quarta-feira, 15 de outubro de 2025

O lobby da jogatina prevaleceu, por Elio Gaspari

O Globo

As casas de apostas mostraram seu poderio

Na balbúrdia que acompanhou a agonia da Medida Provisória do IOF, registrou-se, como se fosse um fato da vida, que o governo desistiu de aumentar de 12% para 18% a taxação dos lucros das casas de apostas. Na negociação dessa MP, diversos setores da economia foram buscar sua fatia de benefícios ou escapar dos dentes do Leão da Receita. O agronegócio pegou sua fatia; a turma do papelório se protegeu. Depois de muita conversa, mesmo desidratada, a MP alternativa foi a pique. O governo terá de buscar outros caminhos, visto que não gosta da ideia de cortar despesas.

Contudo ficou uma pergunta: como as casas de apostas conseguiram baixar sua alíquota de 18% para 12%? A Viúva perderia R$ 1,7 bilhão em 2026. Mistério. Vale lembrar que as casas de apostas já movimentam mais dinheiro que o centenário jogo do bicho. Segundo o Banco Central, seriam até R$ 30 bilhões por mês.

As políticas tributárias refletem aspectos das sociedades onde são aplicadas. Conhece-se melhor a Itália do século XIX sabendo que havia fiscais para evitar que se pegasse água do mar para fazer macarronada. No Brasil do século XXI, as casas de apostas mostraram que têm poder suficiente para roer um terço de uma nova alíquota de imposto de renda. Conseguiram isso sem grandes debates.

Pressionados pelo Congresso, os governos de Jair Bolsonaro e de Lula abriram o país para a jogatina e geraram um novo mercado de influências. Quando um representante do agronegócio quer um benefício, ele argumenta que produz soja, milho e sustenta a economia. Os bancos prestam serviços. As montadoras fabricam automóveis. As casas de apostas não produzem coisa nenhuma. Era mais do que razoável tributar seus lucros em 18%.

A façanha foi tão extraordinária que a alíquota caiu sem que a derrubada tivesse exposto as impressões digitais de seus patronos. O que era 18% simplesmente virou 12%.

Lobbies são coisa perigosa, sobretudo em Brasília. É natural que um setor produtivo contrate um escritório para defender seus interesses. As casas de apostas legalizadas convivem com similares ilegais e até com cafofos que tangenciam o crime organizado. Foi má ideia derrubar a alíquota no escurinho de Brasília.

Como a Medida Provisória virou vinagre, o governo buscará outras formas de saciar sua fome de arrecadação, e o tema voltará. Se o governo calcula que pode arrecadar R$ 2 bilhões anuais com as casas de apostas, tudo bem.

O que ficou sobre a mesa é a percepção do poder de fogo do lobby das casas de apostas, e ele se mostrou poderoso. Com o Congresso fazendo o que faz, casas de apostas poderosas são uma péssima ideia. E elas já fritaram uma CPI.

Numa percepção elitista, o Congresso é influenciado pelas bancadas da Bíblia, do boi e da bala. A Bíblia é o livro mais vendido, o agro segura a economia e boa parte da população acha que bandido bom é bandido morto. Juntar nesse coquetel uma bancada das casas de apostas será um flerte com os subúrbios do crime.


Nenhum comentário: