sábado, 7 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Mundo ganha com acordo Mercosul-EU

O Globo

Num momento de avanço do protecionismo, tratado resgata benefícios do livre-comércio

O fim das negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) é um passo decisivo para o Brasil. Agora, além de trâmites burocráticos, o único risco que paira sobre a parte comercial do tratado — a mais relevante — são as pressões de bastidor para que seja rejeitado pelo Conselho Europeu ou pelo Parlamento Europeu. Mas, apesar da resistência empedernida de uns poucos países como França ou Polônia, é pouco provável que a iniciativa de 25 anos naufrague depois de tanto esforço.

Trata-se de uma enorme conquista para o Mercosul, para a UE e para o livre-comércio, tão combalido com o avanço do protecionismo. Ao longo do tempo, o impacto em geração de riqueza e crescimento deverá ser significativo. Apesar das mudanças em relação à versão preliminar de 2019, o acordo representa um avanço substantivo, resultado da persistência do Itamaraty ao longo de administrações de todas as inclinações ideológicas.

A economia não funciona sem o mercado – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

O crescimento não é sustentável a médio prazo se continuar baseado na expansão do gasto e da dívida pública

Não há contradição entre o pibão e o dólar a R$ 6.

Não há contradição entre aplaudir o crescimento atual e manifestar preocupação com os próximos dois anos. Não há contradição entre a economia real e o mercado financeiro, como se este pudesse ir bem se o país estivesse em frangalhos. O mercado apoia a economia real.

Eis um exemplo: neste ano, as companhias aumentaram o financiamento tomado no mercado de capitais, mediante a emissão de debêntures ou outras operações. Investidores no mercado compram os papéis das empresas e ganham com isso. As companhias se financiam a prazo mais longo e a juros menores que nos bancos.

Bobagem, portanto, dizer que o mercado financeiro joga contra o país real. Isso seria jogar contra as empresas, participantes vitais do mercado como tomadores ou investidores. 

Seattle, 25 anos – Pablo Ortellado

O Globo

Ardor ativista dos anos 1990 e 2000 parece ter colaborado para as profundas e perigosas transformações que vivemos

Vinte e cinco anos atrás, protestos contra a rodada do milênio da Organização Mundial do Comércio pararam a cidade de Seattle, nos Estados Unidos. Na época, os protestos foram vistos como um divisor de eras. O historiador inglês Eric Hobsbawm havia dito que o breve século XX começava com a Primeira Guerra Mundial e terminava com a queda do Muro de Berlim. O sociólogo francês Edgar Morin disse então, em artigo no jornal Le Monde, que o século XXI começava em 1999, com Seattle. Hoje, essa história parece esquecida, mas seus efeitos, visíveis e invisíveis, permanecem estruturando o tempo presente.

Seattle foi o símbolo de um movimento mais amplo que começou um pouco antes, em 1994, com a revolta de Chiapas, no México. Em janeiro daquele ano, indígenas que se identificavam como zapatistas tomaram a cidade de San Cristóbal de las Casas em protesto contra o Nafta, acordo de livre-comércio entre Canadá, México e Estados Unidos. O governo mexicano preparou uma reação armada ao levante, mas a mobilização da sociedade civil mexicana impediu um massacre.

O Fefaetiapá® - Eduardo Affonso

O Globo

Ministério da Saúde tomou para si o encargo de propagar picaretagens etimológicas, a título de luta antirracista

Já deveria estar no calendário de eventos da Embratur: em fevereiro (ou março) tem carnaval; em abril, a Alvorada de São Jorge, em Quintino; em junho, o Festival Folclórico de Parintins e o São-João de Campina Grande; em outubro, a Oktoberfest e, em novembro, o Festival de Falsas Etimologias.

Normalmente bancado com verbas públicas, o Fefaetiapá® (Festival de Falsas Etimologias que Assola o País) celebra a disseminação e consolidação das FNBs (Fake News do Bem), um tipo de desinformação inclusiva, empática, que goza de imunidade. Não está na mira do STF, não precisa ser removida das redes sociais e recebe o selo de garantia de ministérios públicos, universidades federais, tribunais de Justiça.

Neste ano, foi o Ministério da Saúde. Talvez por não precisar se preocupar com gerenciamento de vacinas, epidemia de dengue, doenças dizimando ianomâmis, falta de medicamentos contra o câncer de mama ou aumento dos casos de aids, o MS tomou para si o encargo de propagar picaretagens etimológicas, a título de luta antirracista. É que deve ser muito mais fácil proteger o cidadão de termos como “inhaca” do que contra o bacilo de Koch (65,2% dos casos de tuberculose no Brasil foram registrados na população negra, mas isso não deve ter nada a ver com desigualdade, racismo estrutural etc.).

