sexta-feira, 5 de junho de 2009

NOMES E USOS DA CIDADE

Maria Alice Rezende de Carvalho1
DEU NO BOLETIM CEDES/IUPERJ

Recentemente, um considerável número de estudos sobre a cidade tem destacado a dificuldade de se entender a experiência urbana contemporânea a partir do modelo da cidade industrial de massa. Como se sabe, a chamada revolução industrial de fins do século XVIII forçou a concentração populacional em um mesmo território, segmentando socialmente e diferenciando funcionalmente espaços e habitantes. Nascia a cidade especificamente moderna.

Esse modelo de cidade, contudo, não foi o resultado “natural” da crise das sociedades tradicionais e do nascimento das fábricas. Sua emergência, ao contrário, era imprevisível e decorreu do embate de agências intelectuais e políticas muito poderosas, representadas por filantropos, literatos, socialistas, autoridades sanitárias e policiais, lideranças operárias e empresariais, educadores e religiosos.

Tal debate foi crucial à modelagem não apenas da nova cidade, como da própria era moderna. Em primeiro lugar, porque os argumentos mobilizados por aqueles atores deslocaram hábitos mentais antigos e estabeleceram explicações racionais para as ocorrências. Mas, sobretudo, porque, em o fazendo, formularam princípios prescritivos quanto à ordem que a sociedade deveria assumir. De modo que analítica e moralmente, ou seja, tanto no plano cognitivo, quanto no plano normativo, forjaram um modelo de cidade que se impôs ao mundo e que, ao avançar, apagou os rastros da sua invenção. De contingente, portanto, passou a “natural”, prescindindo de qualquer fonte de justificação.

A cidade, enfim, era a evidência da natureza utilitária da maioria da humanidade e da sua capacidade de associação para realização pacífica de seus interesses. Os grandes boulevards dignificarão essa representação do utilitarismo.

Foi apenas nas últimas décadas do século XX, quando os pressupostos da modernidade começaram a ser questionados, que os artefatos modernos conheceram um processo de gradativa “desnaturalização” – dentre os quais, as cidades. A partir daí, erigiram-se duas grandes vertentes de discussão sobre as vicissitudes contemporâneas do urbano. São, em parte, faces da mesma moeda: de um lado, a vertente que questiona teoricamente a noção de cidade, tendo em vista sua afinidade genética com outras noções em declínio, como a de trabalho ou mesmo a de planta fabril, em uma economia dita informacional. Nesse caso, opera-se com a crítica disciplinar sistemática, mobilizando-se a teoria sociológica para evidenciar, por exemplo, os limites heurísticos do conceito de cidade. Há, também nesse flanco, uma variante menos sistemática e mais fenomenológica, que comparece, por exemplo, no trabalho recente de Mike Daves, intitulado “Planeta Favela”. Nele o rendimento heurístico da noção de cidade é questionado pela saturação de retratos empíricos da sua falência vis-à-vis a eclosão planetária de favelas.

A outra vertente é a que toma a história como um instrumento crítico, de modo a descortinar formas concorrentes de representação do mesmo fenômeno, que, contudo, permaneceram ocultadas pela hegemonia de certa configuração.

No que se refere especificamente à noção de cidade industrial de massa, a crítica histórica parece ser mais promissora, uma vez que a Sociologia, como disciplina, é parte do problema. Foi a Sociologia, afinal, que afirmou a universalidade daquele tipo de cidade, de tal modo que a ela se poderá chamar de “cidade sociológica”.

Assim, para a finalidade desse texto, será importante considerar que a cidade que conhecemos, aquela a que nos habituamos e que, inclusive, tendemos a considerar “natural”, é uma forma de pouco mais de 200 anos. E que a ela estão associados os signos da economia, da coordenação que o mercado imprime à vida social. Antes disso, porém, a experiência urbana não foi desimportante. Ao contrário.

No Ocidente, pelo menos a partir do século XIV, algumas cidades se destacaram por sua magnificência, em um contexto em que o mercado era bem menos saliente do que a política, do que o exercício do poder. Portanto, uma das possibilidades de relativizar a onipresença da “cidade sociológica” é reafirmar a importância contemporânea da política, ou melhor, da cidade como espaço da política, na expectativa de que uma nova disputa entre representações, a exemplo da que ocorreu no início do século XIX, possa ampliar nosso repertório analítico e nosso horizonte de experiências.

O texto, a seguir, trata de representações acerca das cidades brasileiras.

Considera que o tratamento sociológico conferido a elas, sendo também uma narrativa em competição, é muitíssimo recente e, de certo ponto de vista, “despolitizador” do debate que envolveu, desde a origem, o mundo urbano brasileiro. Em outras palavras, a academização do conhecimento acerca das nossas cidades retraiu – ao que parece, e a despeito de suas intenções – o campo de disputa envolvido na caracterização de suas potencialidades. O tema talvez valha uma história.

A cidade colonial brasileira nasceu como entreposto comercial e centro administrativo, subtraída, portanto, das fricções políticas que eram inerentes às formações urbanas do renascimento europeu. Aqui estiveram originalmente ausentes as disputas entre “graúdos” e “miúdos” que marcaram a Florença renascentista, assim como Paris, Reims ou Castres, onde o termo “menus” e a situação tributária a que aludia foram fontes de violentas revoltas.

De fato, à diferença de outras regiões européias, o chamado renascimento português, não conhecendo descontinuidades profundas em relação ao mundo feudal, manteve as cidades quietas. E a nova estratificação ligada à economia, à propriedade urbana, ao dinheiro, à influência no espaço citadino combinou-se mais docilmente ao princípio da hierarquia que presidira o período precedente. O próprio império ultramarino dos séculos XV e XVI jogou papel relevante na conformação desse quietismo urbano, pois pôde manter inalterada a trama de direitos corporativos, ao tempo em que assegurava ao rei luso novos territórios materiais e simbólicos, juridicamente desimpedidos para o pleno exercício do seu poder.

Nesse império ultramarino, como se sabe, as colônias africanas perdurarão como feitorias, com a função quase exclusiva de suprir de escravos as lavouras americanas. As vilas brasileiras, porém, conheceram crescente complexificação social e, logo, política, do que dão testemunho as rebeliões nativistas do século XVIII e início do século XIX, que acabaram por embalar o projeto de parte da elite metropolitana de “emancipar” o Brasil e conferir-lhe posição idêntica a de Portugal no âmbito de um império federado. Mas o traslado da Coroa portuguesa e o subseqüente rompimento com as Cortes de Lisboa, em 1822, impuseram dinâmica política diversa. O Brasil tornou-se independente, preservando, no entanto, o arranjo econômico-social do mundo agrário, na expectativa de que, entre outras coisas, a expansão daquela ordem impusesse contenção à buliçosa experiência citadina brasileira.

Pode-se dizer, portanto, que durante o século XIX, nossas cidades foram alvo de desdobrados cuidados das autoridades metropolitanas e, após a independência, tema relevantíssimo do debate entre antagonistas políticos da hora (partido português vs. partido brasileiro; luzias vs. saquaremas; republicanos vs. monarquistas). Assim, a despeito de sua anêmica conformação política original, o mundo urbano brasileiro, tão logo se desfez do quietismo português, revelou-se um ambiente de tensões e animado por disputas políticas.

Nas regiões economicamente dinâmicas, como foram, em períodos diversos, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia, por exemplo, tem-se a célere constituição de um estrato de funcionários da justiça e ordem pública – sintoma do crescente enraizamento populacional nas cidades e do esforço em estender o alcance da Coroa até lá, contrariando, muitas vezes, interesses das classes senhoriais locais. As cidades e vilas mineiras ilustram esse processo, assim como aquelas, menos lembradas, do Recôncavo baiano. Nas demais regiões, sobretudo as do norte ou do “Brasil de dentro”, a que se costuma atribuir a inexistência de vestígios de uma cultura de fixação, ainda lá se destaca o ambiente da urbe, embora mais movediço, cujo soerguimento e colapso tendiam a acompanhar as rotas econômicas mais promissoras.

De qualquer modo, no começo do século XX, a literatura que pretendeu entender as grandes linhas geratrizes do Brasil, ecoou essas percepções remanescentes do Império e tomou a cidade como embrião do corpo político nacional, muito antes de apontá-la como vórtice da evolução econômica e praça de negócios.

Capistrano de Abreu, ao narrar a saga dos caboclos brasileiros na confluência das três bacias hidrográficas do país, Euclides da Cunha, em seus estudos sobre a Amazônia, e Oliveira Vianna, no clássico “Populações Meridionais do Brasil”, para mencionar apenas alguns exemplos dessa floração de intérpretes brasileiros, têm, em comum, o diagnóstico de um povo livre, que vaga ainda sem forma, matéria bruta do Estado-nação e da embrionária autonomia jurisdicional da cidade vis-à-vis a grande propriedade. Tratava-se, evidentemente, de uma representação metafórica da potencialidade política do povo, para quem a conquista da cidade seria o momento de encontro com o Estado e não com o mercado, como alertava Oliveira Vianna no contexto liberalizante da República Velha.

O tema da precedência da política, assumido pelo ensaísmo brasileiro dos anos 1910 e 1920, conheceu renovação nos estudos de antropólogos americanos convidados a lecionar na Universidade de São Paulo durante a década de 1930,
sobretudo Emílio Willems, autor de “Uma Vila Brasileira”, e Marvin Harris, com o seu “Town and Country in Brazil”. Suas pesquisas levavam em consideração, basicamente, traços culturais de pequenas comunidades brasileiras, nas quais buscavam surpreender a política como ethos, isto é, como um hábito da vida coletiva, ainda pouco tocada pelas formas impessoais de coordenação social.

Destacaram, assim, padrões tradicionais de comportamento, principalmente a centralidade da família no concernente à definição de práticas e ideais. Sua expectativa era a de acompanhar o início de um processo de individualização e secularização, de destruição, enfim, da “estrutura de laços coletivistas” em prol de “certo número de ações de ênfase mais individualista”, como escreveu Willems.


Os resultados dessas pesquisas começaram a ser publicados nas décadas de 1940 e 1950, incorporando aspectos conceituais e metodológicos que já continham, em alguma medida, uma crítica à teoria da modernização e à crença em uma destruição completa dos padrões retrógados da mentalidade a partir do desenvolvimento mercantil. Se observado, por exemplo, o trabalho de Antônio Cândido – “Parceiros do Rio Bonito” –, ver-se-á que a análise de um pequeno vilarejo brasileiro serve, ali, ao propósito de apontar um continuum modernizador, que não permitia a mobilização do repertório conceitual do folk e também não avalizava crenças na completa superação do tradicional.

