O Globo
As casas de apostas mostraram seu poderio
Na balbúrdia que acompanhou a agonia da
Medida Provisória do IOF, registrou-se, como se fosse um fato da vida, que o
governo desistiu de aumentar de 12% para 18% a taxação dos lucros das casas de
apostas. Na negociação dessa MP, diversos setores da economia foram buscar sua
fatia de benefícios ou escapar dos dentes do Leão da Receita. O agronegócio
pegou sua fatia; a turma do papelório se protegeu. Depois de muita conversa,
mesmo desidratada, a MP alternativa foi a pique. O governo terá de buscar
outros caminhos, visto que não gosta da ideia de cortar despesas.
Contudo ficou uma pergunta: como as casas de apostas conseguiram baixar sua alíquota de 18% para 12%? A Viúva perderia R$ 1,7 bilhão em 2026. Mistério. Vale lembrar que as casas de apostas já movimentam mais dinheiro que o centenário jogo do bicho. Segundo o Banco Central, seriam até R$ 30 bilhões por mês.
As políticas tributárias refletem aspectos
das sociedades onde são aplicadas. Conhece-se melhor a Itália do século XIX
sabendo que havia fiscais para evitar que se pegasse água do mar para fazer
macarronada. No Brasil do século XXI, as casas de apostas mostraram que têm
poder suficiente para roer um terço de uma nova alíquota de imposto de renda.
Conseguiram isso sem grandes debates.
Pressionados pelo Congresso, os governos
de Jair
Bolsonaro e de Lula abriram
o país para a jogatina e geraram um novo mercado de influências. Quando um
representante do agronegócio quer um benefício, ele argumenta que produz soja,
milho e sustenta a economia. Os bancos prestam serviços. As montadoras fabricam
automóveis. As casas de apostas não produzem coisa nenhuma. Era mais do que
razoável tributar seus lucros em 18%.
A façanha foi tão extraordinária que a
alíquota caiu sem que a derrubada tivesse exposto as impressões digitais de
seus patronos. O que era 18% simplesmente virou 12%.
Lobbies são coisa perigosa, sobretudo
em Brasília.
É natural que um setor produtivo contrate um escritório para defender seus
interesses. As casas de apostas legalizadas convivem com similares ilegais e
até com cafofos que tangenciam o crime organizado. Foi má ideia derrubar a
alíquota no escurinho de Brasília.
Como a Medida Provisória virou vinagre, o
governo buscará outras formas de saciar sua fome de arrecadação, e o tema
voltará. Se o governo calcula que pode arrecadar R$ 2 bilhões anuais com as
casas de apostas, tudo bem.
O que ficou sobre a mesa é a percepção do
poder de fogo do lobby das casas de apostas, e ele se mostrou poderoso. Com o
Congresso fazendo o que faz, casas de apostas poderosas são uma péssima ideia.
E elas já fritaram uma CPI.
Numa percepção elitista, o Congresso é
influenciado pelas bancadas da Bíblia, do boi e da bala. A Bíblia é o livro
mais vendido, o agro segura a economia e boa parte da população acha que
bandido bom é bandido morto. Juntar nesse coquetel uma bancada das casas de
apostas será um flerte com os subúrbios do crime.
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