segunda-feira, 27 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

 

Não tem nexo subordinar agências reguladoras à Câmara

Por O Globo

Se aprovada, PEC as sujeitaria às ingerências políticas de que, por definição, devem ser preservadas

A independência das agências reguladoras está mais uma vez em risco. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição relatada pelo deputado Danilo Forte (União-CE), que transfere do Executivo aos deputados a prerrogativa de fiscalizá-las. Se for adiante, será um enorme retrocesso.

As agências, que atuam em setores como telefonia, energia elétrica ou petróleo e combustíveis, não surgiram do nada. Foram criadas na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), sob a inspiração dos melhores modelos internacionais de supervisão dos serviços públicos prestados por empresas. Mesmo vinculadas ao Executivo, precisam ter liberdade para zelar pela qualidade desses serviços e ser blindadas contra influências político-partidárias e ideológicas, para que prevaleçam critérios técnicos. Aprovar a PEC equivale justamente a submeter as agências às ingerências de que, por definição, elas devem ser preservadas.

Vai jorrar petróleo. Mas vai demorar, por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Na verdade, já há atraso considerável, determinado pelas dificuldades na obtenção do licenciamento ambiental

A Petrobras tem licença apenas para procurar petróleo na Margem Equatorial, no litoral do Amapá. Se encontrado óleo, precisará voltar ao Ibama e iniciar outro processo de licenciamento para a exploração comercial. Desde já, está claro que, encontrado o petróleo, como é provável, a empresa tocará a produção. Mais que isso: os comentários do presidente Lula mostram que ele já conta com o dinheiro do petróleo para “financiar a transição energética” e para “melhorar a vida do povo brasileiro”, como disse em sua passagem pela Indonésia.

Mas pode demorar, e muito. Na verdade, já há um atraso considerável, determinado pelas dificuldades na obtenção do licenciamento ambiental. Desde o início dos anos 2000, já havia fortes indícios da existência de óleo, e abundante, na Margem Equatorial. Em 2013, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) fez um leilão de blocos na Bacia da Foz do Amazonas. O poço que a Petrobras começou agora a perfurar foi então adquirido pela estatal, em sociedade com a multinacional bp (ex-British Petroleum).

Trump, pacifista, por Demétrio Magnoli

O Globo

Ele despreza a Pax Americana erguida por seus predecessores desde a Segunda Guerra Mundial

Donald Trump candidatou-se ao Nobel da Paz. Clama, sem corar, ter “solucionado oito guerras” e prontifica-se a resolver a “mais difícil”, na Ucrânia. Seu plano de paz para o conflito em Gaza reserva para si mesmo a função de CEO de um Conselho da Paz. Trump é o improvável pacifista destes nossos tempos belicistas.

Quem, senão um desalmado, preferiria a guerra à paz? Pacifismo, palavra bonita, remete a Gandhi, à contracultura hippie, a jovens manifestantes, flores à mão, diante de fileiras de policiais armados.

Bertrand Russell tornou-se um ícone do pacifismo por sua oposição ativa à Grande Guerra (1914-1918). Às vésperas da guerra seguinte, em 1937, opôs-se ao rearmamento britânico, propondo que as futuras tropas invasoras nazistas fossem “tratadas como visitantes”. Só desistiu do apaziguamento em 1940, reconhecendo que, em circunstâncias extremas, a guerra seria a menor de duas desgraças.

A favela na era IA, por Preto Zezé

O Globo

Se o Brasil quer ser protagonista na nova economia digital, precisa começar pela base

Outro dia, duas visões do Brasil se chocaram na minha cabeça. De um lado, minha mãe, orgulhosa, exibindo seus novos domínios digitais — Instagram, Zapzap, TikTok. Ela me manda áudios de cinco minutos, sabe mais da minha vida pelas redes do que eu mesmo e se acaba de rir com vídeos virais. Detalhe: uma mulher semianalfabeta, mas fluente no toque da tela. Do outro, em Salvador, a formatura dos jovens do projeto CrIAtivos da Favela — parceria da Favela Filmes, Instituto Heineken, Rede Bahia e governo estadual. Dezenas de talentos concluindo uma formação de ponta, com o brilho de quem se sente pronto para o mercado audiovisual.

Ver parentes e amigos celebrando foi emocionante. Eram duas pontas do mesmo país se conectando: minha mãe, que aprendeu a navegar, e aqueles jovens, que agora navegam rumo ao futuro.