De forma similar, os estudos mineiros sobre cidades renovariam o diagnóstico da precedência da política. Minas Gerais, por aquela época, se definiria pelos estudos políticos de pequenas cidades brasileiras, embora, lá, o espaço privilegiado para essa reflexão não tenha sido a universidade, como em São Paulo, mas a Revista Brasileira de Estudos Políticos, cujos autores foram os intelectuais reunidos em torno do jurista Orlando de Carvalho, seu editor. Tal fato parece ter determinado a aproximação daquele círculo intelectual com a tradição municipalista, distanciando-se da visada antropológica que presidia a pesquisa urbana em São Paulo. Mais tarde, quando a revista se abriu à influência da literatura norte-americana, seria a sociologia política dos partidos e eleições que dominaria o campo de estudos urbanos mineiros, refreando, mais uma vez, o viés etnográfico que costumava cercar aquele objeto.

Em suma, encerrada a primeira metade do século XX – o país mergulhado no esforço desenvolvimentista do período JK – cidade e política eram, ainda, termos indissociáveis no Brasil. É, portanto, muito recente, entre nós, a emergência da cidade “sociológica”, isto é, de uma noção de cidade naturalizada e impermeável a outras formas de experimentação do urbano. Principalmente àquelas que a tomam como um espaço de associação, autonomia e inovação, e não apenas de individuação, dependência e rotina. De fato, no Brasil, a cidade sociológica, por excelência, é a cidade de São Paulo, onde o paralelismo dos fenômenos da urbanização e da industrialização tende a acompanhar, embora com a distância temporal de um século, o padrão europeu. E onde, de forma mais contundente, a sociologia disciplinar disputou com a política a questão da cidade.

1 Professora do Departamento de Sociologia da PUC-Rio, membro da coordenação do Centro de
Estudos Direito e Sociedade (CEDES/IUPERJ) e Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), biênio 2009-2010.

Câmara vai votar mudanças na lei eleitoral

Isabel Braga
DEU EM O GLOBO

Um dos principais pontos é a regulamentação da pré-campanha já para 2010

BRASÍLIA. Os líderes partidários na Câmara decidiram votar, ainda este mês, mudanças na lei eleitoral para a disputa de 2010. Um dos principais pontos é a regulamentação da pré-campanha, que, na prática, permitirá a antecipação dos atos partidários sem o fantasma da punição com inelegibilidade por propaganda eleitoral fora de época. Há consenso, também, na importância de liberar o uso da internet como ferramenta de campanha, e a decisão de restringir a possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ditar as normas da disputa, com resoluções, às vésperas das eleições.

Outros pontos da pretendida reforma política, como financiamento público de campanha ou votação em lista, foram engavetados por falta de acordo.

- Vamos votar a reforma eleitoral em junho - disse, otimista, o líder do PT, Cândido Vaccarezza (SP), salientando que, para o futuro, o PT defende um Congresso revisor em 2011 para aprovar mudanças na Constituição relativas à reforma política.

Uma comissão trabalha sobre texto do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA). Uma das propostas tenta limitar o poder da Justiça Eleitoral, estabelecendo que só resoluções editadas pelo TSE até 5 de março do ano da eleição seriam aplicáveis àquela disputa. A intenção é deixar claro no texto que as resoluções não podem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas da prevista na lei eleitoral.

- A ideia é criar uma lei eleitoral que seja o mais autoaplicável possível, e menos interpretável, para que o Judiciário intervenha menos - disse o líder do PSDB, José Aníbal (SP).

A proposta de Dino autoriza pré-candidatos a participarem de eventos dos partidos, entrevistas e debates na mídia antes do início oficial da campanha. A intenção é que fiquem liberados a partir do momento em que deixarem cargos públicos, em abril, para disputar a eleição.

- Não queremos legalizar a campanha antecipada, mas estabelecer uma série de ações, da vida partidária, que não configuram campanha antecipada - ressalvou ACM Neto (DEM-BA).

Sobre a internet, os candidatos poderão, de acordo com a proposta, usar blogs,criar sites e comunidades virtuais para divulgar sua proposta eleitoral.

De novo, o 3º mandato

Cristiane Jungblut
DEU EM O GLOBO

BRASÍLIA. Uma semana após a primeira tentativa, o deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) reapresentou ontem a proposta de emenda constitucional que permite ao presidente Lula e aos atuais governadores e prefeitos disputarem um terceiro mandato consecutivo. Segundo a Secretaria Geral da Mesa da Câmara, a proposta contava com 182 assinaturas confirmadas - são necessárias 171. Mas, até a meia-noite de ontem, era possível retirar ou acrescentar assinaturas. A iniciativa causou polêmica. O líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), queria que a proposta fosse arquivada, mas o presidente Michel Temer (PMDB-SP) leu decisão da Mesa garantindo o direito de Barreto. Caiado anunciou que recorreria à Comissão de Constituição e Justiça. Entre as 182 assinaturas não há nomes do PSDB e do PPS, mas três do DEM. A maior parte continua sendo do PMDB (53) e do PT (32).

Uma reforma desafinada

Izabelle Torres
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Conversas sobre mudança na regra eleitoral não prosperam . Se algo for votado no Congresso, será somente para beneficiar os candidatos

Na ânsia de mudar as regras eleitorais a tempo de as mudanças valerem para 2010, o Congresso se perdeu e desafinou o discurso. Enquanto o Senado aprovou matérias de moralização sem qualquer chance de prosperarem, a Câmara esbarrou na divergência em torno dos interesses particulares dos partidos. Resultado: as maiores chances de aprovação estão justamente nos temas que beneficiam os próprios candidatos. Ontem, ao discutirem o texto de um projeto de autoria do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) — encomendado pelo presidente Michel Temer (PMDB-SP) como um plano alternativo à reforma política —, os líderes só se entenderam sobre a possibilidade de permitir a campanha pela internet e liberar a realização de eventos de pré-campanhas sem que os candidatos sejam acusados de propaganda antecipada.

Diante das poucas convergências, propostas que ensaiavam uma tentativa de redução das irregularidades nos financiamentos eleitorais foram duramente criticadas. Dino havia sugerido a proibição de empresas privadas contribuírem com os candidatos, permitindo apenas doações de pessoas físicas e o financiamento público por meio do fundo partidário. O DEM reagiu fortemente. Segundo o líder, Ronaldo Caiado (GO), a mudança interessa somente aos governistas, especialmente ao PT, que conseguem doações de centrais sindicais. Por conta da resistência da oposição, Temer decidiu adiar a discussão do tema e determinou a criação de uma comissão para listar os itens de consenso e apresentar uma nova proposta até a próxima terça-feira.

De acordo com os líderes, a ideia de Temer é votar “qualquer mudança” até 2010, como um sinal de que o Legislativo está tomando as rédeas do sistema e das regras eleitorais. Para isso, está disposto até mesmo a colocar em votação apenas os itens que agradam e que facilitam a campanha eleitoral. “A proposta é um conjunto. Alguns itens foram bem aceitos e outros nem tanto. Vale o debate. Mas a possibilidade de pré-campanha e a liberação de instrumentos como Orkut, blog e twiter para se comunicar com os eleitores é um pleito antigo e precisamos normatizar isso. Mas não podemos negar que financiamento e fidelidade também são fundamentais e devem ser discutidos com boa vontade”, comenta Flávio Dino.

Enquanto a Câmara se apressa em aprovar algum projeto, o Senado também tenta andar com propostas que possam parecer moralizadoras. Na última quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou um projeto de autoria do senador Pedro Simon (RS) que proíbe a candidatura de qualquer pessoa que tenha no histórico acusações de desvios de conduta. A aprovação da matéria por unanimidade surpreendeu até o relator da proposta. “A verdade é que há dois anos apresentei um projeto semelhante e menos radical e tivemos muita reação”, opina Demostenes Torres (DEM-GO).

TERCEIRO MANDATO

O deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) apresentou novamente a proposta de emenda constitucional que abre ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a possibilidade de disputar um terceiro mandato. Segundo a Secretaria-Geral da Câmara, a PEC conta com 182 assinaturas de parlamentares. É necessário o endosso de 171 deputados. O peemedebista havia tentado protocolar sem sucesso na semana passada a PEC. Sua iniciativa frustrou-se por conta da retirada de última hora de assinaturas.

Poder de sindicatos na eleição trava financiamento público

Denise Madueño, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

DEM rejeita projeto que só vete doação de empresas para campanhas

O poder, principalmente do PT, de mobilizar sindicatos em campanhas eleitorais paralisou na Câmara o projeto que estabelece o financiamento público e proíbe doações de empresas.

Líder do DEM, o deputado Ronaldo Caiado (GO) discorda da proibição de doações de empresas privadas para campanhas eleitorais, como proposto no projeto do deputado Flávio Dino (PC do B-MA).

"Quem tem a CUT e a CGT vai querer isso", disse Caiado, referindo-se a centrais sindicais que apoiaram a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Se é para tirar , tira tudo. Tentar fazer realidade seletiva, não tem chance de prosperar", completou Caiado.

É nesse cenário que a Câmara quer votar, dentro de 15 dias, o projeto de reforma eleitoral com as regras para as eleições do próximo ano. Com a resistência do DEM, os líderes partidários e o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), acertaram ontem que deixarão de fora a proposta de financiamento público das campanhas por meio do fundo partidário complementar.

A proposta de Dino acaba com a possibilidade de empresas financiarem campanhas, permite a doação de pessoas físicas em um limite menor do que o atual e cria um fundo partidário complementar para bancar os gastos das campanhas eleitorais.

O líder do DEM insiste em que o financiamento público só poderia ser adotado com a aprovação da lista fechada partidária - quando o eleitor vota no partido, não no candidato individualmente, como propôs o projeto de reforma política, já descartado pelos partidos.

CONSENSO


Uma comissão formada por representantes de todos os partidos está tentando acertar um texto, com base no projeto sugerido por Dino, com os pontos consensuais.

O uso da internet nas campanhas eleitorais já é um ponto de convergência entre os partidos políticos. O debate agora é sobre a possibilidade de liberar as doações de pessoas físicas por esse meio, seguindo a experiência do presidente Barack Obama nas eleições americanas.

