segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É desejável trazer o Pan de 2031 para o Brasil

O Globo

Independentemente da sede — Rio/Niterói ou São Paulo —, país teria a ganhar com competição esportiva

Depois de sediar por duas vezes os Jogos Pan-Americanos — em São Paulo, em 1963, e no Rio, em 2007—, o Brasil tem todas as condições de repetir o feito em 2031. Experiência não falta para organizar grandes eventos esportivos, depois de duas Copas do Mundo, em 1950 e 2014, e uma Olimpíada, em 2016 no Rio. O país conta com estádios, pistas de atletismo, ginásios e outros equipamentos à altura das múltiplas competições que caracterizam esses jogos.

O Rio deseja voltar a recepcionar os atletas das Américas quase duas décadas depois, agora associado a Niterói. A iniciativa ajudaria a firmar a cidade como referência para grandes eventos esportivos, que costumam atrair turistas do exterior e do próprio país. A prefeitura de São Paulo informou por nota que apresentou ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) sua carta de intenções na Olimpíada de Paris.

As candidaturas de Rio/Niterói e São Paulo precisam acelerar a preparação das propostas para que sejam entregues até 31 de janeiro. Caberá ao COB escolher quem representará o país na disputa pelo Pan de 2031. É necessário apresentar um dossiê até 30 de abril com o detalhamento de onde ocorrerão as competições e o projeto de uma vila olímpica capaz de receber 6,5 mil visitantes, entre atletas, técnicos e árbitros. A proposta vencedora será decidida em assembleia marcada para 6 e 7 de agosto em Assunção, no Paraguai. Se Rio/Niterói ou São Paulo conseguirem sediar o Pan, o Brasil receberá os Jogos pela terceira vez, equiparando-se a México (Cidade do México duas vezes e Guadalajara) e Canadá (Winnipeg duas vezes e Toronto).

Memórias da carne – Fernando Gabeira

O Globo

É necessário compreender com clareza o que é interesse comercial na Europa e o que é preocupação genuína com o meio ambiente

Sou vegetariano, mas não resisto às tentações da carne quando se trata de debate político. Ainda como deputado, enfrentei um deles. Foi quando o Canadá, falsamente, insinuou que havia a doença da vaca louca no gado brasileiro. Criamos uma comissão e fizemos bastante barulho para demonstrar que era injusto.

Não sou favorável à criação de gado que consome a floresta. Os grandes consumidores internacionais também não são. É o caso do McDonald’s, preocupado com seus jovens clientes. Apesar de minhas posições, eu achava que era importante cerrar fileira com os deputados ruralistas. Era um tempo em que, apesar da divergência, havia diálogo. O interesse nacional estava em jogo.

Lembro que, depois de resolver o problema da falsa denúncia, ainda discutimos um pouco a rastreabilidade do gado. Minha posição era que a condição deveria ser preenchida. Alguns ruralistas resistiam por causa dos custos. De que adianta fazer economia, se há o risco de perder o mercado internacional?

A falta que faz a direita clássica – Miguel de Almeida

O Globo

Não foram políticos que concordavam com os assassinatos praticados nos porões militares

Difícil não culpar Lula e sua retórica (e prática) pela calamidade Bolsonaro. Em 2002, ele derrotou José Serra, candidato de centro-esquerda que terminou no córner à direita. Já no cargo, cunhou o acusação da “herança maldita” dos governos do PSDB/PFL, naquele seu redundante trololó deficiente em pronomes. Como suas ideias não correspondem aos fatos, ao fazer uma administração centrista e populista (até Muhammad Yunus lamentou a fórmula petista do Bolsa Família), apareceu com a clivagem do “nós e eles”.

Deixa eu contar: no “eles”, não estava incluída a direita, mas apenas seu despeito e ciúme da figura pública do ex-presidente FH. E da administração que exterminara a inflação — isso, sim, um programa econômico inclusivo — e, pelas mãos de Ruth Cardoso e Vilmar Faria, desenhara diversos e consequentes programas sociais. A ex-primeira-dama nunca precisou ressignificar sua posição. Sempre teve história independente do marido.

