quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Lula disposto a testar cacife, por Vera Magalhães

O Globo

Presidente planeja insistir em tentativa de obter receita frustrada com a MP que caducou usando vitórias recentes, mas chance de êxito é incerta

Lula está diante de um daqueles momentos-chave na trajetória de um governo. No prazo de uma semana, colheu sua maior vitória no Congresso e uma derrota considerável. Agora, parece disposto a testar o cacife que acumulou nas últimas rodadas do jogo da política. Trata-se de movimento ousado.

A maior vitória foi a aprovação rápida e unânime da reforma do Imposto de Renda na Câmara. Uma conjunção astral rara permitiu aquele resultado: a ousadia dos deputados uma semana antes, ao se lambuzarem com a PEC da Blindagem, levou uma multidão às ruas contra a sem-vergonhice na política, algo que não acontecia havia muito tempo. O jeito para os senhores deputados foi enfiar a viola no saco e dar ao presidente seu principal trunfo eleitoral.

Menos de uma semana depois, os mesmos parlamentares viram a chance de se vingar com a luz apagada. Aproveitaram que a Medida Provisória para fechar a meta fiscal estava prestes a caducar e deram um jeito de empurrá-la do barranco.

Como num livro de detetive à Agatha Christie, muitas mãos agiram para derrubar a MP: a direita e o Centrão, inconformados com a derrota na blindagem e com o fato de terem dado de lambuja a Lula a isenção de IR para milhões de eleitores; os lobbies das bets, fintechs e do agro; e os governadores-candidatos, que chegaram a ameaçar bancadas caso não fechassem questão contra a medida que daria mais alguns bilhões ao governo em pleno ano eleitoral.

Agora, Lula está disposto a dobrar a aposta e enviar ao mesmo Congresso uma nova proposta para alcançar os cerca de R$ 20 bilhões que a equipe econômica estima faltar para manter o arcabouço fiscal em pé. Ele tem dito a interlocutores que essa é uma briga que vale a pena comprar porque a Câmara está com a imagem para lá de afetada.

Também acredita que contará com o apoio do Senado e acha que tem em mãos um bom punhado de cartas, com o discurso da justiça tributária, a defesa da soberania nacional e o fato de os Estados Unidos terem acenado com um acordo. Tudo isso dado de bandeja ao petista pela oposição bolsonarista, diga-se.

O problema é que o arsenal de medidas reunido para a nova investida é uma variação das mesmas que enfrentaram essas forças descritas acima: taxação de fintechs e bets, aumentos pontuais de IOF (também já rechaçados), mudança na incidência da Cide.

O expediente de ficar vasculhando escaninhos em busca de mais arrecadação já se mostrou infrutífero e tem sido fonte de profundo desgaste para Lula. O discurso de que ele seria uma espécie de Robin Hood dos tributos procurando fazer os malvados pagarem o que devem tem alcance eleitoral bastante limitado — certamente não foi isso, mas sim as barbaridades de Eduardo Bolsonaro e companhia, que deu a Lula o respiro que ele desfruta nas pesquisas.

Querer usar as poucas moedas amealhadas em setembro e outubro para testar o cacife à base de medidas impopulares, que invariavelmente levarão à mobilização dos mesmos que agiram para derrubar a MP 1303 há apenas alguns dias, não parece cauteloso. Denota um salto alto semelhante ao que explica a derrota da Seleção Brasileira para o outrora inofensivo Japão no amistoso desta terça-feira.

Certamente o projeto do IR tem o potencial de trazer ovos de ouro para Lula, mas eles não serão postos agora, e sim depois que o projeto passar pelo Senado. E no ano que vem, quando passará a surtir efeito no bolso dos contribuintes. Outro evento que poderá render dividendos e, aí sim, fazer com que o caminho no Congresso desanuvie a ponto de permitir a aprovação de medidas arrecadatórias, é o sucesso da rodada de negociações com Donald Trump. Conviria ao governo trabalhar com afinco por esses trunfos antes de apostar tudo numa mesa de jogos para a qual não tem na mão cartas tão boas como parece acreditar.

 

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