Segundo Dino, essa proposta segue a lógica do pluralismo de fontes de financiamento de campanha. "Se queremos diminuir a participação de empresas, temos de aumentar o financiamento público e o dos cidadãos", afirmou.

Além disso, argumenta Dino, a doação por meio da internet seria mais uma maneira de exercer a liberdade de expressão e também de explicitar opiniões. "Essa é uma forma de o eleitor manifestar a sua preferência política", argumentou.

PRÉ-CAMPANHA

A comissão da reforma eleitoral deverá concluir os trabalhos até a próxima terça-feira. Um dos pontos em que há apoio dos partidos é a liberação de pré-campanha.

A proposta permite que os pré-candidatos façam reuniões, prévias partidárias e participem de encontros.

"São ações internas dos partidos. São atos preparatórios que vão permitir a estruturação da vida partidária", afirmou o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA).

"Em nenhuma circunstância poderá pedir voto do eleitor nem levantar dinheiro para a campanha", ressaltou o parlamentar.

Aécio ameniza vantagem de Serra

Eduardo Kattah, Belo Horizonte
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Mineiro destaca que situação atual pode ser revertida

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, procurou ontem minimizar sua própria declaração sobre a maior probabilidade de o governador de São Paulo, José Serra, ser o escolhido na disputa interna pela indicação do candidato do PSDB à Presidência. Afirmando que sua frase foi descontextualizada, o mineiro disse que a avaliação refere-se ao momento.

"Hoje, se você analisar as pesquisas, o Serra tem maior probabilidade eleitoral. Mas isso não significa que daqui a três meses o quadro vai ser esse, que daqui a seis meses, quando fizermos uma avaliação mais geral com relação inclusive à possibilidade de construirmos alianças, o quadro vai ser esse", disse, insistindo no argumento de que possui mais capacidade de agregar aliados para se contrapor à liderança do tucano paulista nas intenções de voto.

Embora esteja em um patamar inferior ao de Serra nas pesquisas, Aécio tenta provar internamente que possui maior capacidade de crescer junto ao eleitorado. Para isso, prega a definição de bandeiras visando ao período pós-Lula, uma "nova convergência" e uma "nova concertação política".

"Que fuja dessa radicalização e dessa polarização, que coloca de um lado o PT e seus aliados e de outro o PSDB", destacou, lembrando a aliança que firmou no ano passado com o petista e ex-prefeito Fernando Pimentel na eleição municipal em Belo Horizonte. "Sabíamos que existiria no passo seguinte uma dificuldade de estarmos juntos porque o prefeito Pimentel é do PT, apoiará naturalmente a candidatura do seu partido e eu estou no outro campo. Mas nem por isso somos inimigos políticos".

Para o mineiro, as ações de petistas e tucanos não podem eternamente se nortear pelo "jogo da disputa pelo poder". "O PT vai ficar de um lado aliado com partidos com os quais ele tem menos identidade do que com o PSDB e daí por diante?", questionou o governador, um dia depois de apontar "ineficiência" e criticar o que chamou de "aparelhamento" da máquina administrativa no governo Lula. Aécio e Serra se encontram hoje em Belo Horizonte.

Colaborou Raquel Massote

Itamar Franco, ex-presidente: ''São Paulo também precisa de Minas''

Eduardo Kattah, Belo Horizonte
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O ex-presidente Itamar Franco prepara seu retorno à vida política e partidária disposto a contribuir para uma derrota do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010. Ele, que deverá formalizar sua filiação ao PPS, cobrou dos partidos oposicionistas "rumo" e uma postura mais contundente. "Se a gente usa pelicas para combater o governo, é complicado."

A campanha presidencial de 2010 foi antecipada?

Eu diria que ela pode estar antecipada pelo governo, mas ela não está definida, porque enquanto nós não definirmos o processo até outubro, quando o Congresso pode tentar algumas modificações - eu espero que não, mas modificações fundamentais e constitucionais -, eu acho prematuro a gente falar que o processo está definido.

Qual será seu papel em 2010?

É ter uma participação de ordem política, não eleitoral. Se eu me filiar ao PPS, o próprio entende que eu posso dar uma ajuda politicamente. Estou pronto.

Seu nome para compor uma chapa com Serra é uma tentativa de unir Minas e São Paulo, já que Aécio resiste à chapa puro-sangue?

O universo hoje que eu vislumbro é a candidatura do governador Aécio. Eu diria que não só Minas precisa de São Paulo, mas São Paulo também precisa de Minas.

As chances de Aécio ser indicado como candidato do PSDB?

Ele está no caminho certo de pedir prévias. Se dependesse da estrutura partidária do PSDB, não seria fácil. Mas eu entendo que ele pode ter sucesso.

Como analisa a oposição ao governo Lula?

Se a gente usa pelicas para combater o governo, é complicado. É como combater o governo no seu aspecto moral e individual. Mas no seu aspecto ideológico, no seu aspecto de princípios, no seu aspecto de realizações, a oposição tem de encontrar o seu rumo.

Como vê a candidatura de Dilma?

Não vai ser fácil combatê-la. Ela é bastante preparada. Por isso eu digo que a oposição brasileira precisa encontrar o seu discurso e estudar os problemas nacionais.

Muy amigos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Embora interesse ao governo adiar a instalação da CPI da Petrobras o mais possível, o que está acontecendo é um reflexo da disputa, muito séria e mais ampla, entre PMDB e PT, que vai definir os palanques regionais para a eleição de 2010. O PMDB, além de querer sempre mais poder, mais cargos, maior participação no governo, teme muito o apetite do PT e sabe que, se não fosse Lula garantindo a intermediação dessa disputa, o PT já o teria engolido há muito tempo.

Imagine então o que os demais partidos aliados, mais fracos politicamente, não temem. O temor generalizado é de que a ministra Dilma Rousseff não tenha força para controlar o PT se eventualmente chegar à Presidência.

E tudo indica que não terá: apesar da fama de enérgica, ela não é uma candidata nascida dentro do PT, mas sim imposta pelo presidente Lula ao establishment do partido - aliás muito bem imposta, uma boa sacada política de Lula, que está dando certo, como mostram as últimas pesquisas - nem tem história no partido.

O PT não tem nada a ver com essa subida de Dilma nas pesquisas. A única coisa que fez, inteligentemente, foi desistir de resistir à escolha de Lula e entender que era melhor acompanhar a sua aposta do que ficar brigando internamente.

Desse ponto de vista, o PT teve mais inteligência emocional que o PSDB, que mais uma vez tem uma disputa interna para a escolha de seu candidato.

O PT engoliu em seco a candidatura da Dilma e hoje já a tem como sua candidata, com uma boa perspectiva de poder.

Só que Dilma, se superar a questão da saúde e vencer as eleições presidenciais, corre o risco de vir a ser uma presidente manipulada pela cúpula petista, pois não tem força política dentro do partido nem esquema de suporte fora dele para resistir às pressões dos diversos grupos políticos que atuam dentro do PT e dos movimentos sociais que gravitam em torno dele.

Assim como o senador José Sarney teve um governo completamente tumultuado pela ação do PMDB, partido ao qual teve que se filiar por circunstâncias da legislação eleitoral.

Vindo do PDS, formou com dissidentes de seu partido a Frente Liberal, que foi fundamental para a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Mas, pela legislação, o vice teria que ser do mesmo partido que o candidato a presidente, e Sarney transferiu-se para o PMDB, sem história prévia que pudesse respaldá-lo no partido.

Quem comandava o PMDB era Ulysses Guimarães, depois presidente da Constituinte, que não deu trégua ao presidente acidental, talvez arrependido de ter aberto mão do cargo.

Quando Tancredo Neves não pôde ser empossado por problemas de saúde, muita gente achou que Ulysses, como presidente da Câmara, deveria assumir a Presidência interinamente.

O próprio Sarney abriu mão para Ulysses, mas quem decidiu mesmo, a favor de Sarney, que era seu amigo, foi o então ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves.

Perguntado por que havia aceitado tão rapidamente a decisão, Ulysses explicou na ocasião, segundo o senador Pedro Simon: "Me chega o Sarney com o seu jurista, o ministro do Exército. Se eu não aceitasse, a crise estava armada".

Seja por que motivo fosse, o fato é que, presidente do PMDB e da Constituinte, Ulysses Guimarães foi a grande eminência parda do governo Sarney, tendo chegado a vetar a nomeação do então governador do Ceará, Tasso Jereissatti, como ministro da Fazenda, já escolhido por Sarney.

Para não ter seu mandato cortado em dois anos, Sarney teve que usar toda a sua experiência política e conhecimento das negociações no Congresso. Acabou ficando com um mandato de 5 anos.

O mesmo risco correrá a ministra Dilma Rousseff caso venha a ser eleita presidente da República, agravado pelo fato de que ela não tem a experiência política que o senador José Sarney já tinha na ocasião.

Além de convencer os eleitores de que sua candidatura representa a continuidade do governo Lula, Dilma terá que convencer os partidos da base aliada de que eles terão lugar no seu governo.

Por isso, todos esses pequenos partidos que giram na órbita do governo - PP, PR, PDT, PSB - e até mesmo o PMDB procuram o governador de Minas, Aécio Neves, para deixar uma porta aberta caso ele seja escolhido o candidato do PSDB à Presidência da República.

Eles vêem em Aécio o tipo de político que é capaz de fazer esses acordos que o presidente Lula vem costurando. O governador de São Paulo, José Serra, embora tenha fama de ser menos flexível que Aécio, também já demonstrou ser capaz de fechar acordos importantes, como o com o PMDB paulista.

Um político experimentado como Orestes Quércia não abriria mão de uma aliança potencialmente vencedora com o PT nacional, com o presidente Lula no auge da popularidade, se não cheirasse no ar dificuldades em relação aos compromissos políticos que o PT teria que cumprir, como apoiá-lo na campanha para o Senado em 2010.

Assim como a aliança do PT em Minas com o PSDB de Aécio foi bombardeada pela direção nacional do PT, e poderia levar a uma grande aliança em 2010, juntando ainda o PSB de Ciro Gomes.

O que facilita as negociações do PSDB é que ele é um partido de líderes, mas não é nacionalmente bem estruturado, não tem deputados federais em diversos estados, e por isso está mais aberto aos acordos regionais.

Assim como a denúncia do mensalão nasceu de uma disputa dentro dos Correios entre o PT e o PTB, também na Petrobras há essa disputa, e essa é uma das grandes preocupações de ambos os lados. O PMDB tem receio de ser alvo de "fogo amigo" petista. E a recíproca é verdadeira.

