Valor Econômico
Ministra propôs, de maneira indireta, que os negociadores desenhem uma rota para que o mundo deixe de produzir e consumir combustíveis fósseis
No segundo dia da Pré-COP, em Brasília, a
ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, colocou o dedo na
ferida da crise climática e apontou um caminho de solução. Falou aos delegados
sobre o centro do problema das negociações e que poucos querem mencionar: o
distanciamento dos países dos combustíveis fósseis.
A decisão foi tomada em Dubai, na COP28, há
dois anos, mas deixada de lado na conferência seguinte, a COP29, em Baku. Não
se falou dela no Azerbaijão. Ressuscitou este ano, nas palavras da ministra
Marina Silva, em vários discursos em eventos internacionais. Mas só agora, na
Pré-COP, em Brasília, parece que a ficha caiu.
Marina Silva fez um discurso forte nesta direção na abertura da plenária “Implementando o Balanço Global: Transições Energéticas”. Ali sugeriu que os negociadores apresentem um “roadmap” para que o mundo deixe a dependência dos combustíveis fósseis.
“Começamos este segundo dia da Pré-Cop com
uma discussão fundamental: como implementar o parágrafo 28 do Balanço Global”,
iniciou Marina. Para os não iniciados: o Balanço Global é o conjunto de decisões
tomadas por mais de 190 países em 2023, na COP de Dubai. Um trio delas está no
parágrafo 28, um dos mais cruciais e sensíveis.
O tal parágrafo 28 tem três compromissos. Os
dois primeiros tratam de triplicar a capacidade de produção de energias renováveis
globalmente e duplicar a taxa média anual global de eficiência energética,
ambos até 2030. O terceiro é mais vago, mas fundamental: o mundo se comprometeu
em se distanciar dos combustíveis fósseis de forma justa, ordenada e
equitativa. Mas não especificou como nem quando.
A crise climática é causada pela emissão
intensa de gases-estufa gerados na queima de combustíveis fósseis (carvão,
petróleo e gás) e uma parcela bem menor pelo desmatamento. Há dois anos, pela
primeira vez em 30 anos, os governos decidiram “distanciar-se dos combustíveis
fósseis”. Não falaram quando, nem como. É isso que Marina vem falando em seus
discursos. É isso que disse, claramente, em sua fala ontem, na Pré-COP.
“O debate passa necessariamente por reflexões
sobre como promover, de maneira justa e planejada, uma transição energética
para longe dos combustíveis fósseis, envolvendo todos os países - produtores e
consumidores”, disse ela.
A ministra seguiu: “Implementar essa
transição requer resposta a uma pergunta central: Como o mundo pode caminhar
para sair da dependência do uso de combustíveis fósseis?”.
Marina reconheceu o problema e o duro caminho
de solução: “Embora essa questão não seja nova, a resposta requer ações sem
precedentes. Precisamos de esforços que considerem capacidades distintas,
tempos de transição diferentes e as diversas realidades de pessoas e países.
Três perguntas podem nos guiar: 1. Qual é o nosso ponto de partida?; 2. Qual é
o nosso ponto de chegada?; 3. E o que precisamos fazer para chegar nesse
destino?”.
Em sua fala, Marina propôs, de maneira
indireta, que os negociadores abracem a questão e desenhem uma rota, com data e
objetivo, para que o mundo deixe de produzir e consumir combustíveis fósseis.
A mensagem chegou ao destino. Representantes
de União Europeia, Suíça, nações-ilha e dos países mais vulneráveis aos
extremos climáticos manifestaram, cada um a seu modo, apoio à ideia.
O suficiente para fazer saltar reação adversa
e explícita da Arábia Saudita. O delegado reagiu dizendo que quando se fala na
implementação do Balanço Global escolhem-se alguns temas e não outros. Disse
publicamente o que sauditas costumam falar apenas em reuniões da área de
energia. Um deles, em reunião do G20 no ano passado, soltou que o Balanço
Global estaria “morto”.
Ontem, na Pré-COP, em Brasília, ficou claro
que não está.
A COP30 vem sendo chamada de “A COP da
Implementação”, pela presidência brasileira da conferência, ou de “A COP da
Verdade”, pelo presidente Lula. A ver, no fim de novembro, quais escolhas
seletivas os países farão sobre o que implementar. E quais “verdades” contarão
ao mundo.
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