionalmente explorados pela direita populista para agitar suas bases.

Trump 2 terá uma abordagem mais prática do que em seus quatro anos anteriores. A formação do futuro governo sugere que o presidente eleito encara as guerras culturais —baseadas no desafio de consensos e na exploração de valores divisivos— tanto como ferramenta para chegar ao poder como para mantê-lo.

Democratas perderam bússola para o futuro - Fareed Zakaria

O Estado de S. Paulo

Mudança de rumo e na base eleitoral pode ter produzido um custo político alto demais ao partido

Ao longo das décadas, apoio ao Partido Democrata entre classe trabalhadora se despedaçou

Quase toda vez que foi bem-sucedido, o Partido Democrata representou uma visão otimista e progressista dos EUA, orientada para o futuro. Pensem em Franklin D. Roosevelt garantindo aos americanos nas profundezas da Depressão que eles não tinham nada a temer a não ser o próprio medo, ou no espírito da Nova Fronteira de John F. Kennedy enquanto os EUA almejavam a Lua.

O refrão da música de campanha de Bill Clinton era “Não parem de pensar no amanhã”. Barack Obama era infalivelmente descolado, prometendo uma nova era de esperança e mudança. Mas em algum ponto da década recente os democratas parecem ter perdido essa sensibilidade, e me pergunto se isso lhes terá impingido um custo político alto demais.

Considerem a maneira que, nesta eleição, Donald Trump foi o candidato que recebeu apoio de tecnologistas como Elon Musk e Marc Andreessen.

Trump compareceu a uma conferência sobre criptomoedas e recebeu uma série de salvas de palmas. Celebrou a disposição de assumir riscos e falou a língua da ruptura e da reforma radical.