Puro sangue

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não houve acaso nem coincidências. Foi tudo bem pesado e medido: a ocasião, o recado, o mensageiro e até a ausência de Fernando Henrique Cardoso e José Serra no encontro nacional de mulheres do PSDB, quarta-feira em Brasília, tiveram um significado específico.

A ideia era deixar o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, comandar o espetáculo exibido no primeiro palco disponível depois da divulgação de duas pesquisas de opinião confirmando o crescimento dos índices da ministra Dilma Rousseff na simulação de intenções de voto para presidente da República em 2010.

Aécio foi porta-voz de duas mensagens. Na explícita, atacou duramente o governo federal, defendeu a gestão do ex-presidente Fernando Henrique (coisa rara no PSDB), pregou a necessidade de ampliação do quadro de alianças partidárias e anunciou que o tucanato começará a "tratar da campanha" ainda em 2009, a partir do segundo semestre.

Na implícita, avisou aos navegantes que acabou a hora do recreio. Esgota-se o tempo regulamentar do jogo da divisão interna e, portanto, é chegado o momento de começar a falar sério, pois a espinhosa empreitada não deixará vivos os amadores.

E por que Aécio no papel de mestre da cerimônia se as pesquisas mostram Serra na dianteira?

Naquele dia, o governador mineiro deu parte da resposta por duas vezes. Primeiro, no próprio encontro, quando informou que o colega paulista pedira que fizesse dele suas palavras. Como adversário na disputa interna pela candidatura a presidente, ninguém melhor que Aécio para falar em nome de Serra, a fim de construir a imagem da unidade.

Logo depois, em entrevista à TV Brasil, Aécio discorreu sobre a escolha da candidatura tucana, ressaltando que hoje as chances de Serra são muito maiores. Não capitulou, mas também não falou como oponente em campanha, cujo discurso natural seria o de salientar a possibilidade de virar o jogo nas prévias.

Além disso, a presença de Aécio à frente de um ato de cunho francamente eleitoral, valoriza o capital dele, ajuda o entendimento com os partidários do mineiro e permite ao partido dar os primeiros sinais de vida sem que José Serra altere seus planos de só entrar na campanha em 2010.

O governador de São Paulo teme uma reação negativa do eleitorado paulista, que já o viu quebrar a promessa de ficar na prefeitura da capital até o fim o mandato. Na avaliação dele - certamente baseada em pesquisas - a população não gostaria de vê-lo abandonar a administração do Estado para se dedicar à candidatura presidencial menos de três anos depois de eleito.

O gesto de comprometimento do governador de Minas também serve para enfraquecer especulações sobre a hipótese de Aécio sair candidato por outro partido.

Na segunda-feira mesmo, o ministro do Trabalho e presidente licenciado do PDT, Carlos Lupi, aventou a possibilidade de apoiar o mineiro. Obviamente, excluído o PSDB.

Esse tipo de investida é resquício da esperança dos governistas de que Aécio disputasse a eleição contra Serra e sinal do receio de uma possível chapa unindo os governadores de São Paulo e Minas Gerais.

Nova edição

O ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh negou a existência do mensalão em seu depoimento como testemunha de defesa dos acusados, com uma nova versão da história.

Segundo ele, a prova seria sua derrota na disputa pela presidência da Câmara, pois, se houvesse a aludida mesada aos deputados da base aliada, "o resultado talvez fosse outro".

Nem Greenhalgh perdeu por falta de pagamento nem a acusação é esta. A denúncia é que o PT financiou campanhas eleitorais de partidos amigos com repasses ilegais de verbas. Em parte públicas, em parte obtidas mediante empréstimos bancários fraudulentos.

Em fevereiro de 2005, Luiz Eduardo perdeu a eleição porque a direção do PT impôs sua candidatura para agradar a ala esquerda do partido e uma ala da bancada reagiu lançando a candidatura de Virgílio Guimarães. Dividido e referido em suas questões internas, o PT abriu espaço para a eleição de Severino Cavalcanti.

Do avesso

"Uma coisa é certa: perco o pescoço, mas não perco o juízo", avisou a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, um ano e meio antes de se demitir do cargo por se recusar a adaptar a gestão da política ambiental ao ritmo exigido pelo calendário das obras em que Lula gostaria de deixar sua assinatura.

Já o sucessor, Carlos Minc, recebe críticas da oposição e da situação, é ironizado publicamente pelo presidente Lula por fazer "algazarra" na ausência dele e, ainda assim, anuncia que fica "até o fim do governo".

Ficando ou não, uma coisa é certa: entre o pescoço e o juízo, o ministro preserva o que lhe resta.

O Parlamento do Mercosul e o eleitor

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A menos de quatro meses para a definição das regras que presidirão a eleição para a bancada brasileira no Parlamento do Mercosul, inexiste consenso no Congresso Nacional sobre o tema. Será a primeira vez que o Brasil elegerá uma bancada de deputados e senadores para atuar exclusivamente no âmbito do parlamento do bloco que está sediado em Montevidéu.

Hoje a representação brasileira é de 18 parlamentares (metade de cada Casa), assim como a dos outros três países-membros: Paraguai, Uruguai e Argentina. Depois de árdua negociação, estabeleceu-se um cronograma para a entrada em vigor de uma representação mais proporcional à população de cada país.

Pelo acordo, Brasil e Argentina elegerão, respectivamente, 37 e 26 em 2010 e 75 e 32 em 2014. Uruguai e Paraguai se manterão nos atuais 18. Este último opôs forte resistência à proposta brasileira de reduzir o número de integrantes do Parlamento com o argumento de que já havia realizado eleições para seus representantes. Foi o único dos quatro países que já o fizeram.

Atualmente apenas três projetos tramitam na Casa. Um de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) propondo escolha por lista fechada composta a partir do peso de cada região na Câmara Federal e dois da senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), que tratam da cota por sexo na distribuição de vagas e da propaganda em rádio e TV para a campanha eleitoral dos candidatos.

Nem mesmo dentro dos partidos há consenso sobre o formato ideal do processo eleitoral. Na próxima semana, o deputado Dr. Rosinha (PT-PR) deve protocolar um projeto de lei, também por lista fechada, mas composta a partir de vagas estaduais e não por região. Por essa proposta, pelo menos 21 Estados teriam um único representante, enquanto São Paulo poderia chegar a cinco, Minas a três e Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul e Paraná a dois parlamentares.

Não há sequer convergência sobre a necessidade de uma mudança da Constituição prévia ao regulamento da disputa eleitoral. Apesar de o Parlamento do Mercosul não ter função legislativa, cabendo-lhe apenas fazer recomendações ao conselho executivo do bloco ou elaborar projetos de lei a serem enviados aos respectivos parlamentos nacionais, há quem veja na sua atuação uma afronta à cláusula pétrea da soberania.

Mais grave que o dissenso é o debate incipiente do tema no Congresso, reflexo do pouco interesse dos partidos no Parlamento do Mercosul. O bloco sequer consta das diretrizes da maioria dos partidos. Todos falam vagamente da necessidade de se aumentar a integração regional, mas sem menção específica ao Mercosul.

O PT foi o único a realizar um seminário específico para o debate do bloco, ainda assim numa conjuntura (1993) em que parecia estar mais interessado em colocar em evidência sua oposição à política externa do Executivo do que propriamente incorporar o tema na ação política do partido.

Esse desinteresse se deve em grande parte à dificuldade de aquinhoar votos com política externa. E o distanciamento do eleitor do tema vem, em grande parte, ao pontificado do Itamaraty nas diretrizes da política externa brasileira. Pela Constituição, cabe ao Congresso apenas ratificar tratados internacionais, autorizar a entrada do país em guerras ou sancionar acordos de paz.

Mas se este insulamento do Itamaraty aprofundou-se numa conjuntura econômica de substituição de importações, a inserção brasileira no cenário internacional se modificou com a globalização, o que, acabou atraindo o interesse da sociedade civil, impactada por esta abertura.

Os setores empresariais são os mais visivelmente atraídos pelo tema, dado o peso que a diversificação das relações comerciais do Brasil adquiriu. Ainda que o impacto da crise econômica nos parceiros brasileiros do Mercosul fez com que fosse carreado para a China e não para o bloco o espaço perdido para as exportações brasileiras no mercado americano, é generalizado o reconhecimento dos avanços na integração comercial da região.

A dificuldade de atrair o interesse do eleitor comum pelo parlamento do bloco não é uma exclusividade do Mercosul. Na União Europeia, bloco mais antigo e melhor institucionalizado que o do Mercosul, as eleições que começaram ontem e vão até domingo estão sendo presididas pelo descrédito do eleitor.

Mas essa perda de legitimidade do Parlamento Europeu é, em grande parte, relacionada à crise econômica contra a qual os cidadãos veem a ação de seus representantes no bloco ter pouca efetividade.

A América do Sul, apesar de atingida, ainda é considerada uma região à qual abriram-se oportunidades na crise econômica mundial. O Parlamento do Mercosul funcionaria, assim, como uma caixa de ressonância dos interesses sociais nas decisões do bloco. A finalidade da eleição direta de seus representantes é conferir mais legitimidade a esta representação.

A proposta da entrada da Venezuela no Mercosul demonstra que não é impossível atrair o interesse do cidadão comum. O Mercosul sempre foi um tema mais afeito aos Estados do Centro-Sul, que têm relações comerciais ou fronteiras com os países do bloco. A entrada da Venezuela no Mercosul já desperta mais interesse pelo bloco nos Estados do Norte. Pela proximidade geográfica, o ingresso venezuelano é visto no Norte como uma forma de aproximar a região dos temas do Mercosul.

Este é um dos problemas dos partidos de oposição nas eleições para a bancada brasileira no Mercosul. Como a oposição, notadamente PSDB e DEM, tem se destacado no ataque à entrada da Venezuela no bloco, é de se esperar que os candidatos desses partidos ao Parlamento do Mercosul venham a ter dificuldades de serem escolhidos para as vagas a serem reservadas aos Estados do Norte.

Ao Executivo, que tem sido protagonista nesses quase 20 anos de funcionamento do bloco, caberia dar o exemplo de valorização da representação nacional no Parlamento do Mercosul. Os ministros, por exemplo, têm sido insistentemente convocados para debater com a bancada brasileira as políticas setoriais de integração. E têm, solene e reiteradamente, ignorado o convite.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Uma semana no clima

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - No passado, dizíamos que todo dia era dia de índio. Toda semana também é semana do meio ambiente. Só que, nesta, houve mais solenidades, mais discursos, livros e projetos.