Da Coreia à França, a crise das democracias - Fareed Zakaria

Washington Post / O Estado de S. Paulo

As pessoas estão cada vez mais desconfiadas das instituições tradicionais e das elites que as dirigem

A democracia liberal foi marcada por ênfase em procedimentos, não em resultados

Foi uma semana e tanto em todo o mundo. O presidente da Coreia do Sul colocou o país sob lei marcial, mas foi rejeitado pelo Parlamento. Na França, o primeiro-ministro e seu governo receberam um voto de não confiança pela primeira vez em mais de 60 anos. Esses eventos distintos têm um tema subjacente comum: uma crise das instituições democráticas.

Aparentemente, a Coreia do Sul é uma incrível história de sucesso. Sua economia cresceu mais de 5% por cinco décadas consecutivas, um recorde igualado apenas por Taiwan. O país hoje é mais rico que o Japão em termos de PIB per capita. Ainda assim, foi abalado por profunda polarização e batalhas políticas.

Cultura do horror - Miguel Reale Júnior

O Estado de S. Paulo

Como se normalizou o descaso para com o processo democrático, não se reagindo à prática da violência política, tanto nos EUA como aqui?

A sociedade civil organizada bem vislumbrou a vocação autoritária de Jair Bolsonaro ao longo do exercício de seu mandato. Desde 2020, diversos e relevantes setores sociais denunciaram o golpismo, reafirmando os valores da democracia.

Em muitos manifestos anotava-se estar a Nação exausta do clima artificial de confronto, proclamando-se: “A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias”.

Bolsonaro veio empreendendo intensa luta contra as urnas eletrônicas, alcançando o cume no ato de 7 de setembro de 2021, na Avenida Paulista, no qual chegou a dizer que não cumpriria ordem da Justiça Eleitoral e “só sairia da Presidência preso ou morto”, além de que sem voto impresso “não haveria eleições”.

A esquerda perdeu? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Apesar de insucessos eleitorais, esquerda parece ter triunfado ao emplacar teses que se tornaram o pensamento convencional

Há uma espécie de consenso de que a esquerda está em crise. Ela ainda obtém vitórias eleitorais em alguns países, como o Uruguai e o México, mas experimentou recentes reveses em vários outros, como Estados Unidos e Argentina. A esquerda estaria com dificuldades para adaptar seu discurso para os tempos atuais.

Não discordo da necessidade de atualização da pauta, mas receio que o quadro seja mais complexo. Dependendo da medida escolhida, dá para dizer que a esquerda triunfou.

Quem me chamou atenção para isso foi José Eli da Veiga, que me mandou uma interessante discussão entre o cientista político francês Vincent Tiberj e o ex-ministro da Educação Jean-Michel Blanquer travada nas páginas do Le Monde.

Feitiço contra o feiticeiro – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Tarcísio se arrisca a perder apoio da população ameaçada pela brutalidade policial

De quantos casos "isolados" o governador Tarcísio de Freitas vai precisar para se render à evidência de que há uma crise na administração da segurança pública em São Paulo? Quantos abusos "pontuais" serão necessários para ele aceitar que a brutalidade por parte de agentes do Estado é inaceitável?

Talvez essa tomada de consciência ocorra quando, e se, a sociedade perceber que qualquer um do povo pode ser vítima da violência desmedida de policiais pagos para protegê-la, e disso decorra uma queda na avaliação positiva de seu governo.

Há golpistas de todos os tamanhos e estilos – Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Bolsonaro convocou um 171 clássico para agir em parceria com os militares aloprados

A tese segundo a qual o Brasil é o país do golpe (e não o do jeitinho, que era uma noção romântica de nós mesmos) cada dia ganha mais evidência. O golpismo representa uma força de trabalho impressionante, brava gente brasileira escolada na arte de falar javanês e na ciência de transformar ossos em ouro.

Ninguém escapa de ser enganado. Tido como gênio do mercado financeiro e ostentando nas redes para atrair incautos, o ex-soldado da PM Djair de Araújo embolsou R$ 30 milhões de seus colegas de farda. Até os temidos "caveiras" do Bope dançaram. Com a promessa de pagar dividendos que alcançariam 5% do valor investido, policiais venderam imóveis e contraíram empréstimos para despejar entre R$ 300 mil e R$ 500 mil nas contas de uma empresa fajuta. Era um esquema de pirâmide, que ruiu.

O senhor da guerra- Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Alternativa para conflito em Gaza encontra-se na proposta árabe de paz

"Imagine um apocalipse. Você olha à direita, à esquerda, tudo que vê são edifícios destruídos, danificados por fogo, por mísseis, tudo. É Gaza, bem agora." Yuval Green, 26, reservista de Israel, atendeu ao chamado às armas no rastro do 7 de outubro, mas decidiu dar um basta e explicou seu motivo moral à BBC. Ele entendeu que a guerra já não é sobre reféns ou o Hamas. E, depois de contemplar o apocalipse, talvez algum colega tenha lhe contado: Netanyahu, o senhor da guerra, pretende ficar em Gaza.