Não sei se Lula , ou a própria Janja, conhecem a figura de Carl Schmitt. O jurista alemão, um dos principais teóricos do nazismo, ajudou na construção da clivagem do “nós e eles”, do “amigo e inimigo”. Suas ideias deram subsídios ao regime hitlerista na perseguição e morte dos judeus ainda antes do início da Segunda Guerra Mundial. Schmitt formulou a substituição do adversário pelo inimigo na luta política. Ao mudar o ângulo, deu justificativa teórica à intolerância e aos assassinatos, como ainda à disseminação do ódio sempre repisado nos discursos para as massas sedentas de emoção (sangue?). A filósofa Susan Neiman defende que o modismo das guerras culturais se escora nos conceitos nazistas de Carl Schmitt. Assim, a conversa fiada do identitarismo (Hitler gostava do viés de raça!) não seria de esquerda.

Haddad desafinou e se mostrou frágil - Bruno Carazza

Valor Econômico

Ministro da Fazenda, até quando acertou, pareceu fraco e derrotado no anúncio do pacote

Maldito o dia em que Fernando Haddad aceitou a sugestão de Natuza Nery e dedilhou ao violão diversos acordes de Blackbird, dos Beatles, numa entrevista dada no seu gabinete, na Esplanada dos Ministérios.

A culpa, obviamente, não foi da jornalista, que fez o convite para mostrar um lado mais humano do ministro da Fazenda, posição ocupada por personagens geralmente retratados de forma sisuda.

Haddad tampouco deve ter medido as consequências do seu gesto. Afinal, trata-se de um político, a quem, além da vaidade que emana do exercício do poder, interessa mostrar-se popular e, coerente com seu perfil, cool.

Mas a atitude não condizia com a responsabilidade que repousa sobre seus ombros. A performance aconteceu passados apenas seis meses do início do governo - prazo curto para apresentar-se relaxado ou, pior ainda, para cantar (no caso, tocar) vitória sobre os enormes desafios econômicos confiados à sua gestão.

País poderia ter agido antes contra extremismo, diz Limongi - César Felício

Valor Econômico

Para cientista político, reação às ameaças de ruptura feitas pelo ex-presidente demorou

As instituições demoraram a reagir às ameaças de ruptura que ameaçam a democracia, avalia o cientista político Fernando Limongi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), que lançou neste mês o livro “Democracia Negada: Política Partidária do Brasil na Nova República”, em coautoria com Leonardo Weller. Para Limongi, o ex-presidente Jair Bolsonaro, indiciado pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado em inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), poderia ter tido sua carreira eleitoral interrompida ainda nos anos 90.

“Bolsonaro desde que começou sua carreira política deu inúmeras oportunidades de se agir contra ele. Começou a sua carreira pensando em terrorismo, planejando explodir uma adutora. Passaram o pano para ele entre os militares. Depois ele entrou no Congresso para representar a linha dura, defendeu a tortura, o fuzilamento de presidente, tudo documentado”, disse Limongi ao Valor, fazendo alusão a alguns momentos do início da trajetória do ex-presidente.

Reforma da renda ruma para hibernação após reação de líderes - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Pacote do ajuste fiscal pareceu menos indigesto depois do almoço da Febraban na sexta-feira (29), em São Paulo

O pacote do ajuste fiscal pareceu menos indigesto depois do almoço da Febraban na sexta-feira (29), em São Paulo. Nas falas e conversas dos três ministros (Fernando Haddad, Simone Tebet e Esther Dweck), e do diretor do Banco Central Gabriel Galípolo com banqueiros e executivos do mercado financeiro presentes, o clima parecia mais desanuviado. O dólar, que abriu em R$ 6,10 e recuou para R$ 6, parecia confirmar a descompressão.

E não foi apenas pelo chá de capim santo servido durante o almoço. Pela manhã, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, falaram com Haddad. O que deveria ser dito? “O mesmo que foi dito para o presidente ontem, ora.” Na tarde de quinta, tanto Lira quanto Pacheco estiveram no Palácio do Planalto e disseram a Lula que o ajuste fiscal teria mais chances no Congresso do que a reforma da renda.

BC espera o mercado digerir o pacote fiscal - Alex Ribeiro

Valor Econômico

A banqueiros Galípolo transpareceu esperanças de que essas primeiras reações do mercado a pacote de ajuste fiscal não sejam definitivas

O mercado financeiro reprecificou o cenário para os juros depois do pacote fiscal. Chegaram a 70% as chances de uma alta de juros de 0,75 ponto percentual na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central da semana que vem. A probabilidade de uma nova intensificação no ritmo de aperto em janeiro, para um ponto percentual, já é de 30%. A curva de juros embute uma taxa Selic ao fim do ciclo de aperto monetário superior a 14% ao ano, nos maiores níveis das últimas duas décadas.