No plano internacional, o grande momento será no princípio de dezembro, em Copenhague, onde se decide o futuro da ação mundial, pós-Protocolo de Kyoto. Aqui no Brasil, há um tímido projeto de política sobre mudanças climáticas. Mas o clima é muito mais "caliente" do que dezembro na Dinamarca.

O segundo ministro do Meio Ambiente do governo Lula enfrenta seu inferno astral. Os jornais estão cheios de frases: frases daqui, frases de lá. Tanto Copenhague em dezembro como nosso barraco verde estão cobertos por uma nova luz: a crise econômica mundial.

Os dois temas não se separam. Sem ilusões: a criação de empregos verdes implica na destruição de convencionais; a crise financeira não se resolve com a produção de carros movidos a hidrogênio.

Será preciso um enlace realista entre crise e clima para que se aceitem novas saídas. Aqui no Brasil a sucessão de ministros é inevitável. A política ainda vê a ecologia como uma cereja no bolo. Cada um escolhe a atmosfera da despedida: fogos, choro, ranger de dentes, raiva. Como numa ópera, cada intérprete leva ao papel seus traços pessoais.

Mas a história não é uma repetição infinita. As condições de um debate maduro e produtivo serão criadas. E o entrelaçamento do tema com a economia vai levá-lo para o centro da cena.As vezes, é preciso ser ingênuo como o pai de Fernando Sabino, que dizia: no final, tudo dará certo: se não deu certo ainda, é porque não chegou ao final.

Em termos climáticos, é uma frase temerária. Mas em Copenhague, de novo, a esperança estará em nossos corações.

O mea-culpa da elite

Cristian Klein
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Uma elite comprometida com os valores democráticos, preocupada com o impacto das desigualdades na preservação da democracia e que se sente culpada por seu egoísmo. Esse retrato pode parecer surpreendente, mas é a imagem das elites latino-americanas captada por estudo inédito, realizado pelo Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (Nupri) da Universidade de São Paulo (USP). Intitulada "Percepção das Elites Latino-Americanas sobre as Desigualdades Sociais e a Democracia", a pesquisa entrevistou, no ano passado, 829 representantes das elites de seis países do continente: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, México e Venezuela. Como elite foram consideradas as pessoas com capacidade de influenciar seus pares e os destinos da nação nas áreas econômica, política, sindical, cultural, acadêmica e jornalística.

Para uma América Latina cujos estratos mais elevados da sociedade estiveram historicamente associados ao conservadorismo, ao descaso com a agenda social e à tentação autoritária, o resultado chama a atenção. De acordo com os pesquisadores, esses dados seriam reflexo de uma mudança de comportamento.

Em primeiro lugar, todas as elites dos seis países demonstraram ter alto apreço pela democracia. No geral, 91,1% responderam que o regime democrático é "sempre a melhor forma de governo". Apenas na Bolívia e no Chile o apoio a regimes autoritários encontrou respaldo maior, ainda assim marginal.

O mais surpreendente é o mea-culpa feito pelos membros do topo da pirâmide social desses países, segundo o coordenador do Nupri, Rafael Villa. Entre os fatores que são considerados obstáculos à democracia no continente, o "egoísmo das elites" foi a resposta que obteve uma das maiores pontuações - média 8 - numa escala de 0 a 10.

"É uma mudança importante na mentalidade dessas elites. Embora o Estado tenha muitos deveres na solução dos problemas, a elite chama a responsabilidade para si e admite que também tem sua parcela de culpa. É um elemento positivo", afirma Villa, professor de ciência política da USP. "No passado, havia a visão muito paternalista de que o Estado tinha que resolver tudo, apesar do discurso liberal das camadas mais altas", prossegue.

Acima do egoísmo das elites, a pobreza e a desigualdade social - que atingiram o escore 9 - foram apontados como os fatores que mais influenciam negativamente a democracia. Esse resultado, em princípio, carregaria um significado ambíguo. Poderia indicar tanto uma preocupação das elites com a solução desses problemas quanto o simples temor de que eles se transformem numa ameaça às regras do jogo, facilitando o populismo de líderes carismáticos que alterem radicalmente o status quo.

Mas, ao se analisarem as respostas dadas a outras três perguntas da pesquisa, o quadro fica mais claro. Quando postas diante da questão "a democracia formal não basta para resolver a imensa desigualdade social na América Latina", há uma grande variação entre as elites de cada país. As do Brasil (69,1%) e da Venezuela (38%) foram as que mais concordaram com a frase.

As do Chile (78,7%) e da Bolívia (85,4%), as que mais discordaram. A elite brasileira, contudo, é a única que afirma, maciçamente, que a democracia formal, minimalista - ou seja, aquela baseada apenas no respeito ao jogo eleitoral e à formação de governos, com eleições livres e secretas - não é suficiente para combater a desigualdade, o que estaria a indicar sua adesão a uma democracia mais substantiva, isto é, que garanta, de fato, alguns direitos fundamentais e a justiça social.

"Em relação ao Brasil, esses resultados não são tão surpreendentes. Os conservadores no país não são antissociais. São favoráveis a se dar proteção aos pobres, à justiça social", afirma José Augusto Guillon de Albuquerque, professor da USP e um dos quatro coordenadores da pesquisa, que também teve apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Observatory on Inequality in Latin America, do Center for Latin American Studies da Universidade de Miami.

Para Albuquerque, a direita brasileira é mais ideológica e baseia seu discurso em outros assuntos, como a menor interferência do Estado na economia. "Não questiona tanto a necessidade de melhor distribuição de renda. Está longe de carregar aquele neoconservadorismo de certa elite americana", diz.

Um segundo ponto que confirmaria o autêntico interesse das elites latinas por um mundo mais equânime diz respeito a que modelo econômico elas preferem. O exemplo escandinavo, o mais bem acabado de Estado de bem-estar social ("welfare state"), foi o mais citado. Foi escolhido por 30,8%, à frente do modelo da União Europeia (26%) e dos Tigres Asiáticos (14,9%). O padrão altamente liberal americano obteve apenas 5,9% das preferências. Ficou atrás até da Aliança Bolivariana (formada por sete países, entre os quais Venezuela, Bolívia, Cuba e Nicarágua), com 8,1%.

Uma terceira amostra da inclinação das elites a uma maior justiça social tem a ver com o tema prioritário da agenda pública. Questionadas sobre qual o principal objetivo de um governo, as elites dividiram seu maior apoio entre as opções "melhorar os índices educacionais" (Brasil, Chile e Bolívia) e "erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades" (Argentina, Venezuela e México). Assuntos geralmente associados a uma pauta conservadora, de direita, como "garantir a ordem e a segurança pública", "integrar a economia no mercado mundial" e "garantir o crescimento econômico" aparecem em segundo ou terceiro planos.

Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), é um exemplo desse pensamento da elite revelado pela pesquisa. Ele lembra que a conquista da democracia, tanto no Brasil quanto nos demais países da América Latina, não foi acompanhada pela inclusão social. E, como "não conseguimos vencer a pobreza, temos uma dívida social ainda a ser resgatada", diz o empresário. "Não acredito em uma fórmula mágica para chegarmos à plena democracia com igualdade social, mas existem vários ingredientes que nos ajudariam, e muito, a chegar lá", comenta. Entre eles estariam: instituições sólidas e respeitadas, educação e saúde de qualidade acessível a todos, segurança jurídica e capacidade de promover o desenvolvimento sustentado da economia. "O que precisamos é promover a globalização da elite, da riqueza, e não a da fome e a da miséria", afirma Skaf, que foi um dos entrevistados da pesquisa.

Diante de tantos sinais, restaria alguma dúvida sobre o suposto novo pendor democrático e equitativo das elites latino-americanas? Para o professor da Universidade Federal do Paraná Renato Perissinotto, estudioso do tema elites políticas, esses resultados não refletem uma "manifestação cínica". É que prevalece hoje um consenso tão grande sobre o que é a boa sociedade - ou seja, uma democracia liberal associada a um Estado de bem-estar social, combinação idílica dos países escandinavos - que fica muito difícil para qualquer indivíduo, sobretudo para os detentores de funções públicas, assumir posição contrária a pilares desses modelos, como a competição política e as políticas sociais.

Os temas sociais, segundo Perissinotto, são quase inescapáveis. Não daria para deixá-los de lado, seja por razões humanitárias ou por um realismo político praticado pelas elites, que preferem ceder alguns anéis, num ambiente de tranquilidade, a ver algum líder ou movimento radical defendendo cortes e rupturas capitais.

"O ponto a ressaltar é até onde vão, quais são os limites da disposição reformista da elite para resolver os problemas sociais. Porque, a partir de um determinado nível da distribuição de renda, o jogo é claramente de soma zero, ou seja, para um ganhar, o outro tem que perder. E, nesse caso, o ambiente torna-se muito mais competitivo", diz Perissinotto.

O caso da elite boliviana pode ilustrar até onde vai esta disposição. Sentindo-se acuada desde que o presidente Evo Morales assumiu o governo e iniciou profundas alterações - de caráter nacionalista e fortemente voltadas para reivindicações das camadas mais pobres da população - ela demonstra, claramente, seu descontentamento com as políticas sociais em curso. Nesse contexto de inflexão histórica, a sombra de Morales parece estar presente em várias das respostas da pesquisa.

É a elite que mais exige a preservação do regime democrático como principal tarefa de um governo (27,8%). Também é, ao lado da elite venezuelana - que se vê igualmente ameaçada por Hugo Chávez -, a que mais concorda com a frase: "As políticas de distribuição de renda prejudicam os mais competentes" (44,4%). Aqui, há um grande contraste com as elites brasileira e argentina, que são as que mais discordam, total ou parcialmente, da afirmação: 87,7% e 92,8%, respectivamente.

Responsável pela execução da pesquisa na Bolívia, o sociólogo Salvador Romero explica que o baixo apego à democracia no país (apenas 81,1%) vem de dois grupos opostos: por um lado, os setores muito conservadores das elites tradicionais e, por outro, as elites "populares" (líderes de movimentos sociais, sindicais e próximos ao governo) que aderem a uma versão de "democracia autoritária", ou seja, ditada pela maioria, sem respeito à oposição.

Questionados sobre que tipo de presidente resolveria melhor os problemas do seu país, os bolivianos (27%), agora ao lado da elite chilena (26,6%), foram os que menos optaram pela resposta "aquele que toma as decisões ouvindo a população". No Brasil, esse índice foi de 79%, na Argentina, de 63,6%, e no México, 63,3%.

