segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Belém não acredita em gráficos, por Demétrio Magnoli

O Globo

As nações reunidas em Belém desviam seus olhares dos gráficos que contam a dura verdade

A COP30 realiza-se sob o signo do autoengano. Aprovará um documento sobre o fundo para florestas tropicais, impulsionado pelo Brasil, cujas fontes de financiamento permanecem incertas. Aprovará uma declaração que vincula a ação climática ao combate à pobreza. Passará, por consenso vazio, um texto demagógico sobre “racismo ambiental” que Lula ofertará a seu cortejo identitário. Algo muito menos provável é a publicação de uma declaração final da cúpula que encare o fracasso dos objetivos do Acordo de Paris (2015).

Base jurídica das COPs, o Acordo de Paris estabeleceu o objetivo de impedir a elevação da temperatura média global para além de 2oC em relação aos níveis pré-industriais e, idealmente, evitar a ultrapassagem da marca de 1,5oC. Segundo os indícios disponíveis, a declaração final escolherá o método de dissimular a constatação de que não se obterá nem mesmo o objetivo mais modesto. As nações reunidas em Belém desviam seus olhares dos gráficos que contam a dura verdade.

Não são controversas simulações privadas, mas modelagens oficiais produzidas pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). O objetivo de 1,5oC está morto: a marca será ultrapassada ao longo dos próximos dez anos. Mesmo na hipótese improvável de que sejam cumpridas à risca todas as metas nacionais de redução de emissões, a probabilidade de alcançar o objetivo de 2oC situa-se em magros 25%. O planeta dirige-se, em passo acelerado, para um aquecimento entre 2oC e 3oC.

A causa são as emissões de gases de efeito estufa — dito de outro modo, o ritmo vagaroso da transição energética. As emissões atingem, neste momento, o pico histórico, perto de 60 bilhões de toneladas (GT) de CO2. Na trajetória atual, cairão a 55GT em 2035 e, caso cumpram-se as metas nacionais, a pouco menos de 50GT. Mas o objetivo de 1,5oC exigiria 25GT e o de 2oC 35GT.

A transição energética enfrenta o peso inercial das estruturas econômicas baseadas nos combustíveis fósseis, erguidas pela Revolução Industrial. No pelotão da frente, seguem os países europeus, que cortam radicalmente suas emissões, mas ainda assim em níveis insuficientes. A Rússia, onde as emissões continuam a crescer, é a exceção negativa.

Os Estados Unidos reduzem suas emissões, mas a passos de tartaruga, graças a dinâmicas regionais de mercado. A China encontra-se no pico, com início de redução nos próximos anos, enquanto a Índia aumenta velozmente suas emissões, anulando os ganhos previstos pelos investimentos chineses nas fontes limpas.

As esperanças numa célere transição energética global jamais se ancoraram no cálculo realista. A substituição do carbono custa caro. Nos países ricos, os orçamentos enfrentam o desafio do envelhecimento demográfico — e, não por acaso, os partidos verdes experimentam insucessos eleitorais. A União Europeia só conseguiu aprovar uma atualização precária de seu compromisso de corte de emissões às vésperas da COP30. Nos países pobres, as sociedades priorizam o combate à pobreza presente a objetivos térmicos globais situados no futuro.

O cenário geopolítico não ajuda. As guerras de verdade, na Europa e no Oriente Médio, desviam os investimentos para a indústria das armas. A “guerra tarifária” inventada por Trump estreita o palco da cooperação diplomática. A anulação das metas de emissões dos Estados Unidos incrementa em 0,1oC as projeções de médias térmicas planetárias.

O movimento ambientalista fechou-se na caverna do fundamentalismo. A opção pelo investimento acelerado em usinas nucleares, agregando-as ao arsenal de fontes limpas, não decolou no Ocidente devido à oposição dos “verdes”. Bill Gates publicou um artigo sugerindo redestinar investimentos à redução da pobreza, como via para a adaptação às mudanças climáticas. Seus argumentos ponderáveis sofreram implacável bombardeio dos “verdes”. Mas, como de costume, os ativistas promovem encenações de santa indignação ante a inércia dos governos.

De costas para os gráficos, a COP30 terminará sem enfrentar o impasse político evidenciado pelo Pnuma, deslocando a diplomacia ambiental para o universo paralelo da negação da realidade. No lugar de uma declaração responsável de admissão do fracasso, com revisão de objetivos e estratégias, Belém cantará vitória.

 

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