O que o BC deverá fazer diante dessa reação do mercado? O futuro presidente da instituição, Gabriel Galípolo, disse na semana passada que não briga com o mercado. Mas transpareceu, num almoço com banqueiros organizado na sexta pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), esperanças de que essas primeiras reações do mercado não sejam definitivas. “Esse processo está sendo digerido”, afirmou Galípolo.

A força da democracia americana - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Se tentar minar a democracia, Trump enfrentará maiores obstáculos do que outros caudilhos

Para cientistas políticos, a volta de Donald Trump é um experimento fascinante: o republicano, que se assemelha a caudilhos como Viktor Orbán, na Hungria, ou Recep Erdogan, na Turquia, vai seguir o exemplo dos dois (e de vários outros pelo mundo) e enfraquecer os freios e contrapesos, fundamentos da democracia americana? E, se tentar, conseguirá?

Há poucas dúvidas sobre as convicções não muito republicanas de Trump, confirmadas em livros e artigos publicados por numerosos ex-integrantes de seu primeiro governo, a maioria dos quais se recusou a apoiá-lo na campanha de 2024.

Bolsonaro traído - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Gabinete de crise teria dificuldade de construir sua legitimidade sem o então presidente

Enquanto Jair Bolsonaro lança apelos públicos por anistia, a defesa do ex-presidente dedica-se a construir uma nova versão dos fatos envolvendo uma suposta tentativa de golpe de Estado. O advogado Paulo Cunha Bueno disse que uma junta militar a ser criada no dia 16 de dezembro em 2022, conforme plano encontrado pela PF nos arquivos do general Mário Fernandes, é que seria a beneficiada de um golpe, não Bolsonaro. Os integrantes desse grupo assumiriam o governo no lugar dele, segundo Bueno.

A versão de que os militares tramaram uma ruptura institucional pelas costas de Bolsonaro e que pretendiam traí-lo em seguida não é crível por três motivos. Primeiro, porque não é isso que está escrito na planilha do general Fernandes. O documento detalha a estrutura e as funções de um gabinete de crise (a tal “junta militar”) a ser instalado no dia seguinte ao golpe.

O fiasco do golpe - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

A ocupação da Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro não pode ser vista seriamente como uma tentativa de golpe

A tentativa de golpe de Estado, liderada por um grupo de bolsonaristas, fiéis ao ex-presidente da República, com envolvimento de militares, alguns deles generais, redundou em um exuberante fiasco. Parece coisa de aloprados ideologizados, cujo amadorismo contrasta com a formação de alguns deles nos “kids pretos”: as Forças Especiais. Em todo caso, parte da cobertura jornalística e midiática tem dado destaque ao Exército enquanto instituição, visando a atingir a sua própria imagem. Ora, tal tentativa é divorciada ideologicamente da realidade. Se a tentativa de golpe não prosperou, é porque a maioria absoluta do Alto Comando, conforme relatório da Polícia Federal, impediu que esse empreendimento tivesse êxito. Logo, se golpe não houve, isso se deve aos militares. Manchete que poderia ter sido escrita: Alto Comando do Exército impede o golpe!

Democracia esfarrapada - Roberto Livianu

O Estado de S. Paulo

Cenário de terra arrasada nos permite compreender a ascensão vertiginosa do golpismo dos últimos anos

A construção do Estado moderno, com a inerente separação dos Três Poderes, foi uma forma de evolução do contrato social, tendo o bem-estar da sociedade como foco das atenções, depois de séculos de absolutismo dos reis.

A tomada da prisão da Bastilha, em 1789, pelos franceses é símbolo dessa transição e foi um dos momentos mais sublimes e inspiradores da história da civilização. Significou a subida de degraus na escada evolutiva da luta contra o arbítrio. Representou divisor de águas singular para o humanismo, para a ruptura daquele injusto e despótico esquema de poder até então prevalente.

Entretanto, passados mais de dois séculos da Independência e quase 150 anos da República no Brasil, o compadrio político, o patrimonialismo, a corrupção, a lenta e difícil assimilação e sedimentação dos valores republicanos e democráticos nos têm condenado a viver em estado de alerta permanente, em que milhões sobrevivem marginalizados (40% nem sequer têm acesso a saneamento básico), diante da estratosférica desigualdade social.