Romero lembra que, em muitos setores da elite, há um profundo temor de que o autoritarismo se instale no país, em virtude de algumas medidas já tomadas pelo governo, como o desmantelamento da maioria das instituições independentes (como o Tribunal Constitucional, a Corte Suprema de Justiça e o Conselho da Judicatura), além das animosidades constantes com os meios de comunicação e declarações agressivas contra a Igreja Católica.

Renato Boschi, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), analisa a situação boliviana sob outro ângulo. Embora não seja adepto do modelo de democracia participativa, que se baseia em consultas à população por meio de plebiscitos e referendos, ele considera que há uma contestação da legimitidade.

Do ponto de vista metodológico, Boschi ressalta que resultados obtidos a partir de respostas de grupos tão diferentes entre si, como ocorre na pesquisa do Nupri, devem ser interpretados com cautela, pois pode haver grande variação entre os países, como visto acima, e, sobretudo, entre os diferentes tipos de elite.

É o caso das respostas dadas a determinados temas pelos distintos segmentos da elite brasileira. Questionadas sobre a redução da interferência do governo na atividade econômica, 59% dos empresários a consideram muito importante, porcentual bem diferente das elites partidária (31%), governamental (24%), da sociedade civil (18%) e sindical (13%).

A divergência entre as opiniões dos líderes empresariais e sindicais é a mais marcante. Enquanto 67% dos membros da elite econômica afirmam que não votariam em políticos acusados por corrupção, 64% dos líderes sindicais responderam que não são influenciados pelas acusações - resultado que pode estar relacionado a uma defesa pragmática do governo Lula, envolvido em 2005 no escândalo do mensalão.

Outro contraste aparece nas respostas sobre que elementos são essenciais à democracia. Entre a elite sindical não há nenhuma menção às opções "aplicação da lei" e "garantir o direito da oposição". Entre os empresários, por outro lado, apenas 2,2% responderam "garantir a participação da população nas decisões do governo". Ou seja, há visões antagônicas sobre como a democracia deve funcionar, claramente influenciadas pelos interesses de classe. De um lado, menos importância ao império da lei e à competição política; do outro, uma desconfiança em relação à participação popular.

Para Marco Marconini, presidente do Conselho de Relações Internacionais da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio), do mesmo jeito que os sindicalistas têm reclamações em relação aos capitalistas, dizendo que eles só priorizam os lucros, os empresários também criticam as reivindicações políticas dos líderes sindicais.

"O empresário tem, sim, uma certa desconfiança, pois está preocupado com o nível de assistencialismo", afirma Marconini, também um dos entrevistados brasileiros da pesquisa. "O empresário está vendo que isso tem impacto no déficit fiscal, que, por sua vez, afeta os juros e a atividade econômica. Agora, quem não sabe pode achar que não há problema nisso. O ideal é um meio-termo: nem lucros absurdos nem assistencialismo demais, porque fica difícil de viabilizar o país."

O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva Santos, rebate a ideia de que programas sociais sejam assistencialistas, ao afirmar que "as elites econômicas é que sempre dependeram e tiveram relações promíscuas com o Estado", por meio de investimentos públicos, subsídios e outras formas de intermediação de interesses. Segundo o líder sindical, é uma incoerência que os empresários critiquem programas como o Bolsa Família, pois eles tiraram 30% das pessoas da miséria absoluta, fortaleceram o mercado interno e teriam favorecido as próprias empresas, que passaram a vender mais. Sobre a pouca importância dada pela elite sindical à aplicação da lei e ao direito da oposição, Santos afirma que, pessoalmente, considera esses elementos essenciais à democracia, mas, por causa do modo como a pergunta foi formulada na pesquisa, teve de priorizar outros aspectos.

Apesar da discrepância nas opiniões das elites econômica e sindical, um ponto as une surpreendentemente (bem como os demais segmentos pesquisados): a descrença no socialismo. Entre a elite da sociedade civil e empresarial, 98% dizem que esse modelo de sociedade não é viável. O porcentual cai entre as elites governamental (89%) e partidária (84%). E, ao contrário das expectativas, também é alto entre os dirigentes sindicais: a maioria, 57%, não acredita no socialismo. O sonho de uma mudança social acabou até para os trabalhadores com mais consciência de classe?

"Hoje a via revolucionária está completamente descartada. O que é o socialismo? A expropriação dos bens de produção e seu controle pelo Estado. Isso mete medo. Nem os sindicatos, que já assimilaram as vantagens da estabilidade econômica, querem. Até por conta da importância que os fundos de pensão adquiriram", afirma Renato Boschi.

O presidente da CUT diz que a maior organização sindical do país continua a defender uma sociedade socialista. Até por ser um ponto que consta no estatuto da entidade. Mas pondera: os modelos é que estão sendo questionados. Não há um pronto, ideal. Nem o modelo soviético - "fechado, centralizador, autoritário", diz - nem o socialismo de mercado da China, tampouco o atual "socialismo do século XXI", capitaneado por Chávez.

"Temos uma situação no mundo, e não só na América Latina, de pleno debate, de mudança de paradigmas, não só dos anteriores à queda do Muro de Berlim como também do neoliberalismo que veio depois. Todos eles caíram, ruíram", afirma Santos. "Agora tudo está em xeque: a distribuição de renda, a sustentabilidade do planeta e a responsabilidade daqueles que implementaram esta sociedade de consumo e levaram ao aquecimento global e à desigualdade.

Quem buscar apenas o caminho da competição e do lucro a qualquer preço vai perder espaço."

A pesquisa sobre as percepções das elites latino-americanas também aferiu quanto o projeto de integração econômica encontra apoio no continente. Brasil e Chile têm as elites menos entusiasmadas. Diante da afirmação "a solução para os problemas sociais do país seria uma integração com os demais países da América Latina", 41,6% dos entrevistados brasileiros e 40,3% dos chilenos discordaram total ou parcialmente da frase.

Curiosamente, a despeito desse ceticismo em relação a uma maior aproximação com os vizinhos, Brasil e Chile são considerados os mais simpáticos, numa lista de 16 países, obtendo, respectivamente, 77,1% e 66,4% de respostas "muito simpático". No outro extremo, foram considerados "nada simpáticos" Estados Unidos (para 45,8%), Venezuela (42,5%), Cuba (31,5%) e Rússia (30,7%).

O perfil ideológico das elites foi aferido numa pergunta que pedia a cada entrevistado que se posicionasse numa escala de 1 (o máximo à esquerda) a 7 (o máximo à direita). Chile (35,8%), Bolívia (34,2%) e Venezuela (25,8%) foram os países onde os representantes das elites mais se declararam de direita (soma das opções 5, 6 e 7). México (18%), Brasil (13,5%) e Argentina (6,1%) revelaram-se os menos direitistas.

Cidadania em apuros

Gabriel Cohn
Por Luiz Antonio Magalhães
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A democracia brasileira sobrevive aos escândalos promovidos por parlamentares que se "lixam" para a opinião pública, o terceiro mandato do presidente Lula está descartado e a candidatura presidencial de Dilma Rousseff poderá beneficiar-se da doença da ministra. É o que pensa o sociólogo Gabriel Cohn, dedicado estudioso da obra de Max Weber, que se aposentou no fim do ano passado no topo da carreira universitária - era professor titular e diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Analista irônico e coloquial, Cohn despediu-se da célebre faculdade usando uma frase de Samuel Johnson: "Nada deixa um homem mais lúcido do que a certeza de que será enforcado na manhã seguinte".

Apesar de mostrar-se preocupado com a "desqualificação da dimensão política" que está na raiz da crise do Legislativo federal, Cohn observa que "o sistema funciona porque não é posto em xeque, é realimentado pelos surtos provocados por esses caras meio depravados que são os políticos". Na entrevista a seguir, Cohn analisa também a reforma política em debate no Congresso, o cenário pré-eleitoral e faz um balanço dos quase sete anos de governo Lula.

Valor: Desde o início do ano, o Congresso funciona em meio a uma sucessão de escândalos. Como analisa esses casos? O conceito weberiano de patrimonialismo aplica-se a essas situações, uma vez que os parlamentares alegam que não romperam o marco da legalidade?

Gabriel Cohn: O componente patrimonialista existe, sim, e permite que não se preste contas não só no sistema político como em todas as instituições da sociedade. Encarar a instituição como um local que projeta poder e influência, no qual se age como proprietário, está presente em todos os cantos, não apenas no Congresso. Trata-se de uma estrutura de poder marcada por três confusões: entre Estado e governo, entre governo e mando e entre mando e apropriação. Ainda estamos em uma sociedade de donos, com forte componente senhorial. Diria que vivemos uma espécie de democracia senhorial, um ente contraditório, mas real.

Valor: Os parlamentares reagiram à crise relançando o debate sobre a reforma política. O sr. acha que se trata de uma proposta séria ou é cortina de fumaça para esconder os escândalos?

Cohn: Nem sei se é só para os escândalos. As medidas contidas na reforma política estão, em um momento como este, contaminadas por um propósito que não é intrinsecamente político. É um propósito mais de controle, no sentido mais primário, de policiamento. Querem controlar os representantes, criar normas para que eles não cometam este ou aquele deslize. Isso é secundário, deveria derivar de um aprofundamento da vida política, que envolve muito mais do que controle nas instituições, envolve uma crescente presença dos cidadãos na determinação das políticas. E o risco que eu vejo é reagir a uma crise pensando apenas em formas de ajustes que permitam impedir certas irregularidades. Mais uma vez, afasta-se o problema do conjunto da cidadania, sugere-se que o cidadão delegue o ajuste a ser feito aos técnicos em questões institucionais.

Valor: Dois pontos da reforma são polêmicos: a introdução do voto em lista e o voto distrital ou distrital misto. Como o sr. vê esses dois sistemas? Seriam estranhos a nossa cultura política?

Cohn: Dificilmente algum arranjo político pode ser colocado como estranho a nossa política. Eles são perfeitamente assimiláveis e vêm sendo debatidos há muitos anos. Sistemas eleitorais correspondem a uma espécie de jogo com combinações e o problema é saber qual responde melhor aos interesses de determinada sociedade, em determinado momento. É a área em que a engenharia política entra em ação. No caso das listas, eu gostaria de ver partidos programáticos apresentando suas lideranças e o eleitorado votando com pleno conhecimento de causa, mas existem argumentos bastante razoáveis apontando que os mecanismos internos dos partidos perpetuariam aquilo que se tenta agora eliminar. As figuras de primeira linha permaneceriam, a burocracia partidária impediria os inovadores. Isto é um tema clássico: como fazer para trazer ao primeiro plano aqueles que têm de fato capacidade política, os realmente capazes de produção e liderança programática? Em geral, as burocracias não gostam desse tipo de figura.