O IPCA mais comportado e a chance de corte da Selic em janeiro, por Sergio Lamucci

Valor Econômico

Ter juros reais um pouco menos elevados daria um refresco para empresários e pessoas físicas com dívidas pesadas, tornaria o investimento produtivo mais atraente e reduziria as despesas financeiras do governo

A inflação dá sinais mais claros de arrefecimento, como mostrou o resultado de outubro do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo -15 (IPCA-15), prévia do indicador que serve como baliza para o regime de metas. O índice teve alta de 0,18%, abaixo do consenso de mercado de 0,24%, com o acumulado em 12 meses desacelerando de 5,32% até setembro para 4,94% até outubro. Nesse cenário, aumentaram as chances de o IPCA fechar 2025 em 4,5%, o teto da banda de tolerância da meta, ou até um pouco abaixo disso. A possibilidade de um corte da Selic em janeiro entrou no radar com mais força, ainda que esteja longe de ser uma aposta consensual entre os economistas.

O que Trump pedirá a Lula e ao Brasil? Por Bruno Carazza

Valor Econômico

Experiência de outros países e itens de investigação apontam quais podem ser os tópicos que Brasil deve ceder para ter alívio no tarifaço

A aproximação entre Lula e Trump e o início das negociações entre os dois governos é motivo de comemoração e alívio, mas uma coisa é certa: o Brasil vai ter que ceder muito para, no máximo, ficar numa situação bem pior do que estava antes da posse do presidente americano.

Por mais poderosa que seja a lábia de Lula, o governo brasileiro terá que atender a diversos pleitos americanos para terminar, quando muito, com a tarifa inicial mínima de 10% aplicada a todos os países (muito superior à média de 2,6% vigente no mandato de Biden) e o alívio da Lei Magnitsky sobre algumas autoridades políticas.

Não se trata de pessimismo ou de descrédito da diplomacia brasileira. Até os poderosos Japão e União Europeia capitularam diante das ameaças de Trump. Ao final das negociações, contentaram-se com tarifas de 15% e ainda cederam a exigências de dar tratamento privilegiado a produtos americanos em seus mercados e a fazer investimentos de centenas de bilhões de dólares nos Estados Unidos.

A gestação da foto entre Lula e Trump, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Trump impôs seu jogo, viu os danos causados à economia americana e agora começa a recuar, comenta um diplomata brasileiro

Na pose captada pelo fotógrafo oficial da Presidência, Ricardo Stuckert, a diferença de mais de 20 centímetros de altura, disfarçada pelas poltronas, aparece e é acentuada pelo lendário topete louro do presidente americano, que o deixa ainda mais alto. A altura não é o único atributo que sobressai em Donald Trump. O sorriso do presidente americano na pele bronzeada artificialmente deixa à mostra todos os dentes, enquanto o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva os deixa escapar mais discretamente. É ainda a mão do presidente americano que envolve a do colega brasileiro.

Naquela reproduzida pela Casa Branca o sorriso de Trump é ainda mais largo e os poucos dentes mostrados por Lula somem numa atitude mais apreensiva. A postura do presidente americano se traduz na frase usada para sintetizar o encontro nas suas redes oficiais: “Foi uma grande honra estar com o presidente do Brasil... Acho que seremos capazes de fazer bons acordos para nossos países... sempre tivemos uma boa relação - e acredito que isso deve continuar”.

O ‘first date’ entre Trump e Lula, por Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Após o tarifaço e Lei Magnitsky, Trump e Lula buscam relação pragmática – com menos ideologia e mais comércio

“First date” é o primeiro encontro entre duas pessoas que buscam entender se há afinidade e disposição para algo mais duradouro. No caso dos presidentes Trump e Lula, o flerte começou discretamente – um aceno na ONU, em 23/09, seguido de uma conversa telefônica em 11/10 – e culminou no primeiro encontro presencial ontem em Kuala Lumpur. Em pouco mais de um mês, os dois mandatários construíram uma aproximação tão veloz quanto calculada.

O pano de fundo não poderia ser mais tenso. O tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos a produtos brasileiros e a decisão de aplicar a Lei Magnitsky a ministro do STF criaram o pior cenário diplomático entre os dois países desde a Guerra Fria. Paradoxalmente, essa crise parece ter acelerado a reaproximação. Lula entendeu que confrontar Washington seria suicídio econômico. Trump, por sua vez, percebeu que isolar o Brasil abriria espaço para a China consolidar sua influência na América do Sul.

