segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Não é culpa do Banco Central, por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

E então, nenhuma carta nesta mão, nada na outra, e um déficit de R$ 80 bilhões vira R$ 31 bilhões, que é igual a zero — uma proeza

Não, o Banco Central não é o culpado pelos juros altos. A culpa está no Ministério da Fazenda, responsável pelo descontrole das contas públicas, que resultam numa expansão insustentável da dívida. Mas o ministro Fernando Haddad segue os projetos do presidente Lula.

Sobram números para demonstrar esse desequilíbrio. Mas nada é mais eloquente que esta situação: o governo terá déficit expressivo neste ano, algo em torno de R$ 80 bilhões. E poderá declarar de peito aberto que cumpriu a meta legal de déficit zero.

O truque começa na flexibilização da meta. É zero, mas, sabem como é, isso de orçamento é coisa complicada de acertar, de modo que o arcabouço aceita uma margem de tolerância. O resultado pode ser um déficit equivalente a 0,25% do PIB (algo como R$ 31 bilhões) ou um superávit de mesmo tamanho. No governo, ninguém jamais pensou em buscar a meta de superávit. Seria, dizem, deixar o dinheiro sobrar quando há tantos gastos importantes a fazer.

Vamos aqui dar um ok provisório. De fato, há muitas carências a atender com o gasto público. Mesmo assim, um governo já muito endividado, como é este, deveria, por prudência, mirar no resultado zero, deixando a margem de tolerância para a ocorrência de eventos inesperados. Nas circunstâncias atuais, se o governo gastasse apenas o que arrecada, já estaria muito bom. Mesmo porque a receita tem aumentado expressivamente.

Mas não basta. A Fazenda diz que precisa ter como alvo o déficit máximo tolerável. Caso contrário, teria de cortar muitas despesas, o que o presidente não tolera. Forma-se no Tribunal de Contas da União uma tese de que o governo tem de mirar o déficit zero, e não a margem de tolerância. Mas isso, se vier a valer, será só no próximo ano. As engrenagens do Executivo não são propriamente apressadas. Fica assim, portanto: o governo buscará na execução do Orçamento deste ano um déficit de R$ 31 bilhões (0,25% do PIB), que será igual a zero na forma da lei e na lógica do arcabouço fiscal.

Entretanto as contas da própria Fazenda mostram que o déficit real ficará próximo dos R$ 80 bilhões. O truque é dobrado. Além da margem de tolerância, a lei e o arcabouço declaram que determinadas despesas não entram na conta. São despesas diversas, desde o pagamento de precatórios até gastos emergenciais e não tão emergenciais, como a compra de equipamentos militares. É isso mesmo: gasta-se o dinheiro, mas não se considera na contabilidade oficial e legal.

E então, senhoras e senhores, nenhuma carta escondida nessa mão, nada na outra, e um déficit de R$ 80 bilhões aparece como R$ 31 bilhões, que é igual a zero — uma proeza.

Desgraçadamente, porém, a realidade é um tanto diferente: o dinheiro não contabilizado sai dos cofres do governo, é gasto efetivo. E, assim, a despesa fica acima da receita. Vai daí, o governo precisa tomar dinheiro emprestado para cobrir os gastos correntes e para pagar juros da dívida já feita. Em outras palavras, aumenta a dívida pública.

Quando começou o governo Lula 3, a dívida bruta era equivalente a 71,7% do PIB. Em agosto último, já era de 77,5%. E subindo. No lançamento do arcabouço, o Ministério da Fazenda projetava que essa dívida bruta chegaria a 77% do PIB só no fim de 2026, e isso no pior cenário. Como esse número já foi superado neste ano, as novas projeções preveem que a dívida chegará a 83% do PIB no fim do governo, em dezembro de 2026.

Como calcula o economista Alexandre Schwartsman, os gastos federais da atual gestão subiram R$ 280 bilhões. Mesmo com o aumento seguido de impostos, não há como cobrir isso tudo. Não há dúvida de que muitos gastos são necessários e justos. Mas não tem mesmo nada para cortar?

Um governo muito endividado tem de pagar juros cada vez mais altos para tomar empréstimos. Essa é causa primária dos juros altos. Não é culpa Banco Central. O que se precisa é de reformas para um ajuste nas contas públicas. Sei que é fácil falar, difícil fazer. Mas continua necessário, se queremos um país equilibrado e em crescimento.

 

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