Valor: Outra questão polêmica é a do financiamento público. O sr. é favorável?

Cohn: Minha primeira reação é favorável. Se for para estabelecer regras e limites, desconfio que os argumentos a favor são mais consistentes do que seus opostos.

Valor: E quais são as lacunas da proposta de reforma política? O que pode ser feito para consolidar e fortalecer a democracia brasileira?

Cohn: Temos um modelo minimalista de democracia, que centra foco no momento eleitoral e não desenvolveu as formas de atuação do cidadão, para que ele seja um agente político. A reiterada degradação do sistema político é terrivelmente perigosa, mas isso em parte se dá por que o modelo tende a se esvaziar, pois existe essa delegação perversa. É como se, por um lado, existissem os políticos e por outro, existíssemos nós. Então, uma série de coisas é atribuída aos políticos e periodicamente fica-se abalado, escandalizado com o que eles fazem, mas acaba-se concluindo que político não presta mesmo. Isso não impede que no longo prazo a qualidade da representação se eleve.

Valor: O sistema se sustenta dessa maneira?

Cohn: Pode se perpetuar. O sistema funciona muito bem, durante muito tempo, só que não ganha o caráter político, ou seja, de participação da cidadania na condução da coisa pública. A soberania popular não se realiza aí. O sistema funciona por que na realidade ele não é posto em xeque, é realimentado por esses surtos. O que assusta não é que haja mal-estar com os procedimentos no Legislativo, por que ali é onde todo mundo olha para ver esses caras meio depravados que são os políticos. O que assusta não é o mal-estar causado por essas revelações que aparecem ciclicamente, em geral respondendo às tensões e conflitos internos do parlamento. O que preocupa é que a contínua desqualificação da dimensão política seja tomada como a normalidade.

Valor: Quando um deputado diz que está se lixando para a opinião pública, essa cisão estaria sendo reforçada?

Cohn: Esse deputado só exprimiu de maneira brutal o que está dentro do sistema. Importante é que isso não significa instabilidade, não quer dizer que as instituições virão abaixo. Não vai haver um golpe depois de amanhã.


Valor: Então, a democracia resiste bem a esse tipo de escândalo?


Cohn: Sim, temos um conjunto de instituições que operam e que não sofrem uma instabilidade ameaçadora, elas têm toda condição de continuar funcionando. O problema é mais de conteúdo das instituições do que da sua operação.

Valor: O governo Lula já está no seu sétimo ano. Que balanço faz da atual gestão?

Cohn: É uma situação ótima você estar em um país com grande potencial e ter uma esquerda fraca e uma direita acomodada. O Brasil não tem uma forte imprensa de esquerda. A ausência de um projeto alternativo fez uma falta gigantesca ao Lula, por que se ele tivesse o respaldo de uma opinião pública organizada, que acenasse com alternativas para as políticas adotadas, talvez pudesse ter um pouco mais de coragem. Tenho uma irritação enorme com aquele slogan que usaram na campanha: "A esperança venceu o medo".

Valor: Por quê?

Cohn: Quem disse que o contrário de medo é esperança? Eu tenho esperança quando estou morrendo de medo. A esperança venceu o desespero, a paralisia. Para vencer o medo é melhor você sair com coragem. Eles fizeram uma opção que lhes pareceu razoável, estavam assustadíssimos na época do primeiro mandato. Alguns - eu entre eles - achavam que poderia ser tentado algo diferente, colocar em cena um tremendo projeto de desenvolvimento - uma espécie de hiper-PAC. Refazer toda infraestrutura, abrir licitações internacionais para tudo, ferrovias, portos, dizendo: "Companheiros, isto vai ser financiado com o que tiver, o que significa atrasar pagamento da dívida, um superávit primário menor. Pessoas de bom-senso me dizem que teria sido impossível. Do ponto de vista da legitimidade política, dificilmente voltará a haver circunstâncias tão favoráveis.

Valor: Naquele momento, o primeiro passo do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi conquistar a confiança dos mercados e investidores estrangeiros. Tendo em vista os resultados, não foi uma estratégia correta?

Cohn: Acho que confiança pode ser assegurada também se você diz: "Venham sem restrições, e entrem no maior processo de obras que o mundo vai assistir. Tragam suas empresas, não vamos fazer tudo sozinhos". Mas o mercado, ou seja, os interesses financeiros, ganhou o jogo. Por outro lado, é errada a ideia de que o país permaneceu refém da grande política, do FMI, e não conseguiu fazer nada, ficou bloqueado. O fato é que não somos uma republiqueta e o atual governo aprendeu bem com isso.

Valor: O mensalão foi um marco no primeiro mandato do presidente Lula?

Cohn: O [ex-deputado federal] José Dirceu é um pouco vilão nisso tudo, mas ele trabalhou sempre como o disciplinado militante que serve para fazer jogo sujo. Qual é a lógica dele? É seguir a linha. Por que a oposição virou a mesa? Por que sentiu que, em um segundo mandato, o governo poderia avançar em reformas mais profundas. Nesse bloqueio, foi bem-sucedida, mas não na destruição do governo e do PT. Chegou-se muito bem no segundo mandato, melhor do que qualquer um esperava. Nenhuma previsão era nesse sentido, de que Lula tivesse quadros técnicos tão bons. Além da política externa brilhante. Fico pensando no meu velho mestre Fernando Henrique, em como ele deve morder os cotovelos, por que era o seu grande sonho, era por aí que ele queria avançar.

Valor: Como analisa o quadro pré-eleitoral? O governador José Serra (PSDB) tem uma confortável liderança nas pesquisas. A vitória dele significaria uma ruptura com a atual gestão?

Cohn: O que é o Serra? O Serra sempre representou, dentro do PSDB, a ala desenvolvimentista. Não seria uma diferença grande, apesar da ânsia do Serra em desmontar o que encontrar.

Valor: No campo governista, o sr. acha que a candidatura da ministra Dilma Rousseff está consolidada ou há chances de um terceiro mandato para Lula?

Cohn: Acho que o terceiro mandato está descartado. Tenho a impressão também de que o governo tem consciência de que a Dilma não é uma candidata forte e que a simples presença do presidente não é suficiente para levá-la à vitória. Por essas curiosas ironias da vida, o projeto do Lula poderá se beneficiar da tragédia pessoal da Dilma. Mulher, que terá de enfrentar mais essa [o linfoma], ela acaba retomando para si um pouco do ponto forte do Lula, que é a capacidade de enfrentar dificuldades enormes e superá-las. Aliás, fazendo um parêntese, não é uma análise minha, mas a ideia de que Lula consegue amarrar as duas pontas do processo é muito interessante: por um lado, ele é a grande referência, o líder, pai de todos, e por outro tem uma posição frágil como nós. Uma vez, o PT tentou sair com o "vote numa pessoa igual a você" e perdeu fragorosamente, por que ninguém é louco de botar no lugar uma cópia de si próprio. No caso do Lula, ele é protetor e protegido, nos protege mas precisa de nós. Do ponto de vista político, isso permite atenuar um componente daquilo que equivocadamente alguns insistem em apontar como "neopopulismo". Lula não faz uma crítica populista, não é verdade que saia por aí arregimentando as massas, nem isso se aplica aos programas sociais.

Valor: Mas ele se comunica muito diretamente com as massas. Não é um traço populista?

Cohn: Lula personaliza muito menos do que poderia. Ele é um desses acidentes históricos raros, por que, se quisesse fazer um desastre, teria todas as condições para tal. Se saísse para uma linha poderosa de apelo, no sentido de populismo clássico - "vamos trazer as massas para me apoiar" - ele liquidaria as instituições. Mas Lula não faz isso, ele tem um componente institucional forte, de alguma maneira há um compromisso democrático real. Para sorte nossa, mais ainda do que o Fernando Henrique, Lula é um verdadeiro animal político. Tem o estilo do grande político, não do político menor, e trabalha de uma maneira que reforça as instituições democráticas.

Valor: A ministra Dilma não é fundadora do PT, possui uma trajetória diferenciada entre os principais líderes do partido. O sr. acha que a candidatura dela representaria mais a continuidade do chamado "lulismo"?

Cohn: Não sei se é lulismo, quase diria que é da vertente tecnocrática do atual governo. Seria a vitória do PAC, de um projeto desenvolvimentista. Talvez ela representasse, numa eventual vitória, algo que não se distinguisse tanto de uma vitória de Serra, admitindo-se sua candidatura. Talvez os dois estejam muito mais próximos do que pareça. Há cada vez mais uma convergência, os cínicos chamariam de convergência para o centro.

A insensatez

Panorama Econômico :: Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

O confronto entre ruralistas e ambientalistas é completamente insensato. Mesmo se a questão for analisada apenas do ponto de vista da economia, são os ambientalistas quem têm razão. Os ruralistas comemoram vitórias que se voltarão contra eles no futuro. Os frigoríficos terão que provar aos supermercados do Brasil que não compram gado de áreas de desmatamento.

O mundo está caminhando num sentido, e o Brasil vai em direção oposta. Em acelerada marcha para o passado.

O debate, as propostas no Congresso, a aprovação da MP 458, os erros do governo, a cumplicidade da oposição, tudo isso mostra que a falta de compreensão é generalizada no país.

A fritura pública do ministro Carlos Minc, da qual participou com gosto até o senador oposicionista Tasso Jereissati (PSDB-CE), é um detalhe. O trágico é a ação pluripartidária para queimar a Amazônia.

Até a China começa a mudar. Nos Estados Unidos, o governo George Bush foi para o lixo da história. O presidente Barack Obama começa a dirigir o país em outro rumo. Está tramitando no Congresso americano um conjunto de parâmetros federais para a redução das emissões de gases de efeito estufa. O que antes era apenas um sonho da Califórnia, agora será de todo o país.

Neste momento em que a ficha começa a cair no mundo, no Brasil ainda se pensa que é possível pôr abaixo a maior floresta tropical do planeta, como se ela fosse um estorvo.