O colunismo anti-Supremo, por Georges Abboud*

Folha de S. Paulo

Sob verniz jornalístico, falar mal do STF rende engajamento, cliques e público fiel, ansioso por uma dose de indignação fantasiada de opinião

Acusar um magistrado de vender decisão é a mais grave ofensa possível: atinge não só a pessoa, mas o próprio Judiciário

Somos um país do humor e da piada: não à toa, o riso é a forma mais sutil de expor a ignorância, a arbitrariedade e as mazelas sociais. Rir é uma resistência inteligente ao sofrimento, mas cujo limite, sempre tênue, depende de uma leitura adequada do contexto.

Afinal, o humor depende de acordos culturais tácitos para existir. Essa regra básica do discurso me veio à mente ao ler coluna de Lygia Maria, nesta Folha, sob o cafona (e que se pretendia polissêmico) título "O STF virou piada" (19/10).

Brasil pode ser nova potência global, por Camila Rocha

Folha de S. Paulo

Existem interesses de longo prazo na aproximação entre países que levou a encontro de Trump com Lula

Rubio diz que EUA querem ser parceiros preferenciais em detrimento da China, mas missão não será fácil

O Brasil é um país grande e importante. Essa foi a resposta de Marco Rubio, secretário de Estado dos Estados Unidos, ao ser questionado sobre o objetivo do encontro entre Donald Trump e Lula em Kuala Lampur, na Malásia.

Ainda que as tarifas impostas por Trump tenham prejudicado a economia norte-americana, existem interesses de longo prazo em jogo na aproximação entre os dois países. Rubio afirma que os Estados Unidos querem se tornar os parceiros comerciais preferenciais do Brasil em detrimento da China. A missão não será fácil.

Vulgar especulação de cargos e propinas, por Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Em nome de uma criminalização da política o debate sobre corrupção foi interditado desde o mensalão e a Lava Jato

O desafio redobrou devido ao desmonte de práticas institucionais em vez da correção dos desvios

Que o Brasil viva, na conjuntura atual, um malaise político não deveria surpreender. Trata-se de um traço constitutivo da nossa experiência republicana, em que interregnos de entusiasmo cívico são espasmódicos. Há um século, esse malaise já se manifestava no desencanto da primeira geração republicana. Como escreveu Vicente Licínio Cardoso —cuja obra póstuma "À margem da História da República" (1933) reúne reflexões amargas sobre os fracassos dos governos republicanos—, "a grande e triste surpresa de nossa geração foi sentir que o Brasil retrogradou".

Falava-se, como hoje, em retrocesso democrático e de políticas. Para Cardoso, a história "não deve ser fabricante de elogios nem depósito sebento de críticas póstumas"; ela deve apontar o fracasso rotundo do país em áreas vitais, como a educação pública —"nossa tragédia".

50 anos numa noite mágica e cidadã, por Juca Kfouri

Folha de S. Paulo

Estavam lá os órfãos, o presidente da República e a do STM, que pediu perdão

Eloquentes foram as ausências do governador de São Paulo e do prefeito do capital

No sábado (25), à tarde, o Corinthians ganhou do Vitória, se afastou do risco de queda e aliviou o Santos.

À noite, o Flamengo conseguiu perder para o Fortaleza e alegrar o Palmeiras, que estava murcho com o desastre de Quito.

Também à noite, o São Paulo ganhou bem do Bahia.

Mais: a Ponte Preta ganhou sua primeira taça nacional em 125 anos de história, ao ser campeã da Série C.

De quebra, neste domingo, João Fonseca foi campeão no ATP 500 da Basileia, na Suíça.

Convenham, a rara leitora e o raro leitor, que assuntos não faltaram para a coluna, que dos cinco eventos citados viu dois, o que envolveu o sofrido e assaltado, pelos cartolas, Corinthians, e o do magnífico jovem tenista brasileiro.

A derrota rubro-negra e a vitória tricolor concorreram com o que de mais importante aconteceu na vida brasileira no fim de semana, mais importante até que o encontro entre Lula e Trump.

Porque na noite de sábado, na Catedral da Sé, os dois órfãos de Vladimir Herzog, Ivo e André, voltaram ao palco onde, em 1975, aconteceu o culto ecumênico que marcou o início da redemocratização do Brasil. Estavam acompanhados do neto e das netas de Vlado, a quem novo ato inter-religioso homenageou.