O Globo
A desconfiança compromete a legitimidade das
decisões, dificulta a implementação de políticas públicas e fragiliza a coesão
social
Poucos sinais são tão reveladores do status
de uma democracia quanto o nível de confiança que une (ou separa) cidadãos e
instituições. Quando esse elo se fragiliza, a vida pública se torna um terreno
instável, onde o dissenso perde a mediação, e o conflito se instala como regra.
A cooperação enfraquece, e o debate se empobrece, assim como a capacidade de
resolução coletiva dos problemas.
Isso vem se aprofundando no Brasil. A sensação de distanciamento entre instituições e sociedade se consolidou como sentimento em diferentes grupos. Há algo mais estrutural em curso: a corrosão de um pacto coletivo baseado na legitimidade das instituições e no reconhecimento mútuo das competências dos três Poderes.
O levantamento mais recente Ipsos/Ipec, que
mede o Índice de Confiança Social de 2025 em relação a 2024, corrobora essa
percepção. Ainda que muitas variações estejam dentro da margem de erro, o dado
mais expressivo é o padrão geral: todos os 20 segmentos avaliados apresentaram
queda de credibilidade: Forças Armadas, meios de comunicação, Congresso
Nacional, organizações da sociedade civil, igrejas e até o Corpo de Bombeiros
registraram retração.
A crise de confiança afeta a percepção sobre
o funcionamento do Estado. O que está em xeque é a própria capacidade do país
de se reconhecer em suas instituições. Perdem-se, assim, os alicerces da vida
democrática. A desconfiança compromete a legitimidade das decisões, dificulta a
implementação de políticas públicas e fragiliza a coesão social. O espaço para
negociação cede lugar à imposição; a escuta dá lugar à acusação.
As razões para esse cenário são múltiplas. O
desgaste das formas tradicionais de representação, a fragmentação do debate
público e o avanço das redes digitais como arena de conflito, muitas vezes
desinformando, formam um caldo fértil para o descrédito. Apostar no caos quando
não se sabe para onde seguir é também uma estratégia que acirra a polarização,
que, nesse contexto, opera como combustível adicional, tensionando os extremos.
As organizações da sociedade civil, que
historicamente atuam como mediadoras entre Estado e população, também são
afetadas por essa crise. Apesar de sua contribuição para o desenvolvimento
econômico sustentável, os direitos sociais e a inovação em políticas públicas,
passam a ser vistas com mais suspeição, contaminadas pela lógica que compromete
o restante do ambiente institucional.
Superar esse quadro exige mais que reformas
normativas ou mudanças na condução das políticas. Requer a reconstrução de uma
cultura democrática baseada no diálogo, na escuta qualificada e no
reconhecimento da legitimidade do outro. A confiança institucional não se
impõe. Conquista-se por meio de práticas consistentes, abertura ao
contraditório e compromisso com as normas do Estado Democrático de Direito e o
interesse público.
Com a aproximação de um novo ciclo eleitoral,
esse movimento se torna ainda mais necessário e urgente. Em vez de ampliar
fissuras, o país precisa investir na construção de pontes entre diferentes
setores e visões. Num mundo mimetizado, posicionamentos técnicos assertivos e
claros, baseados em evidências e numa visão de respeito à dignidade e aos
direitos humanos, são mais do que necessários.
É preciso compreender o que está em disputa e
que país se pretende construir. Democracias não se sustentam sem instituições
confiáveis. E instituições não sobrevivem sem diálogo multilateral. A sociedade
civil organizada tem papel fundamental nessa conversa. Precisa se mobilizar
mais que nunca para apoiar a mudança desse cenário, promover diálogos e
reafirmar a importância das instituições democráticas e das próprias
organizações como motores de confiança na construção e na garantia de direitos.
*Laís de Figueirêdo Lopes, mestre em Direito
pela PUC/SP, é presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-SP e
sócia do escritório SBSA Advogados
Nenhum comentário:
Postar um comentário