quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Marina Silva coloca o dedo na ferida da crise climática, por Daniela Chiaretti

Valor Econômico

Ministra propôs, de maneira indireta, que os negociadores desenhem uma rota para que o mundo deixe de produzir e consumir combustíveis fósseis

No segundo dia da Pré-COP, em Brasília, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, colocou o dedo na ferida da crise climática e apontou um caminho de solução. Falou aos delegados sobre o centro do problema das negociações e que poucos querem mencionar: o distanciamento dos países dos combustíveis fósseis.

A decisão foi tomada em Dubai, na COP28, há dois anos, mas deixada de lado na conferência seguinte, a COP29, em Baku. Não se falou dela no Azerbaijão. Ressuscitou este ano, nas palavras da ministra Marina Silva, em vários discursos em eventos internacionais. Mas só agora, na Pré-COP, em Brasília, parece que a ficha caiu.

Marina Silva fez um discurso forte nesta direção na abertura da plenária “Implementando o Balanço Global: Transições Energéticas”. Ali sugeriu que os negociadores apresentem um “roadmap” para que o mundo deixe a dependência dos combustíveis fósseis.

“Começamos este segundo dia da Pré-Cop com uma discussão fundamental: como implementar o parágrafo 28 do Balanço Global”, iniciou Marina. Para os não iniciados: o Balanço Global é o conjunto de decisões tomadas por mais de 190 países em 2023, na COP de Dubai. Um trio delas está no parágrafo 28, um dos mais cruciais e sensíveis.

O tal parágrafo 28 tem três compromissos. Os dois primeiros tratam de triplicar a capacidade de produção de energias renováveis globalmente e duplicar a taxa média anual global de eficiência energética, ambos até 2030. O terceiro é mais vago, mas fundamental: o mundo se comprometeu em se distanciar dos combustíveis fósseis de forma justa, ordenada e equitativa. Mas não especificou como nem quando.

A crise climática é causada pela emissão intensa de gases-estufa gerados na queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) e uma parcela bem menor pelo desmatamento. Há dois anos, pela primeira vez em 30 anos, os governos decidiram “distanciar-se dos combustíveis fósseis”. Não falaram quando, nem como. É isso que Marina vem falando em seus discursos. É isso que disse, claramente, em sua fala ontem, na Pré-COP.

“O debate passa necessariamente por reflexões sobre como promover, de maneira justa e planejada, uma transição energética para longe dos combustíveis fósseis, envolvendo todos os países - produtores e consumidores”, disse ela.

A ministra seguiu: “Implementar essa transição requer resposta a uma pergunta central: Como o mundo pode caminhar para sair da dependência do uso de combustíveis fósseis?”.

Marina reconheceu o problema e o duro caminho de solução: “Embora essa questão não seja nova, a resposta requer ações sem precedentes. Precisamos de esforços que considerem capacidades distintas, tempos de transição diferentes e as diversas realidades de pessoas e países. Três perguntas podem nos guiar: 1. Qual é o nosso ponto de partida?; 2. Qual é o nosso ponto de chegada?; 3. E o que precisamos fazer para chegar nesse destino?”.

Em sua fala, Marina propôs, de maneira indireta, que os negociadores abracem a questão e desenhem uma rota, com data e objetivo, para que o mundo deixe de produzir e consumir combustíveis fósseis.

A mensagem chegou ao destino. Representantes de União Europeia, Suíça, nações-ilha e dos países mais vulneráveis aos extremos climáticos manifestaram, cada um a seu modo, apoio à ideia.

O suficiente para fazer saltar reação adversa e explícita da Arábia Saudita. O delegado reagiu dizendo que quando se fala na implementação do Balanço Global escolhem-se alguns temas e não outros. Disse publicamente o que sauditas costumam falar apenas em reuniões da área de energia. Um deles, em reunião do G20 no ano passado, soltou que o Balanço Global estaria “morto”.

Ontem, na Pré-COP, em Brasília, ficou claro que não está.

A COP30 vem sendo chamada de “A COP da Implementação”, pela presidência brasileira da conferência, ou de “A COP da Verdade”, pelo presidente Lula. A ver, no fim de novembro, quais escolhas seletivas os países farão sobre o que implementar. E quais “verdades” contarão ao mundo.

 

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