O Globo
Proposta traz mecanismos ousados e rompe com
abordagem tradicional da esquerda para segurança pública
Depois de meses de debates e alguma dose de
disputa político-institucional, o Projeto de Lei antifacção, cujas linhas
gerais foram apresentadas nesta semana, representa um avanço real e urgente
para dotar o Estado brasileiro de instrumentos necessários para combater o
crime organizado.
Ao definir o que são as facções criminosas no
controle de presídios e territórios inteiros, e ao estabelecer mecanismos mais
arrojados para identificar seus líderes e asfixiá-las financeiramente, a
proposta avança em relação ao ordenamento jurídico hoje existente, como a lei
das organizações criminosas, cujo escopo é genérico demais.
As facções passarão a ser categorizadas como organizações criminosas qualificadas, e os crimes por elas praticados se enquadrarão na categoria de hediondos. Há uma série de circunstâncias ligadas a elas que majoram as penas hoje previstas no Código Penal.
Trata-se de uma guinada na abordagem
tradicional da esquerda para a segurança pública, e a demora na definição de
detalhes do projeto se deveu também a debates entre a ala mais pragmática
levada por Ricardo Lewandowski ao Ministério da Justiça e setores da academia e
do PT que historicamente atuam nesse tema.
Houve outras disputas, algumas claramente
ditadas pela busca de protagonismo no combate às facções. A ideia de que
houvesse uma agência nacional coordenando o trabalho das polícias foi alvejada
pelo veto da Polícia Federal (PF). A PF argumentava internamente que a ideia era
um lobby do Ministério Público, que gostaria de criar um “Gaecão” (referência
ao grupo de combate ao crime organizado do MP de São Paulo) para mandar nas
polícias.
Da forma como ficou, o projeto discretamente
dá à PF o papel de coordenação que ela não quis ver delegado à nova agência.
Falta os governadores toparem esse modelo, já que a ideia da PF hipertrofiada
foi uma das razões por que os estados bombardearam a outra medida do governo
Lula para a segurança, a Proposta de Emenda à Constituição que anda devagar no
Congresso.
Outra divergência que explica os meses de
maturação do projeto dizia respeito ao próprio nome da matéria. Ao trocar
“máfia” por “facção”, o Ministério da Justiça procurou dar uma definição mais
técnica aos grupos que se quer atacar e evitar associações indevidas com
organizações como a Máfia italiana. Isso poderia abrir brechas até à defesa de
intervenções internacionais no Brasil, algo que os Estados Unidos demonstram
disposição de intensificar.
Mesmo com todas essas dificuldades de compatibilizar
visões e com eventuais atenuações, a proposta, se passar no Congresso, tem,
sim, potencial de permitir avanços numa luta que as forças de segurança e os
governos têm perdido de lavada.
A criação do Banco Nacional de Organizações
Criminosas permitirá unificar as informações disponíveis a respeito das
principais facções e seus cabeças. A infiltração de policiais e colaboradores
nesses bandos, algo que já existe, ganhará mais sistematização e mais
garantias, para que aconteça de forma mais segura e mais célere.
E mecanismos novos, como a possibilidade de
constituir pessoas jurídicas fictícias, permitirá o mapeamento das atividades
econômicas em que o crime organizado está implantado, uma vez que elas têm se
diversificado em velocidade difícil de acompanhar pelos métodos de investigação
convencionais.
Resta esperar que a proposta não entre na
gaveta da Casa Civil, temido matadouro de ideias de outras pastas. E que, ao
ser enviada para o Congresso, não vire alvo da disputa, cada vez mais
explícita, entre governo e oposição com vista exclusivamente às eleições.
Afinal, trata-se do assunto mais vital para que o Brasil não caminhe de forma
irreversível na direção dos países em que o crime controla a economia, a
política, os territórios e as instituições.

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