O Corredor de Netzarim, com cerca de 7 km de comprimento e de largura, corta a Faixa de Gaza do Mediterrâneo à fronteira israelense, pouco ao sul da Cidade de Gaza. Imagens de satélite mostram que as forças de Israel destruíram centenas de edificações situadas ao longo do corredor, dando lugar a 19 bases e dezenas de postos militares. O senhor da guerra tem um plano para o pós-guerra: girar os ponteiros do relógio para antes de 2005, quando Israel retirou suas forças e seus assentamentos da Faixa de Gaza.

O Direito à Preguiça - Marcus Pestana

Paul Lafargue, escritor e jornalista revolucionário franco-cubano, genro de Karl Marx, cuja obra foi o marco fundador do pensamento marxista, escreveu, no final do século XIX, O DIREITO A PREGUIÇA. Na epígrafe do primeiro capítulo cita Lessing “Sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar e em beber, exceto em sermos preguiçosos”. E abre seu texto dizendo: “Uma estranha loucura se apossou das classes operárias das nações onde reina a civilização capitalista. Esta loucura arrasta consigo misérias individuais e sociais que há dois séculos torturam a triste humanidade. Esta loucura é o amor ao trabalho, a paixão moribunda do trabalho, levado até o esgotamento das forças vitais do indivíduo e da sua progenitora. Em vez de reagir contra essa aberração mental, os padres, os economistas, os moralistas sacrossantificaram o trabalho” ...... “Na sociedade capitalista, o trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica”.

Fio da navalha – André Barrocal

CartaCapital

Entre a ira do mercado e a chantagem do Centrão, o governo busca um alívio para a segunda metade do mandato

O governo discutiu por dois meses medidas de controle de gastos públicos antes de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciar as linhas gerais em cadeia de rádio e tevê na noite de 27 de novembro e detalhá-las em uma coletiva de imprensa no dia seguinte. O pacote contém propostas dolorosas para um presidente eleito e apoiado principalmente pelos mais pobres. Contenção do aumento no salário mínimo, redução do número de beneficiários do abono salarial, pente-fino em programas sociais. Um ministro que participou no gabinete presidencial de reuniões preparatórias do plano afirma: Lula sempre deixou claro que o peso do ajuste não poderia cair apenas nas costas do povão. A tentativa de barrar supersalários no serviço público, a gastança parlamentar com verbas do orçamento e alguns privilégios das Forças Armadas foi pensada para repartir o ônus dos 70 bilhões de reais de ajuste fiscal nos dois últimos anos de Lula. “Queríamos que todo mundo pagasse a conta, mas nenhuma medida pegava o andar de cima”, diz uma testemunha dos acontecimentos.

Sem bufunfa no colchão - Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back

CartaCapital

Apostas em outras moedas e nas taxas de juro podem ser também, como o são realizadas em reais na Terra Brasilis

Na mítica trilogia épica, Indiana Jones, nosso arqueólogo corre desesperadamente atrás da Arca da Aliança e o Santo Graal. Assim como Indiana, nossos “especialistas” procuram neuroticamente o dinheiro nas “arcas” dos mercados!

O dinheiro não está lá, mas exerce seus poderes nas altas esferas da abstração ­real. Suas poderosas funções – unidade de conta, meio de troca e de pagamento, reserva de valor – escaparam das algemas da imediatidade material e buscam realizar o seu conceito em formas cada vez mais ideais e abstratas.

Violência sem limites - Aldo Fornazieri

CartaCapital

Partidos e parlamentares comprometidos com a democracia, assim como a sociedade civil, precisam dar um basta à brutalidade policial em São Paulo

A sociedade tem se deparado, nas últimas semanas, com cenas de violência policial assustadoras e inaceitáveis. Quem paga a polícia são os cidadãos e o pressuposto deveria ser o de que ela tem de proteger a sociedade, e não executar, assassinar pessoas desarmadas e inocentes.

Em 5 de novembro, o menino Ryan da Silva Andrade Santos, de apenas 4 anos, foi morto em uma operação policial no litoral paulista. Na madrugada do dia 20, o estudante de Medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta foi executado à queima-roupa na escadaria de um hotel na capital. Nos últimos dias, apareceram vídeos que mostram um policial à paisana executando Gabriel Renan da Silva Soares com vários tiros pelas costas, após o jovem negro furtar três pacotes de sabão líquido. O PM foi apenas afastado das funções, quando a Justiça deveria ter decretado a sua prisão.