A MP 458, agora dependendo apenas de sanção presidencial, é pior do que parece. É péssima. Ela legaliza, sim, quem grilou e dá até prazo. Quem ocupou 1.500 hectares antes de primeiro de dezembro de 2004 poderá comprá-la sem licitação e sem vistoria. Tem preferência sobre a terra e poderá pagar da forma mais camarada possível: em 30 anos e com três de carência. E, se ao final da carência quiser vender a terra, a MP permite. Em três anos, o imóvel pode ser passado adiante. Para os pequenos, de até quatrocentos hectares, o prazo é maior: de dez anos. E se o grileiro tomou a terra e deixou lá trabalhadores porque vive em outro lugar? Também tem direito a ficar com ela, porque mesmo que a terra esteja ocupada por "preposto" ela pode ser adquirida. E se for empresa? Também tem direito.

Os defensores da MP na Câmara e no Senado dizem que era para regularizar a situação de quem foi levado para lá pelo governo militar e, depois, abandonado.

Conversa fiada. Se fosse, o prazo não seria primeiro de dezembro de 2004.

Disseram que era para beneficiar os pequenos posseiros. Conversa fiada. Se fosse, não se permitiria a venda ocupada por um preposto, nem a venda para pessoa jurídica.

A lei abre brechas indecorosas para que o patrimônio de todos os brasileiros seja privatizado da pior forma. E a coalizão que se formou a favor dos grileiros é ampla. Inclui o PSDB. O DEM nem se fala porque comandou a votação no Senado, através da relatoria da líder dos ruralistas, Kátia Abreu.

Mais uma vez, Pedro Simon (PMDB-RS), quase solitário, estava na direção certa.

A ex-ministra Marina Silva diz que o dia da aprovação da MP 458 foi o terceiro pior dia da vida dela.

- O primeiro foi quando perdi meu pai, o segundo, quando Chico Mendes morreu - desabafou.

Ela sente como se tivesse perdido todos os avanços dos últimos anos.

Minha discordância com a senadora é que eu não acredito nos avanços. Acho que o governo Lula sempre foi ambíguo em relação ao meio ambiente, e o governo Fernando Henrique foi omisso.

Se tivessem tido postura, o Brasil não teria perdido o que perdeu.

Só nos dois primeiros anos do governo Lula, 2003 e 2004, o desmatamento alcançou 51 mil Km. Muitos que estavam nesse ataque recente à Floresta serão agora "regularizados".

O Greenpeace divulgou esta semana um relatório devastador. Mostrando que 80% do desmatamento da Amazônia se deve à pecuária. A ONG deu nome aos bois: Bertin, Marfrig, JBS Friboi são os maiores. O BNDES é sócio deles e os financia. Eles fornecem carne para inúmeras empresas, entre elas, as grandes redes de supermercados: Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar.

Reuni ontem no programa Espaço Aberto, da Globonews, o coordenador do estudo, André Muggiatti e o presidente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados), Sussumu Honda. O BNDES não quis ir.

A boa notícia foi a atitude dos supermercados. Segundo Sussumu Honda, eles estão preocupados e vão usar seu poder de pressão contra os frigoríficos, para que eles mostrem, através de rastreamento, a origem do gado cuja carne é posta em suas prateleiras.

Os exportadores de carne ameaçam processar o Greenpeace. Deveriam fazer o oposto e recusar todo o fornecedor ligado ao desmatamento. O mundo não comprará a carne brasileira a esse preço. Os exportadores enfrentarão barreiras. Isso é certo.

O Brasil é tão insensato que até da anêmica Mata Atlântica tirou 100 mil hectares em três anos.

Nossa marcha rumo ao passado nos tirará mercado externo. Mas isso é o de menos. O trágico é perdermos o futuro. Símbolo irônico das nossas escolhas é aprovar a MP 458 na semana do Meio Ambiente.

Uma mudança na agenda da economia

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Não posso imaginar a reação dos mercados no dia em que os títulos do Tesouro dos EUA perderem a condição de "AAA"

AO LONGO dos últimos 60 dias, alguns dos fantasmas que assustavam os mercados voltaram ao nível da fantasia. Os porta-vozes mais expressivos do caos econômico perdem espaço na mídia à medida que a racionalidade volta a prevalecer. Com isso, monstros imaginários passam a ser substituídos por dúvidas e questões reais.

A agenda econômica claramente mudou nas últimas semanas. Afastado o cenário de um colapso no estilo da Grande Depressão, o esforço analítico dos economistas volta-se para a forma da recuperação do crescimento, que ocorrerá a partir de 2010. O ano de 2009 já está perdido na maioria das economias do mundo, e por isso o calendário se inicia no próximo ano.

Estou convencido de que a economia mundial vai estar dividida em dois grandes grupos de países. Fazem parte do primeiro os que terão que passar por um ajuste estrutural de grandes proporções, que condicionará a dinâmica da economia por período longo. O Estados Unidos são seu integrante mais importante, tanto pela dimensão de sua economia como pela dificuldade das mudanças que enfrentará. Mas, de modo geral, quase todo o mundo desenvolvido encontra-se em situação similar.

Outro grupo é formado por economias que sofreram menos com o colapso financeiro iniciado em Wall Street e com o desarme da bolha de consumo gerada pela especulação imobiliária. Não será um grupo homogêneo, pois o principal elemento que os une é o fato de não terem sido afetados pela bolha imobiliária e de crédito. Por exemplo, China, Coreia e outros países da Ásia, na medida em que parcela importante de seu crescimento estava associada ao boom de consumo nos Estados Unidos, vão viver um processo de ajuste diverso do que vai acontecer no Brasil e na Índia. Mesmo com dinâmica heterogênea, esse será o polo mais dinâmico na segunda década do século, gerando um aumento da participação dos emergentes no PIB mundial.

A intensidade da recuperação econômica mundial estará associada de maneira importante ao que vai acontecer nos EUA, que sairão desta crise com cicatrizes profundas. Algumas são superficiais e de cura mais fácil, embora choquem à primeira vista. O melhor exemplo é a General Motors estatal, uma espécie de Automóvel Brás, para usar uma imagem cabocla. Já outras cicatrizes menos superficiais exigirão cuidados médicos mais sofisticados. Como exemplo, eu citaria a tremenda expansão do balanço do Fed, transformado em agente financeiro do Tesouro para evitar o colapso dos grandes bancos americanos.

Mas a cicatriz mais profunda e que maior perigo representa para a recuperação e estabilidade da econômica mundial é o endividamento do governo americano. O órgão responsável pelo Orçamento admite que a relação dívida/PIB pode chegar a 82% em 2019. Nessas condições, o total de juros a serem pagos chegaria a US$ 800 bilhões, ante US$ 170 bilhões em 2009. Esses números certamente afetariam a credibilidade dos títulos do Tesouro, obrigando o governo a trabalhar com a restrição do chamado superávit primário para estabilizar seu endividamento.

Nós, brasileiros, sabemos bem o que é isso, mas na maior economia do mundo será uma novidade. Não por outra razão, nesta última quarta-feira o presidente do Fed fez uma dura advertência ao governo Obama e ao Congresso para que reduzam o déficit fiscal nos próximos anos. Não posso imaginar a reação dos mercados no dia em que os títulos do Tesouro norte-americano perderem sua condição de "triplo A".

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Cadê o imposto da poupança?

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Tal como o fundo soberano e o pré-sal, debate sobre tributo da poupança morre assim que a picuinha dos políticos esfria

ALGUÉM AINDA lembra das batalhas de Itararé do Fundo Soberano do Brasil (FSB), que abrigaria o dinheiro das "reservas em reais" do Tesouro (Ministério da Fazenda) e, em tese, seria utilizado para "políticas anticíclicas" etc.? O caso fez furorzinho político ao longo de 2008, motivou conflitos internos no governo e serviu de burrico de batalha da oposição.

Bem, o que o governo fez de "política anticíclica" nada teve a ver com o dinheiro do FSB. Em vez disso, Lula e sua "equipe econômica" fizeram o serviço dando subsídios ao consumo, soltando dinheiro do compulsório para bancos e fazendo os bancos estatais emprestarem muito mais do que a banca privada.

A medida provisória que regulamentava a capitalização do FSB morreu de velha no final de maio. Morreu não porque o debate sobre o assunto chegou ao fim, com derrota do governo. Morreu no congestionamento parlamentar criado pela oposição, que passou a obstruir a pauta de votações no Senado devido a outra picuinha, a CPI da Petrobras.

Alguém ainda se lembra das batalhas de confete a propósito da poupança? Faz duas ou três semanas, ainda fazia furor. A oposição alardeava de modo descarado que o governo pretendia confiscar o caraminguá da caderneta. O governo, por sua vez, apareceu com um imposto confuso. E então a história morreu.

O governo deixa como está para ver como é que fica. Não houve movimentos anormais nas aplicações financeiras (poupança ou outras). De resto, alguém avisou, "nas internas" do governo, que o imposto pode ser contestado na Justiça (e a oposição diz ter ouvido de ministros do Supremo que a tributação, tal como proposta, cairia). Porém, a oposição percebeu que a campanha "não colou" e mudou de assunto: agora trata da chacrinha da CPI da Petrobras, refrega na qual também vem apanhando. A oposição parece um jogador iniciante de xadrez, que a todo momento se imagina esperto por aplicar xeques bisonhos e reversíveis no rei adversário, o governo.

Ontem saiu o balanço de depósitos e retiradas da poupança em maio. Na Fazenda, o pessoal estava satisfeito. O saldo ficou positivo em R$ 1,88 bilhão. Na interpretação do governo, nem o terrorismo bisonho da oposição colou nem os ingênuos investidores "populares" brasileiros mudaram suas posições. Parece, pois, mais um incentivo para que o governo empurre o problema com a barriga, como já o fizera em 2007.

Porém, os dados de apenas um mês não apontam tendência alguma, nem o problema do tabelamento dos juros da poupança desapareceu. Em primeiro lugar, apesar do saldo positivo, o nível de depósitos na caderneta continua baixo. Segundo, é bem provável que o saldo tenha ficado negativo em alguns meses a partir de meados de 2008, e principalmente neste ano, porque o povo tenha ficado sem dinheiro. Saques maiores do que depósitos são típicos de momentos de crise, basta ver o histórico da poupança.

Em vez de aproveitar o tempo a fim de articular e negociar uma saída bem pensada para o problema dos juros tabelados, o governo se autocongratula por ter superado uma picuinha oposicionista. É esse o nível do nosso debate parlamentar, econômico e político.