O Globo
As nações reunidas em Belém desviam seus
olhares dos gráficos que contam a dura verdade
A COP30 realiza-se sob o signo do autoengano. Aprovará um documento sobre o fundo para florestas tropicais, impulsionado pelo Brasil, cujas fontes de financiamento permanecem incertas. Aprovará uma declaração que vincula a ação climática ao combate à pobreza. Passará, por consenso vazio, um texto demagógico sobre “racismo ambiental” que Lula ofertará a seu cortejo identitário. Algo muito menos provável é a publicação de uma declaração final da cúpula que encare o fracasso dos objetivos do Acordo de Paris (2015).
Base jurídica das COPs, o Acordo de Paris estabeleceu o objetivo de impedir a elevação da temperatura média global para além de 2oC em relação aos níveis pré-industriais e, idealmente, evitar a ultrapassagem da marca de 1,5oC. Segundo os indícios disponíveis, a declaração final escolherá o método de dissimular a constatação de que não se obterá nem mesmo o objetivo mais modesto. As nações reunidas em Belém desviam seus olhares dos gráficos que contam a dura verdade.
Não são controversas simulações privadas, mas
modelagens oficiais produzidas pelo Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Pnuma). O objetivo de 1,5oC está morto: a marca será ultrapassada ao
longo dos próximos dez anos. Mesmo na hipótese improvável de que sejam
cumpridas à risca todas as metas nacionais de redução de emissões, a
probabilidade de alcançar o objetivo de 2oC situa-se em magros 25%. O planeta
dirige-se, em passo acelerado, para um aquecimento entre 2oC e 3oC.
A causa são as emissões de gases de efeito
estufa — dito de outro modo, o ritmo vagaroso da transição energética. As
emissões atingem, neste momento, o pico histórico, perto de 60 bilhões de
toneladas (GT) de CO2. Na trajetória atual, cairão a 55GT em 2035 e, caso
cumpram-se as metas nacionais, a pouco menos de 50GT. Mas o objetivo de 1,5oC
exigiria 25GT e o de 2oC 35GT.
A transição energética enfrenta o peso
inercial das estruturas econômicas baseadas nos combustíveis fósseis, erguidas
pela Revolução Industrial. No pelotão da frente, seguem os países europeus, que
cortam radicalmente suas emissões, mas ainda assim em níveis insuficientes.
A Rússia,
onde as emissões continuam a crescer, é a exceção negativa.
Os Estados Unidos reduzem
suas emissões, mas a passos de tartaruga, graças a dinâmicas regionais de
mercado. A China encontra-se no pico, com início de redução nos próximos anos,
enquanto a Índia aumenta velozmente suas emissões, anulando os ganhos previstos
pelos investimentos chineses nas fontes limpas.
As esperanças numa célere transição
energética global jamais se ancoraram no cálculo realista. A substituição do
carbono custa caro. Nos países ricos, os orçamentos enfrentam o desafio do
envelhecimento demográfico — e, não por acaso, os partidos verdes experimentam
insucessos eleitorais. A União Europeia só conseguiu aprovar uma atualização
precária de seu compromisso de corte de emissões às vésperas da COP30. Nos
países pobres, as sociedades priorizam o combate à pobreza presente a objetivos
térmicos globais situados no futuro.
O cenário geopolítico não ajuda. As guerras
de verdade, na Europa e no Oriente Médio, desviam os investimentos para a
indústria das armas. A “guerra tarifária” inventada por Trump estreita o palco
da cooperação diplomática. A anulação das metas de emissões dos Estados Unidos
incrementa em 0,1oC as projeções de médias térmicas planetárias.
O movimento ambientalista fechou-se na
caverna do fundamentalismo. A opção pelo investimento acelerado em usinas
nucleares, agregando-as ao arsenal de fontes limpas, não decolou no Ocidente
devido à oposição dos “verdes”. Bill Gates publicou um artigo sugerindo
redestinar investimentos à redução da pobreza, como via para a adaptação às
mudanças climáticas. Seus argumentos ponderáveis sofreram implacável bombardeio
dos “verdes”. Mas, como de costume, os ativistas promovem encenações de santa
indignação ante a inércia dos governos.
De costas para os gráficos, a COP30 terminará
sem enfrentar o impasse político evidenciado pelo Pnuma, deslocando a
diplomacia ambiental para o universo paralelo da negação da realidade. No lugar
de uma declaração responsável de admissão do fracasso, com revisão de objetivos
e estratégias, Belém cantará vitória.

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