Autocratização ou democratização - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Nas últimas três décadas, as autocracias transformaram-se em regimes democráticos melhores do que os que as precederam

Ao longo dos oito anos em que venho atuando como colunista aqui na Folha critiquei análises sobre crises e ameaças à democracia bem como índices de qualidade da democracia produzidos pelo VDEM e Freedom House. É reconfortante saber que estas instituições reconheceram as insuficiências apontadas por muitos analistas. A ideia de uma "recessão democrática" no mundo foi em parte produto da ascensão de Trump em 2016. Sua reeleição, em 2024, tem efeito similar, magnificando simbolicamente a narrativa de uma crise global da democracia. Já houve vieses no sentido contrário: quando a Argentina saía do regime militar e Menem, que havia sido encarcerado pelo regime, assumiu o poder, não se detectou nenhum retrocesso nos índices em seu mandato; Menem, no entanto, aumentou o número de juízes da Suprema Corte de 5 para 9, garantindo de imediato maioria na casa. Conscientes ou não, os analistas "torciam" para que a transição desse certo.

Celeste dos cravos – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Uma mulher ofereceu um cravo a um soldado; era a Revolução dos Cravos, que libertou Portugal

Foi no dia 25 de abril de 1974, em Lisboa, e eu estava lá. Em meio da manhã, todo mundo na rua já sabia que o golpe militar desfechado naquela madrugada viera derrubar a ditadura de 48 anos em Portugal. Lá por meio-dia, na praça do Marquês de Pombal, alguém me espetou um cravo vermelho na lapela do casaco. Em minutos, jovens, velhos, muita gente ao meu redor, tinha um cravo como aquele na mão, na boca, atrás da orelha. Ao fim do dia, já se a chamava de a Revolução dos Cravos. E, assim como eu, ninguém se perguntou de onde eles vinham ou como aquilo começara.

Nunca fomos leitores = Jaime Pinsky*

Correio Braziliense

Que tal nossas autoridades da área de educação criarem projetos corajosos, ousados, como os de países que, em diferentes fases da história e em diferentes lugares do planeta, praticando diferentes regimes políticos, fizeram grandes revoluções educacionais e mudaram radicalmente para melhor?

Toda vez que comento notícias, lamentando o decréscimo do hábito de leitura no Brasil, tenho a sensação de estar perdendo tempo e enganando meu interlocutor. É elementar: só podemos perder um hábito que temos, não um que nunca tivemos. Quem nunca fumou não tem como parar de fumar. Quem nunca leu não pode deixar de ser leitor. E, com as devidas desculpas aos que afirmavam o contrário, no Brasil o hábito de leitura, como se diz, "não pegou". Nunca. 

Com exceção de meia dúzia de leitores teimosos, entre os quais se inclui o punhado de amigos que me leem, no Brasil não se lê. Estou falando, evidentemente, de ler como hábito, como vício, como dependência, estou falando de ler livros inteiros e entender o que se lê, de absorver, assimilar o escrito, como falava Antonio Cândido, e só, então, questionar o escrito, não passar os olhos e redigir um comentário idiota, demonstrando despreparo e ignorância. Falo de ler sendo letrado, não apenas alfabetizado. Desse tipo de leitores, temos poucos. Apesar dos esforços de meia dúzia de valentes batalhadores pela democratização do saber. O fato é que não somos um país de letrados. E, como sempre, a história ajuda a explicar por quê.

Adolescentes australianos banidos das redes - Marcus Cremonese

Sexta-feira passada, 29 de novembro, na sua última reunião de 2024, o parlamento australiano aprovou uma lei banindo no país o uso de redes sociais por crianças e adolescentes menores de 16 anos.

O fato foi abordado pela imprensa de praticamente todo o mundo como uma grande novidade (a world-first). A reação das bigtechs foi imediata e não causou surpresa. A Meta, dona do Facebook e Instagram, disse que "a lei foi votada às pressas e é difícil de ser aplicada". O Snapchat adevertiu que a aplicação dessa lei pode ter "consequências inesperadas". A mais feroz oposição veio do X, em postagem de Elon Musk. Ele a define como "um caminho pela porta dos fundos para controlar o acesso à internet por todos os australianos."

Esta lei, no entanto, não foi criada de uma hora para outra. Nem foi um impulso imediato em resposta a casos recentes de danos físicos e mentais sofridos por adolescentes por estarem expostos ao conteúdo de certas plataformas. Meses antes, sintomas já eram bem visíveis de que isso iria ocorrer.